Para garantir que os insetos fossem expostos aos aromas de forma semelhante ao que ocorre na natureza, os cientistas desenvolveram e aperfeiçoaram um difusor para disseminar os compostos onde o inseto fica confinado e faz escolhas a favor ou contra os aromas ofertados (foto: Fundecitrus)
Publicado em 27/06/2025
Karina Ninni | Agência FAPESP – O greening é a doença mais devastadora da citricultura. Em São Paulo, maior produtor mundial de laranja, 44% das laranjeiras apresentam a doença. Desde que foi encontrado no Brasil, em 2004, o greening vem sendo enfrentado com o controle do psilídeo-dos-citros, inseto vetor da doença (Diaphorina citri), focado no manejo com inseticidas, plantio de mudas livres da bactéria que a causa, a Candidatus Liberibacter asiaticus, e erradicação de árvores doentes dos pomares.
Na tentativa de manipular o comportamento do inseto, uma equipe de cientistas chegou ao α-copaeno, molécula presente em grande quantidade no óleo de copaíba. E descobriu que ele é bastante eficaz para repelir o psilídeo – na verdade, cem vezes mais potente do que a substância investigada anteriormente, o β-cariofileno.
“Não existe uma forma eficaz de matar a bactéria na planta. Se a planta for infectada, deve ser eliminada e retirada do pomar, pois torna-se uma fonte para contaminação do psilídeo transmissor. Entretanto, conseguimos identificar mais um composto repelente do inseto, além de outro que já tínhamos identificado”, esclarece o químico Rodrigo Facchini Magnani, do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), um dos autores de recente trabalho sobre o tema publicado na Scientific Reports.
A laranjeira demora cerca de seis meses para demonstrar os sintomas da doença. A técnica de PCR é utilizada para detectar a bactéria na planta e confirmar o diagnóstico da doença. A maneira mais economicamente viável de saber se ela está contaminada é visual. Há vários sintomas: a folha fica com manchas amareladas (mosqueamento), o fruto deixa de ser simétrico, as sementes são abortadas e o suco produzido tem uma qualidade inferior. Ao longo dos anos, a bactéria vai se multiplicando na planta, que fica com os ramos contaminados e, ano a ano, aumenta a queda dos frutos e diminui a produtividade do pomar. A planta vai se tornando improdutiva e, pior, serve de fonte de inoculação para novas gerações de psilídeos.
Magnani conta que, em 2009, foi formada uma comissão nacional com representantes da academia, de produtores locais e da indústria para investigar a doença, que já havia chegado ao Estado de São Paulo. Essa comissão, por sua vez, estava em permanente contato com uma congênere internacional que vinha monitorando mundialmente a doença. “Em algum momento, pequenos produtores do Vietnã observaram e reportaram que, quando havia goiabeiras intercaladas com plantas de tangerina, havia população menor do inseto e menor incidência da doença nas plantas de tangerina. Isso chamou a atenção da comunidade científica, da indústria e dos produtores”, lembra o pesquisador.
A goiabeira poderia estar emitindo compostos que causam interferência na aproximação do inseto aos locais em que as plantas estavam. Após investigações, foi encontrado um composto em grande quantidade no aroma da goiabeira: o β-cariofileno. No avanço das pesquisas, concluiu-se que ele, de fato, repelia o inseto e que isso poderia ser utilizado como uma estratégia nas próprias plantas de citros, fazendo com que elas aumentassem a produção desse composto (uma vez que os citros já produzem o composto, porém em quantidades menores).
“Inicialmente, inserimos genes produtores de cariofileno em plantas de Arabidopsis, que crescem rápido. A Arabidopsis é um modelo muito utilizado em biologia molecular e engenharia genética e também produz naturalmente uma quantidade muito pequena de β-cariofileno. Após o experimento, a planta não somente superexpressou o composto, como também repeliu o inseto. Só que, quando se introduz esse gene, além de produzir maior quantidade do β-cariofileno também são incrementadas duas outras moléculas: α-copaeno e α-humuleno. Então, nos perguntamos qual seria o papel delas”, detalha Magnani.
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Segundo outro autor do trabalho, o entomologista Haroldo Xavier Linhares Volpe, também do Fundecitrus, quando a planta emite esse aroma o inseto recebe não uma molécula, mas uma mistura desses compostos na proporção de 1 (α-copaeno) para 100 (β-cariofileno) para 10 (α-humuleno).
“Por isso, resolvemos estudar as outras duas moléculas, isoladamente ou em misturas, seguindo a proporção original, e descobrimos que o α-copaeno repele o inseto numa dose 100 vezes menor do que a necessária de β-carofileno. Quando ele foi estudado sozinho, nós ficamos impressionados e pensamos: achamos uma molécula muito mais potente, que pode ser priorizada em novas estratégias repelentes”, explica Volpe. “Quanto ao α-humuleno, descobrimos que ele é neutro nessa comunicação. α-Copaeno e β-cariofileno são suficientes para dizer ao inseto para ir embora.”
Os pesquisadores testaram, ainda, o potencial repelente do óleo de copaíba diluído em um solvente (hexano) para entender se também funcionava e tiveram resultado positivo.
Para garantir que os insetos fossem expostos aos aromas de forma semelhante ao que acontece na natureza, os cientistas desenvolveram e aperfeiçoaram um liberador dinâmico (difusor) para disseminar os compostos em uma arena em que o inseto fica confinado, caminhando e fazendo escolhas a favor ou contra os aromas ofertados a ele.
“As substâncias que integram o composto têm tempos de volatilização diferentes, assim não podíamos, por exemplo, embeber um algodão com o fluido contendo as moléculas e deixar na arena. Usamos uma pequena lamparina de vidro, fechada em cima, com um pavio de algodão que vai puxando o líquido de dentro do frasco e liberando para dentro da arena usada para avaliar o comportamento do psilídeo”, explica o professor Walter Leal, pesquisador da Universidade da Califórnia em Davis e colaborador do projeto. “Testamos com a ajuda desse difusor tanto o óleo de copaíba quanto as moléculas individualmente, bem como em misturas de duas ou três moléculas.”
Leal ressalta que pela primeira vez foi possível ao mesmo tempo nominar e quantificar o composto emanado no ar e que chega ao inseto graças ao equipamento multiusuário obtido com apoio da FAPESP. A Fundação também apoiou o trabalho por meio de dois Projetos Temáticos (17/21460-0 e 15/07011-3). “O que interessa para as empresas que desenvolvem produtos repelentes ou atrativos é o que vai para o ar, não o que é colocado no difusor”, aponta Leal. Essa informação é valiosa para o desenvolvimento de produtos para o monitoramento e manejo integrado de pragas agrícolas, veterinárias e urbanas.
Estratégia repele-atrai-mata
Outras plantas hospedeiras do inseto são o curry e a murta. “Elas são boas para o psilídeo se multiplicar, mas ele não consegue adquirir a bactéria do curry de jeito nenhum e só 1% dos insetos que se alimentam da murta adquirem a bactéria”, afirma Volpe. O pesquisador revela, ainda, que a ideia é trabalhar com uma tecnologia difundida cientificamente e já utilizada comercialmente chamada “repele-atrai-mata” (push-pull and kill).
“Queremos trabalhar com a associação da laranjeira repelindo o inseto, sendo atraído para uma planta isca, que pode ser o curry, mas teremos de matar os insetos nesse curry e ainda estamos estudando como torná-lo letal para o inseto. Temos uma linha de pesquisa sobre o tema e artigos publicados propondo o curry como planta atrativa”, destaca.
O artigo α-Copaene is a potent repellent against the Asian Citrus Psyllid Diaphorina citri pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-025-86369-1.