Estudo feito no Centro de Estudos da Metrópole sugere que elevar a tributação apenas para a faixa que a sociedade considera como “os mais ricos” não permitiria custear os programas necessários para reduzir as desigualdades no país (foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)
Publicado em 29/03/2023
Agência FAPESP* – As preferências da sociedade brasileira quanto à tributação dos mais ricos se alteram quando são explicitadas as faixas de rendas sujeitas a pagar mais impostos. Uma reforma tributária progressiva, que recaia apenas no que se considera como a parcela mais rica da população, teria pouco potencial arrecadatório.
Esse embate precisa ser considerado para o sucesso de uma reforma tributária que caminhe para a cobrança progressiva dos impostos, indicam pesquisadores na mais nova Nota Técnica divulgada pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM). A pesquisa – que integra a série de estudos “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades” – foi feita com apoio da Samambaia Filantropias, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo promover liberdades e prosperidade econômica sustentável no Brasil. O CEM é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP com sedes na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Intitulada “O que pensa o eleitorado brasileiro sobre redistribuição de renda?”, a Nota Técnica 19 foi produzida a partir de estudo conduzido por Marta Arretche, pesquisadora e coordenadora de projeto no CEM, Rodrigo Mahlmeister e Eduardo Lazzari, pesquisadores juniores do centro, para a Samambaia Filantropias. Eles partem de estudos que documentam o forte apoio da população às políticas redistributivas e à interferência do Estado na redução da desigualdade de renda, independentemente da renda ou da ideologia partidária.
Esses mesmos estudos mostram que a sociedade, de forma geral, considera o atual nível de impostos excessivo. “As preferências da população, portanto, são altamente sensíveis aos custos das políticas. Isso condiz com a tendência dos parlamentares de priorizar isenções e desonerações em vez de aumentar a taxação.”
Os autores do estudo mostram que o apoio a uma reforma tributária no Brasil é condicional ao fato de que a mudança onere apenas uma parcela reduzida de pessoas no topo da distribuição de renda. Esse aspecto é crucial para se entender o apoio a uma reforma tributária progressiva no país, alertam os pesquisadores. “As taxas de apoio à redistribuição giram em torno de 80%, mas, quando um aumento geral de impostos é mencionado, a aprovação cai à metade”, afirmam os autores na Nota Técnica. O percentual foi obtido com base em pesquisas realizadas pela Oxfam Brasil em parceria com o Instituto Datafolha, nos anos de 2017, 2019 e 2020, nas quais se aplicou questionários semelhantes para auferir as preferências da sociedade brasileira em torno de políticas de redistribuição.
“A ampla aprovação e a ampla rejeição à redistribuição só são compreendidas quando se constata que a população é altamente sensível à apresentação dos custos das políticas”, ressaltam os autores. Esse processo já foi apontado na literatura científica e ocorre no Brasil e em países europeus e norte-americanos.
Nível de renda
A percepção de que a carga tributária é muito elevada no Brasil explica por que a população apoia políticas de redistribuição, mas acredita que apenas os mais ricos mereceriam pagar mais impostos, uma vez que os demais grupos sociais já seriam sobretaxados. “Vale mencionar que essa percepção de fato tem respaldo no sistema tributário do país, já que ele onera proporcionalmente mais as classes médias e baixas”, ressaltam os pesquisadores. Porém, os índices de aprovação se alteram quando se explicita quais segmentos arcariam com o maior pagamento de impostos.
A pesquisa da Oxfam Brasil perguntou quanto uma pessoa deveria ganhar, mensalmente, para integrar 10% do topo da distribuição de renda no Brasil. Cerca de 40% estimaram valores próximos de R$ 10 mil, quando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2019 indica que o valor mínimo do rendimento desses 10% que se situam no topo deve girar em torno de R$ 3 a 4 mil mensais; o brasileiro na posição mediana tem uma renda mensal próxima a R$ 1,5 mil.
Quando a pergunta é qual posição a pessoa se colocaria na escala de renda, 20% se identificam com uma posição mediana, quase o mesmo valor dos que se situam na escala mais baixa de renda. Um percentual que não chega nem a 5% se coloca como pertencente ao grupo dos mais ricos. A tendência é que a grande maioria se identifique como classe média, mesmo entre pessoas das camadas mais pobres. “As pessoas, em geral, superestimam o nível de renda necessário para fazer parte das camadas mais ricas do país, consequentemente se colocando num ponto da distribuição da renda inferior àquele em que realmente estão", explicam os pesquisadores.
Considerar o aspecto subjetivo é importante porque explica a que grupo de contribuintes a população se refere quando opina a respeito da tributação progressiva. E é um grupo bem pequeno, próximo de 1%. “Ou seja, para a grande maioria da sociedade, inclusive aos relativamente mais ricos, a ideia de tributação progressiva significa um mecanismo de transferir a terceiros o custo a ser pago para enfrentar o problema da desigualdade econômica. Se os ricos são sempre os outros, é plausível supor que o eleitor se volte contra o incumbente quando se percebe alvo da taxação”, ponderam.
“Pessoas pobres podem demandar menos redistribuição se acreditarem ser relativamente mais ricas ou de ‘classe média’ e, principalmente, eventuais contribuintes podem apoiar tributos progressivos supondo que não pertenceriam à categoria a ser taxada”, apontam os pesquisadores na Nota Técnica.
* Com informações do CEM, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP.