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Análise genômica do tubarão-mako revela genes relacionados a supressão de tumores em humanos


Análise genômica do tubarão-mako revela genes relacionados a supressão de tumores em humanos

Mapeamento genético do fígado e do olho do animal revelou superexpressão de nove genes conhecidos por atividade antitumoral, cicatrização e provável visão monocromática; espécie é considerada globalmente ameaçada de extinção e capturada em larga escala por pesca industrial (foto: Wikimedia Commons)

Publicado em 19/04/2021

André Julião | Agência FAPESP – Relatos anedóticos dizem que tubarões têm uma incidência muito baixa de câncer. No entanto, não há dados para fazer a afirmação de forma categórica. Um estudo publicado na revista Genomics, porém, traz fortes evidências sobre a atividade antitumoral presente no genoma do tubarão-mako (Isurus oxyrinchus).

Espécie oceânica de grande porte (pode chegar a 4 metros), presente tanto em águas tropicais quanto temperadas, o mako é considerado globalmente ameaçado de extinção, em grande parte por conta da pesca com espinhel, em que são lançadas centenas de anzóis na água, capturando muitos animais de uma só vez.

As grandes embarcações que fazem esse tipo de pesca passam até 60 dias em alto-mar e trazem para a terra firme toneladas de peixes. Foi lá que cientistas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) recolheram amostras de vários tecidos do tubarão. As análises em laboratório e de bioinformática, realizadas por pesquisadores brasileiros, revelaram que, entre os dez genes mais expressos no fígado do mako – órgão conhecido também pelo papel no sistema imune –, nove têm atividade antitumoral em humanos.

“Por conta do longo tempo que esses cruzeiros pesqueiros passam no mar, poucas amostras de tecido dos órgãos mantiveram o RNA conservado. Conseguimos resgatar material genético de apenas quatro fígados e três olhos, que ainda assim trouxeram resultados surpreendentes”, explica Rodrigo Domingues, primeiro autor do trabalho, realizado durante estágio de pós-doutorado no Departamento de Ciências do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos, sob supervisão de Fernando Mendonça.

Parte das análises foi feita por Domingues durante estágio no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), em Portugal, também com bolsa da FAPESP. A pesquisa é parte de um projeto conjunto entre Brasil e Portugal, financiado pela FAPESP e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia portuguesa.

As análises revelaram 3.774 genes expressos de forma diferenciada nos dois órgãos, sendo 1.612 no olho e 2.162 no fígado. A maioria dos que estavam superexpressos no olho era relacionada à estrutura do órgão e à sinalização da visão para o cérebro. Foram encontrados poucos genes relacionados à recepção de luz, o que indica que o mako provavelmente tem visão monocromática (enxerga apenas tons de uma mesma cor), como todos os outros tubarões estudados até hoje.

O maior sequenciamento genético de um tubarão, realizado recentemente no tubarão-branco (Carcharodon carcharias), relevou dois genes positivamente selecionados que têm atividade antitumoral. Daí a surpresa dos pesquisadores brasileiros ao descobrir que, apenas entre os dez mais expressos no genoma do tubarão-mako, nove têm relação com câncer.

De câncer de cólon a glioma

Entre os genes com atividade acima do normal no fígado do tubarão, o HABP2 é conhecido por reduzir a formação de colônias e a migração celular no tumor de tireoide. O PON3, por sua vez, codifica uma enzima que pode proteger as células do estresse oxidativo, uma das causas do câncer.

Os genes NIT2, RMC1 e FGFRK1 são expressos em vários tipos de tecido e são potenciais supressores de tumor. Os dois primeiros estão relacionados à supressão de células de câncer de cólon, enquanto o terceiro exerce efeito negativo na proliferação de células, importante no início e na progressão do câncer de próstata.

O gene conhecido pela sigla ITIH3 tem papel em doenças inflamatórias, esquizofrenia, depressão, infarto do miocárdio e câncer gástrico. Enquanto CBS e A1CF atuam no câncer de cólon, ovário e mama, sendo que CBS tem efeito supressor em glioma, um tipo comum de câncer no cérebro. O trabalho mostrou ainda a ação do gene SERPIND1, responsável pela rápida cicatrização dos tubarões e que, em humanos, tem ação em processos inflamatórios e em metástase.

“Para saber se algum composto do fígado do tubarão teria atividade em células humanas, seria preciso fazer um extrato do órgão e testá-lo em células tumorais. Se fosse comprovado algum benefício significativo, outros grupos poderiam sintetizar esse composto bioativo e, quem sabe, gerar um novo fármaco para fins terapêuticos”, diz Domingues.

Os autores do estudo ressaltam que o mako é um tubarão já impactado e que sofre com a sobrepesca por frotas comerciais, que vendem suas nadadeiras para o mercado asiático e a carne para o mercado nacional. “Por isso, desencorajamos o aumento das capturas e um posterior declínio da população para mais esse propósito”, escrevem. “Por outro lado, pode ser possível combinar atividades de pesquisa, de forma a otimizar a coleta, especialmente quando observadores científicos viajam a bordo de embarcações comerciais e podem retirar amostras de espécimes que já estão mortos quando capturados”, concluem.

Pensando na conservação da espécie, os pesquisadores agora desenvolvem os chamados SNPs (Single Nucleotide Polimorphism), marcadores moleculares de mutações raras no código genético. Ao encontrar diferenças em certas regiões do genoma de 200 amostras colhidas nos oceanos Atlântico e Índico, pode-se saber, entre outros dados, se há uma ou mais populações do tubarão-mako e quais fatores oceanográficos (temperatura da água, salinidade, concentração de clorofila etc.) poderiam estar causando essa separação populacional. Com essa informação, é possível definir recomendações para a pesca e estabelecer áreas em que ela pode ou não ser feita, por exemplo.

O artigo Comparative eye and liver differentially expressed genes reveal monochromatic vision and cancer resistance in the shortfin mako shark (Isurus oxyrinchus), de Rodrigo R. Domingues, Vito Antonio Mastrochirico-Filho, Natalia J. Mendes, Diogo T. Hashimoto, Rui Coelho, Vanessa Paesda Cruz, Agostinho Antunes, Fausto Foresti e Fernando F. Mendonça, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0888754320301075.

Fonte: https://agencia.fapesp.br/34694