Em evento on-line do Global Research Council, pesquisadoras afirmam que investigações que não consideraram diferenças de gênero, sexo, etnia e perfil socioeconômico prejudicam pessoas e desperdiçam recursos (imagem: UN Research Roadmap for the COVID-19 Recovery)
Publicado em 12/04/2021
André Julião | Agência FAPESP – O desafio de implementar pesquisas inclusivas, que levem em conta questões de sexo e gênero, assim como de raça e condições socioeconômicas, foi o tema de uma das sessões de 10 de dezembro do “GRC COVID-19 Virtual Seminar – Americas Region”. O evento é promovido pelo Global Research Council (GRC) e organizado pelo Conicet, da Argentina, Conacyt, do Paraguai, e pela FAPESP.
“Há inúmeros exemplos de como análises não inclusivas prejudicam a pesquisa e mesmo desperdiçam recursos. Em tecnologia, há muitos casos. Desde algoritmos de um sistema de busca que tem cinco vezes mais chances de mostrar para homens anúncios de empregos executivos bem pagos do que para mulheres, até sensores de monitoramento cardíaco que não funcionam em pessoas negras”, disse Londa Schiebinger, professora da Stanford University e criadora da Gendered Innovations, plataforma que busca guiar projetos de pesquisa na inclusão de sexo, gênero, perfil socioeconômico e raça.
A pesquisadora liderou a equipe que elaborou relatório da Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, sobre como análises inclusivas contribuem para a pesquisa e inovação.
Baseada no relatório elaborado pelo time de Schiebinger, a Comissão Europeia determinou que todo projeto de pesquisa submetido ao programa Horizon Europe – que vai investir 85 bilhões de euros em pesquisa nos próximos sete anos – deverá incorporar sexo e gênero já na fase de desenho do estudo.
A iniciativa foi tema de um editorial da revista Nature. Caso seja ratificado, o programa será o maior a incluir gênero e sexo nas análises dos projetos de pesquisa submetidos.
“Não dá para negar o impacto da pandemia em nossa compreensão de como a desigualdade afeta a pesquisa. Os caminhos em que a desigualdade molda a experiência dos pesquisadores e o conhecimento que eles produzem se tornaram bem aparentes”, disse Ana Maria Almeida, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE-Unicamp) e membro do Grupo de Trabalho em Gênero do GRC, na abertura da sessão.
“O fato de que algumas drogas funcionam melhor para homens do que para mulheres; de que políticas econômicas, de saúde e de educação não dão conta da desigualdade; tudo isso tem sido mais largamente discutido agora, graças aos desafios trazidos pela pandemia”, afirmou.
Para que mais medidas assim sejam tomadas, porém, as participantes da sessão concordaram que são necessários mais dados, principalmente no cenário pós-pandemia. “Temos a percepção de que a diferença de gênero [na pesquisa] será mais forte do que era antes e que as medidas que vamos tomar terão de ser mais efetivas. Todos viram o impacto na produtividade entre pesquisadoras mulheres, mães com filhos pequenos principalmente, mas precisamos de dados para levar essa discussão adiante”, disse Aisen Etcheverry, diretora da Agencia Nacional de Investigación y Desarrollo (ANID), do Chile.
A sessão teve ainda a participação de Dorothy Ngila, da National Research Foundation, da África do Sul, e membro do Grupo de Trabalho em Gênero do GRC. A pesquisadora apresentou dados preliminares de uma pesquisa sobre a promoção de mulheres na pesquisa científica nas instituições-membros do GRC.
Segundo o levantamento, a maioria das instituições coleta dados sobre o número de homens e mulheres (88%), publica dados separados por gênero (78%), menciona equidade de gênero em seus estatutos, planos estratégicos e outros documentos (66%), colhe dados sobre número de mulheres em posições de tomada de decisão (60%) e tem metas baseadas em equidade de gênero (57%).
“As organizações devem continuar coletando esses dados em submissões de projetos, revisões e financiamento, além de espalhar isso por meio dos vários outros processos do fluxo de gerenciamento dos auxílios”, disse Ngila.
“Dados como esses estão ficando mais e mais difíceis de coletar nos últimos anos. Sem essas informações, é difícil saber se estamos tendo impacto nas políticas e práticas implementadas”, comentou Joanne Tornow, diretora assistente para ciências biológicas da National Science Foundation, dos Estados Unidos.
Pesquisas sobre COVID-19
Noutra sessão do seminário do GRC, dirigentes de agências de fomento das Américas discutiram as recomendações do UN Research Roadmap for the COVID-19 Recovery, apresentadas por Marisa Creatore, uma das principais autoras do documento. Participaram Alejandro Adem, presidente do Conselho de Pesquisas em Ciências Naturais e Engenharia do Canadá; Victor Sanchez Urrutia, secretário nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação do Panamá; Evaldo Vilela, presidente do CNPq, e Federico Torres, vice-ministro de Ciência e Tecnologia da Costa Rica (para mais informações sobre o documento da ONU acesse https://agencia.fapesp.br/34627/).
“A COVID-19 não é apenas um fenômeno biológico, mas social. Agora podemos decidir se vamos usar essa crise como uma oportunidade para ter um futuro melhor ou não”, disse Creatore.