Fapesp

A FAPESP e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável


90% das pesquisas ligadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são feitas em países ricos


90% das pesquisas ligadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são feitas em países ricos

Estudo mostra que as nações que mais precisam de soluções para cumprir as metas propostas pela ONU para 2030 investem pouco em áreas como educação e geração de energia limpa. Especialistas defendem parcerias internacionais para aumentar investimentos em países de baixa renda (imagem: ONU/divulgação)

Publicado em 12/05/2021

André Julião  |  Agência FAPESP – Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram estipulados em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU) visando alcançar um futuro sustentável e justo para a população mundial até 2030. E há um consenso entre formuladores de políticas públicas de que o investimento em ciência é fundamental para que os 17 ODS sejam alcançados. Mas esse processo está ocorrendo de forma muito desigual.

Uma pesquisa liderada por cientistas da University of Sussex e da University College London, ambas no Reino Unido, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mostra que os países que menos precisam de ajuda para alcançar as metas da ONU respondem por 90% das pesquisas relacionadas aos ODS. Enquanto isso, nações que precisam avançar em áreas como educação de qualidade, energia limpa a preços acessíveis, consumo e produção sustentável, por exemplo, produzem menos nessas áreas do que países de renda média e alta somados.

Os resultados parciais da pesquisa foram apresentados no dia 27 de abril, durante o Second Global Forum of Funders, evento on-line organizado pelo International Science Council em parceria com um consórcio de agências públicas e privadas de fomento à pesquisa de várias partes do mundo, incluindo a FAPESP.

“Um achado interessante é que a maior parte das pesquisas [feitas hoje no mundo] não têm relação com os ODS, de acordo com os parâmetros que usamos”, contou Joanna Chataway, chefe do Departamento de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Políticas Públicas da University College London.

Há exceções. Os países que têm grandes desafios são relativamente especializados em pesquisas ligadas aos ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável), 3 (Saúde e bem-estar) e 6 (Água potável e saneamento). Mas o mesmo não ocorre em relação ao ODS 4 (Educação de qualidade), 7 (Energia limpa e acessível) e 12 (Consumo e produção responsáveis).

A pesquisadora apontou que o maior descompasso, porém, é o fato de mais de 50% das pesquisas realizadas no mundo – segundo os assuntos encontrados na plataforma Web of Science, de onde os dados foram extraídos – não terem relação com assuntos que se enquadram nos ODS. Entre as pesquisas que têm ligação com os ODS da ONU, mais de 90% são realizadas em países de renda alta e média para alta, onde a dificuldade de vencer esses desafios é menor. A pesquisadora ressalta, no entanto, que os dados são preliminares e que um relatório completo será publicado em novembro.

Mudar o centro de gravidade

Para aumentar as pesquisas relacionadas aos ODS nos países que mais necessitam é preciso “mudar o centro de gravidade da ciência”, apontou Tom Kariuki, diretor de programas da The African Academy of Sciences (AAS), ao falar sobre os planos para o seu continente.

Em 2016, a AAS, em parceria com a agência de desenvolvimento da União Africana, iniciou o plano de cinco anos da chamada Aliança para Aceleração de Excelência em Ciência na África (AESA, na sigla em inglês).

O plano é baseado em quatro pilares: construir liderança e ambientes que deem suporte a uma cultura de pesquisa no longo prazo; apoiar o desenvolvimento de uma cultura empreendedora guiada pela ciência e inovação; identificar e apoiar líderes emergentes para que continuem suas carreiras no continente e, finalmente, preencher lacunas críticas no ambiente de pesquisa.

“Somos um continente guiado por pessoas jovens, jovens cientistas buscando oportunidades na África. Todos já ouviram falar dos nossos desafios quanto à migração e fuga de cérebros e parte do nosso trabalho é identificar as melhores ideias – e não há escassez de ideias – e dar apoio a elas. Quando são apoiados, esses jovens podem construir suas carreiras aqui, tornando-se independentes e competitivos na arena global”, disse Kariuki.

Os países ricos podem contribuir com o financiamento de pesquisas nessas nações. O Grand Challenges Africa, por exemplo, busca promover inovações lideradas por cientistas do continente para ajudar os países a alcançar os ODS. O financiamento é realizado por instituições de outros países, como a Fundação Bill & Melinda Gates e a Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Asdi), entre outras.

“Uma das opções é entrar para programas específicos como o Grand Challenges [que tem outras edições em países como Brasil e Índia]. Outra é fazer parte de programas que tenham chamadas globais, como o Belmont Forum, e então disponibilizarmos recursos em chamadas voltadas apenas para pesquisadores da África. Nesse caso, pode-se garantir que pesquisadores africanos sejam os principais candidatos”, explicou AnnaMaria Oltorp, chefe de cooperação em pesquisa da Asdi.

A agência trabalha ainda em colaboração com o Conselho de Pesquisa da Suécia para direcionar recursos para estudos voltados ao desenvolvimento. Com isso, a Asdi pode se certificar de que haverá colaboração do país com pesquisadores de nações de renda baixa e média, por exemplo.

“Há um número cada vez maior de pesquisadores de países de renda baixa e média tomando parte na pesquisa. Eu acredito que não há ciência de nível mundial sem colaboração. Especialmente no que se refere aos ODS, eles são desafios globais, mas as soluções são locais. E se falarmos de pesquisa transdisciplinar, temos de envolver todos os atores, temos de trabalhar com bons pesquisadores nos países”, afirmou.

Albert van Jaarsveld, diretor-geral do International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA), da Áustria, encerrou o segundo dia do evento enfatizando que a principal discussão agora é como dar escala a essas iniciativas e gerar alto impacto o mais rápido e o melhor possível. “Isso é muito importante para nossa própria sobrevivência como espécie. No entanto, é preciso que seja uma iniciativa global e que gere impacto”, encerrou.

Confira também os debates do primeiro e do terceiro dia do Second Global Forum of Funders.

Fonte: https://agencia.fapesp.br/35802