O nome Santjordia pagesi faz referência à cruz de São Jorge, adotada por diversos países e que se assemelha à estrutura que pode ser visualizada na parte dorsal da medusa (foto: Dhugal John Lindsay/Jamstec)
Publicado em 16/01/2024
André Julião | Agência FAPESP – Um animal gelatinoso, com cerca de 10 centímetros de diâmetro. Visto de cima, apresenta duas faixas vermelhas cruzadas, que lembram a famosa cruz de São Jorge, aquela estampada em bandeiras como a da Inglaterra. Esta é a Santjordia pagesi, nova espécie de água-viva ou medusa, como também são conhecidos esses animais, descrita por um grupo internacional de pesquisadores que inclui um brasileiro apoiado pela FAPESP.
O estudo foi publicado na revista Zootaxa e tem entre os autores André Morandini, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e diretor do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar), da mesma instituição.
Durante a realização do trabalho, o pesquisador teve apoio da FAPESP, no âmbito do Programa BIOTA (projetos 10/50174-7, 11/50242-5 e 13/05510-7).
Os outros autores são pesquisadores da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia Marinha e da Terra (Jamstec) e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa, ambos no Japão.
Proveniente das Ilhas Ogasawa, cerca de 460 quilômetros ao sul de Tóquio, a água-viva aparentemente só existe na Caldeira Sumisu, estrutura de origem vulcânica, com cerca de 10 quilômetros de extensão, a 812 metros de profundidade.
“É uma espécie muito diferente do que se conhecia até hoje de medusas de águas profundas. É um animal relativamente pequeno, enquanto outras desse tipo de ambiente costumam ser muito maiores. A coloração avermelhada no estômago provavelmente está relacionada à captura de alimento”, explica Morandini.
Uma vez que as águas-vivas são transparentes, a cor forte justamente no sistema digestório impede que criaturas bioluminescentes sejam vistas quando engolidas e chamem a atenção de predadores. Animais bioluminescentes são aqueles que produzem a própria luz, bastante comuns em águas profundas e escuras. A cruz vermelha foi que inspirou o nome do gênero, também inédito. A nova espécie homenageia o taxonomista Francesc Pagès, falecido recentemente, e deu origem a uma nova subfamília, dentro da família Ulmaridae.
Caldeira
Normalmente, alguns indivíduos são coletados e analisados para se descrever uma nova espécie. Mas a dificuldade de coleta e a raridade da Santjordia pagesi permitiram que um indivíduo fosse capturado e outro meramente avistado.
O local onde a espécie ocorre só pode ser acessado em expedições científicas com equipamentos de ponta, como submersíveis guiados por controle remoto como o Hyperdolphin, que coletou um indivíduo em 2002.
Nenhum outro exemplar foi sequer avistado até 2020, quando outro veículo, o KM-ROV filmou, mas não conseguiu coletar, o segundo indivíduo conhecido da espécie.
Momento em que o submersível guiado remotamente Hyperdolphin coleta o único exemplar da nova espécie presente em uma coleção (foto: Dhugal John Lindsay/Jamstec)
“Optamos por publicar a descrição e chamar a atenção para as espécies presentes nesse local, que tem um substrato rico em minerais com potencial para exploração comercial. Infelizmente, não se consegue fazer pesquisas em locais assim sem um parceiro que tenha interesses desse tipo”, afirma o pesquisador brasileiro.
Por ser tão diferente mesmo de espécies próximas, os pesquisadores acreditam que a água-viva possa ter um arsenal de venenos bastante diverso dos conhecidos até então. “Quem sabe ela não guarde segredos que valham mais do que toda exploração mineral que possa ocorrer naquele local?”, especula Morandini. “Tudo isso com a vantagem de manter a espécie e o local intocados”, encerra.
Uma versão em PDF gratuita do artigo A new subfamily of ulmarid scyphomedusae, the Santjordiinae, with a description of Santjordia pagesi gen. et sp. nov. (Cnidaria: Scyphozoa: Discomedusae: Semaeostomeae: Ulmaridae) from the Sumisu Caldera, Ogasawara Islands, Japan pode ser baixada em: https://mapress.com/zt/article/view/zootaxa.5374.4.5.