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Além de danos nas articulações, chikungunya pode afetar sistema nervoso central


Além de danos nas articulações, chikungunya pode afetar sistema nervoso central

Investigação realizada por equipe internacional de pesquisadores mostrou que o vírus chikungunya pode causar infecções neurológicas. Risco de morte nas fases agudas e subagudas da doença foi maior em pacientes com diabetes e em jovens adultos (imagem: Wikimedia Commons)

Publicado em 23/04/2021

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Estudo realizado por equipe internacional de pesquisadores com apoio da FAPESP revela que a infecção pelo vírus chikungunya pode ter manifestações ainda mais graves que os sintomas característicos da doença, como febre aguda, cefaleia, erupção cutânea e intensas dores articulares e musculares.

A análise, realizada por 38 pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade de São Paulo (USP), Ministério da Saúde, Imperial College London e Universidade de Oxford, mostra que o patógeno pode infectar também o sistema nervoso central e comprometer as principais funções motoras.

“O estudo trouxe novos entendimentos importantes sobre a doença e o vírus da chikungunya. Além da possibilidade de o vírus infectar o sistema nervoso central, identificamos também que a letalidade da doença é maior em adultos jovens e não em crianças ou idosos, como se costuma prever em surtos da doença. A investigação mostra ainda que pacientes com diabetes parecem morrer com frequência sete vezes maior durante as fase aguda e subaguda da doença [entre 20 e 90 dias após serem infectados] que indivíduos sem a comorbidade”, diz William Marciel de Souza, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e coautor do artigo publicado na revista Clinical Infectious Diseases.

A pesquisa foi conduzida no âmbito do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE). Também é fruto do projeto de pós-doutorado de Souza, realizado em parte na Universidade de Oxford, no Reino Unido, por meio de uma bolsa de estágio no exterior . O projeto realizado por pesquisadores de diferentes instituições contou ainda com auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Maior surto nas Américas

O trabalho teve como base uma ampla gama de dados clínicos, epidemiológicos e amostras laboratoriais de pacientes que morreram durante o maior surto da doença nas Américas, ocorrido no Estado do Ceará, em 2017. Na época, foram registrados 105 mil casos suspeitos e 68 mortes.

A documentação dos dados coletados durante a epidemia foi realizada pelo Serviço de Verificação de Óbitos da Secretaria de Saúde do Ceará. A partir dessas informações, os pesquisadores puderam avançar nas investigações, realizando um estudo muito completo sobre o surto. Amostras de sangue e líquor dos infectados foram submetidas a métodos de análises genômicas, como RT-PCR (teste capaz de identificar o material genético do vírus) e MInION (tecnologia que permite sequenciar rapidamente o genoma viral). Também foram realizadas análises de imuno-histoquímica (para avaliar amostras de tecidos) e exames para detectar a presença de anticorpos contra o vírus chikungunya.

O patógeno é transmitido por meio da picada de fêmeas dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus. A maioria dos casos da doença é caracterizada pela forma aguda da infecção, com febre alta, dores de cabeça, nas articulações e nos músculos, além de náusea, fadiga e erupções na pele, por três semanas após a infecção. Depois desse período, alguns pacientes podem evoluir para a fase subaguda, com a persistência desses sintomas. Em alguns casos, a dor nas articulações pode persistir por mais de três meses, indicando a transição para o estágio crônico, que pode durar anos.

Além de ter a comprovação laboratorial, os pesquisadores também verificaram os prontuários médicos e observaram que a grande maioria dos infectados que morreram durante o surto no Ceará apresentou síndrome neurológica – lesões no sistema nervoso central que podem ser altamente incapacitantes por comprometerem as principais funções motoras.

“As dores articulares eram bem conhecidas e estão relacionadas com a denominação da doença, que no idioma suaíli significa aquele se dobra [de dor]. No entanto, identificamos também graves problemas no sistema nervoso decorrentes da chikungunya”, diz Souza.

Das 36 amostras de tecido cerebral de indivíduos que vieram a óbito, quatro (ou 11%) continham o microrganismo. “A presença do vírus dentro do cérebro de infectados significa uma caracterização bem clara de que ele consegue ultrapassar a barreira hematoencefálica – que protege o sistema nervoso central – e tem capacidade de causar uma infecção no cérebro e na medula espinhal”, explica Souza.

Mais vulneráveis

Além das novas características da infecção, os pesquisadores identificaram também que o risco de morte nas fases agudas e subagudas era sete vezes maior em pacientes com diabetes. Os pesquisadores realizaram uma análise patológica e os resultados indicam, nos casos de óbito, a infecção por chikungunya em distúrbios na circulação sanguínea e no equilíbrio hídrico no cérebro, coração, pulmão, rim, baço e fígado.

“O trabalho confirma algumas observações clínicas prévias da morte por chikungunya e também evidencia novos aspectos da doença e sua letalidade. Essas novas informações, obtidas por meio do estudo minucioso do surto ocorrido no Ceará, deverão contribuir para o reconhecimento de fatores causadores de gravidade, ajudando também, no futuro e a partir de novos estudos, no tratamento”, diz Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e coautor do estudo.

Figueiredo realiza pesquisa, apoiada pela FAPESP, sobre sequenciadores de alto desempenho para identificação e caracterização de vírus, sem a necessidade de isolamento e cultivo celular. O método, mais eficiente e barato, utiliza a plataforma MinIon, que faz a leitura do DNA e do RNA em tempo real. Dessa forma, o sequenciamento genético do vírus é obtido em uma única etapa.

A partir do estudo, os pesquisadores revelaram padrões inesperados para epidemias de arboviroses, como, por exemplo, o fato de idosos e crianças não representarem os grupos etários com maior risco de morte. Pelo contrário, entre os mortos no surto de 2017, a maioria era de adultos (40 anos ou mais).

A descoberta se deu a partir da análise de 100 casos de morte por suspeita de arbovirose (entre 2016 e 2017) no Estado. A partir de análise de RT-PCR, os pesquisadores conseguiram identificar a presença do vírus chikungunya e confirmar a causa da morte desses indivíduos.

“Normalmente, relacionamos esse vírus a hospitalizações e óbito de pacientes mais idosos ou crianças. Porém, foi observado que a maioria [mais de 60%] das pessoas infectadas pelo chikungunya que apresentou infecção no sistema nervoso central e foi a óbito era adulta”, relata Souza.

Souza destaca que os pacientes que morreram tinham uma variação etária grande, desde crianças com 3 dias de idade, até pessoas com 85 anos.

De acordo com o pesquisador, o achado reforça que, em um surto como o ocorrido no Ceará, não necessariamente o grupo de maior risco está nas pessoas com o sistema imunológico suprimido, ou deficiente. “Eram adultos jovens e saudáveis e não havia comorbidade relacionada na maioria dos casos. Isso adiciona mais uma camada à doença e pode ser uma informação de extrema importância para a prática clínica – que deve dispensar atenção redobrada a esse grupo etário, pois a probabilidade de evoluir para óbito é maior”, diz.

O artigo Fatal outcome of chikungunya virus infection in Brazil (doi: 10.1093/cid/ciaa1038) pode ser lido em https://academic.oup.com/cid/advance-article/doi/10.1093/cid/ciaa1038/5885158 .
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/33957