Em carta enviada ao European Journal of Contraception and Reproductive Health Care, pesquisadores da Unicamp defendem que serviços públicos de planejamento familiar permaneçam abertos durante a pandemia (foto: Unicamp)
Publicado em 12/05/2021
Karina Toledo | Agência FAPESP – Mais de 47 milhões de mulheres em todo o mundo podem ter o acesso a métodos contraceptivos dificultado durante a pandemia de COVID-19, o que pode resultar em 7 milhões de gestações não planejadas nos próximos meses, segundo projeções do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
Em carta publicada no European Journal of Contraception and Reproductive Health Care, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) alertam que também no Brasil o impacto sobre a saúde das mulheres será imenso caso os serviços públicos de planejamento familiar – que garantem o acesso à contracepção para as dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS) – não sejam incluídos no rol de atividades essenciais.
“Ainda há pouca informação sobre os riscos de transmissão vertical do novo coronavírus [quando o feto é contaminado ainda no útero ou durante o parto] ou pelo leite materno. Também não se sabe se a infecção no início da gravidez pode causar algum tipo de problema para o bebê, como ocorre no caso do vírus zika. Muitas mulheres estão apavoradas com a ideia de engravidar e contrair a COVID-19 e elas devem ser atendidas”, afirma o ginecologista Luis Bahamondes, professor do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-Unicamp) e coautor do texto.
Como destacam os autores na carta, gestações não planejadas estão associadas a fatores como aborto inseguro, acompanhamento pré-natal inadequado e complicações na gravidez, que resultam no aumento das taxas de morbimortalidade materna e infantil. Por esses motivos, diz o texto, “métodos contraceptivos salvam vidas”.
No Brasil, a estimativa é que 52% das gestações não sejam planejadas e que, entre as adolescentes, o número chegue a 62%. Além disso, apenas 2% das brasileiras em idade fértil (15 a 49 anos) têm acesso a métodos contraceptivos de longa duração, como o DIU (dispositivo intrauterino com cobre ou liberador de hormônio) e implantes, considerados os mais eficazes na prevenção da gravidez. No SUS, somente está disponível o DIU com cobre e não em todas as unidades de saúde.
De acordo com Bahamondes, aproximadamente 20 milhões de mulheres no Brasil dependem dos ambulatórios públicos de planejamento familiar para ter acesso a contraceptivos de longa duração e, desde o início da pandemia, a maior parte desses serviços ou está fechada ou funciona de forma restrita. “Na rede privada, por outro lado, o atendimento aparentemente está normal. Esta é mais uma faceta da desigualdade social no país”, diz o pesquisador. Bahamondes é apoiado pela FAPESP em Projeto Temático sobre o uso de contraceptivos.
Mesmo o acesso à pílula anticoncepcional pelo SUS tornou-se mais difícil durante a pandemia, conta o ginecologista, pois muitas Unidades Básicas de Saúde (UBS) que fazem a prescrição e a dispensação do fármaco estão limitando o atendimento a pessoas que apresentam febre, tosse ou outros sintomas da COVID-19.
Na avaliação do pesquisador, o acesso a métodos contraceptivos como pílula, injetáveis e anel vaginal poderia ser facilitado durante a pandemia pelo envio de receitas eletrônicas por e-mail ou aplicativos de bate-papo. As dúvidas poderiam ser esclarecidas pelo médico remotamente.
“Mesmo a colocação de DIU ou implante, que requer atendimento presencial, pode ser feito de forma segura com o uso de equipamentos de proteção individual e outras medidas de proteção. Uma possibilidade, por exemplo, seria transferir parte da sala de espera para uma área ao ar livre e colocar as cadeiras bem afastadas, Em alguns locais fora do Brasil, adotou-se um anteparo de acrílico entre o médico e a paciente”, conta o pesquisador.
Para as mulheres que fazem uso de contraceptivos de longa duração em vias de atingir o prazo de validade aprovado, a recomendação, segundo Bahamondes, é esperar o término do isolamento físico para fazer a substituição. “Dados da literatura científica indicam ser seguro aguardar por até um ou dois anos após o vencimento”, afirma.