Ligação entre biodiversidade, água, alimento e saúde foi o tema de um dos relatórios lançados nesta semana por painel de especialistas (foto: Jonathan Filskov Photography)
Publicado em 18/12/2024
André Julião | Agência FAPESP – Além de resguardar a vida na Terra para as próximas gerações, conter a crescente perda de biodiversidade e dos serviços prestados por ela pode ser lucrativo. É o que apontam os mais recentes sumários para tomadores de decisão da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).
Os dois documentos foram lançados nesta semana (17 e 18/12) após a realização da 11ª Plenária do IPBES, em Windhoek, na Namíbia.
Os relatórios apontam para a geração de 295 milhões de empregos e oportunidades de mais de US$ 10 trilhões em negócios até 2030 em atividades sustentáveis ou centradas na natureza. Os prejuízos causados pela falta de ação seriam superiores ao dobro desse valor.
Os documentos apontam ainda para a necessidade de uma reconexão das pessoas com a natureza, de forma a fazer com que os 75% da população mundial que vivem em cidades mudem hábitos para conter a destruição da biodiversidade no planeta e suas consequências, como a perda de polinização, chuva, alimento e outros serviços prestados pela natureza.
Os sumários são resultado de dois diagnósticos construídos a partir da primeira avaliação global do estado da natureza, publicado pelo IPBES em 2019 (leia mais em: agencia.fapesp.br/30430).
Na ocasião, o documento apontava que a única forma de atingir objetivos de desenvolvimento sustentável seria por meio de mudanças transformadoras, tema de um dos relatórios divulgados agora, Assessment Report of the Underlying Causes of Biodiversity Loss and the Determinants of Transformative Change and Options for Achieving the 2050 Vision for Biodiversity.
“Uma mensagem importante é o custo da inatividade. Se continuarmos a fazer o de sempre, isso terá um custo alto nos próximos anos. Muito maior do que as oportunidades que existem, como a restauração ecológica, que gera uma grande quantidade de empregos e traz de volta uma série de serviços ecossistêmicos”, aponta Carlos Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro da coordenação da Iniciativa Amazônia+10 e coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).
Joly foi um dos revisores do capítulo 5 do diagnóstico que deu base para o sumário divulgado agora sobre mudanças transformadoras. Os diagnósticos são divulgados posteriormente aos sumários e não dependem de aprovação do plenário.
Mudanças transformadoras
O documento sobre mudanças transformadoras aponta seis conjuntos de intervenções que podem ser realizadas de forma complementar para que as transformações ocorram. São mudanças sistêmicas, estruturais, envolvem o empoderamento de grupos historicamente marginalizados, a cocriação entre ciência e outros sistemas de conhecimento tradicionais, o uso de avanços em ciência e tecnologia e a transformação interna das pessoas.
“Essa última é a mais difícil de acontecer, mas também a que pode trazer mais resultados de médio e longo prazo. É uma mudança de valores, de como as pessoas se relacionam com o ambiente em que vivem e seus padrões de consumo”, opina Cristiana Seixas, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam-Unicamp), membro da coordenação do Programa FAPESP para o Atlântico Sul e Antártica (PROASA https://fapesp.br/proasa) e autora de um dos capítulos do diagnóstico.
Biodiversidade, água, alimento e saúde
O outro sumário para tomadores de decisão lançado pelo IPBES foi o Assessment Report on the Interlinkages Among Biodiversity, Water, Food and Health, ou relatório Nexo. O documento leva em conta a ligação que a biodiversidade tem com a disponibilidade de água e alimento, além da saúde das pessoas.
“A base da discussão aqui é a humanidade como parte da natureza. A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos compõem a vida da sociedade e essa visão integrada é uma das belezas do IPBES”, diz Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Ometto é um dos autores do capítulo sobre governança do relatório Nexo. O documento destaca, entre outros temas, que abordagens de governança integrada podem ajudar a responder a desafios comuns relacionando biodiversidade, água, alimento, saúde e mudanças climáticas.
As abordagens devem focar em políticas públicas, instituições e ações que promovam integração, inclusão, equidade e responsabilidade. No entanto, as ações existentes, que normalmente têm como ponto de partida perspectivas setoriais, acabam resultando em uma governança desalinhada, redundante e inconsistente, falhando em causar mudanças positivas.
“A adaptação para as mudanças climáticas numa cidade, por exemplo, não pode ser setorial. Existem diferentes instâncias, territórios, camadas sociais que estão sendo e serão afetados pelas enchentes ou pela falta de chuvas, por exemplo. Por sua vez, estes afetam aspectos como saúde, acesso ao alimento, transporte. É preciso interligar as ações para que as soluções tenham um espectro mais amplo e duradouro, tirando o melhor proveito de cada uma delas”, observa o pesquisador.
Para Joly, o ponto principal dos dois relatórios, que resultam de uma demanda dos 188 países signatários da Convenção sobre a Diversidade Biológica, é a mudança de modelo econômico, atualmente baseado na exploração predatória de recursos naturais. As mudanças propostas não apenas trazem a perspectiva da recuperação de serviços ecossistêmicos, como também oportunidades para um desenvolvimento econômico mais justo para todos.