Extrativista conversa com professor Raimundo Maciel, da Ufac, diante de árvore de seringueira, em visita de pesquisadores à Resex Chico Mendes em setembro de 2024 (foto: GT Socioeconomia)
Publicado em 15/01/2025
André Julião | Agência FAPESP – Um consumidor paga, no varejo em São Paulo, algo em torno de R$ 100 pelo quilo da castanha-do-brasil (chamada também de castanha-do-pará). O valor pode levar a pensar que coletar castanha seja um ótimo negócio. Acontece que, no Acre, um dos estados amazônicos de onde a planta é nativa, o quilo da castanha in natura é vendido pelos extrativistas por volta de R$ 4,50, quase 22 vezes menos do que chega para o consumidor no Sudeste.
O preço é um contraste com outro produto amazônico que, pelo menos na Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, alcançou um valor sustentável tanto do ponto de vista social e ambiental quanto econômico, como aponta um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAF).
“O valor pago pelo quilo da borracha nativa na Resex, de R$ 24, é quase oito vezes superior ao preço de mercado, graças a um convênio com uma empresa que compra toda a produção e paga pelo serviço socioambiental que os extrativistas prestam, mantendo a floresta de pé”, conta Lucas Ferreira Lima, pesquisador colaborador no Instituto de Economia (IE) da Unicamp e um dos coautores do estudo.
“Em compensação, a lata de 11 kg da castanha é vendida a um valor 2,8 vezes aquém do que seria ideal, levando em conta os mesmos critérios econômicos e socioambientais considerados no cálculo do preço da borracha”, completa.
O trabalho integra projeto apoiado pela FAPESP no âmbito da iniciativa Amazônia+10 e que conta também com apoio da Fapespa (Pará) e Fapac (Acre) (leia mais em: agencia.fapesp.br/41824).
“O valor praticado pela castanha é inviável para o que chamamos de reprodução social dessas populações, que é se manter naquela área com dignidade, conservando a floresta e evitando o êxodo para as áreas urbanas”, esclarece Ademar Romeiro, professor do IE-Unicamp e coordenador do projeto.
Produtividade e renda
Em um estudo anterior, os pesquisadores avaliaram a sustentabilidade ambiental e socioeconômica da Resex Chico Mendes.
Seguindo a chamada Análise de Decisão Multicritério (MCDA, na sigla em inglês), que envolveu entrevistas e conferências, os pesquisadores chegaram ao Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS). A análise classifica a Resex como sustentável, ainda que em diferentes graus, nas cinco dimensões avaliadas: governança, agronômico, ambiental, econômico e social.
Os indicadores sociais e econômicos foram os que apresentaram os maiores pontos de atenção, pois estão próximos a uma escala considerada moderadamente sustentável. Por isso, os pesquisadores buscam alternativas para as famílias, como a valoração socioambiental da castanha e da borracha e o uso de Sistemas Agroflorestais (SAFs).
Neste segundo, podem ser produzidas frutas, legumes e hortaliças juntamente com espécies florestais, como o mogno e a castanha, mantendo a floresta de pé. A atividade tem-se mostrado mais rentável do que a criação extensiva de gado. Os pesquisadores agora vão avaliar a sustentabilidade dessa prática e se ela pode ser uma alternativa ao gado de corte na região.
“A produtividade e a renda obtidas com a criação de gado são pequenas na Resex. Basicamente, vendem-se novilhos para serem engordados no estado vizinho de Rondônia. O gado é tido como uma reserva de valor, uma poupança, algo que se pode vender rápido para levantar dinheiro para alguma emergência”, contextualiza Lima.
A Resex Chico Mendes foi criada em março de 1990, pouco mais de um ano após o assassinato do líder seringalista. A unidade de conservação federal de uso sustentável tem uma área de pouco mais de 970 mil hectares, distribuídos entre Xapuri e outros seis municípios do Acre. Atualmente, vivem na Resex cerca de 2 mil famílias.
A criação da Resex garante tanto a posse da terra pelas populações tradicionais quanto a conservação dos recursos e serviços ecossistêmicos, por meio do fortalecimento das atividades extrativistas tradicionais e a geração de renda adequada.
Nos últimos 28 anos, as famílias são acompanhadas por um projeto de pesquisa, atualmente capitaneado pelo Centro de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas (CCJSA) da Ufac. O projeto ASPF (Análise Socioeconômica de Produção Familiar Rural do Estado do Acre) é coordenado por Raimundo Cláudio Gomes Maciel, professor na instituição e primeiro autor do estudo.escala
Desde 2006 em escala experimental, e desde 2018 em larga , toda a produção de borracha nativa da Resex é vendida para a empresa Veja, que faz o solado de seus tênis com o produto comprado dos extrativistas. No Brasil, a companhia francesa chegou em 2014 com a marca Vert, mas em 2024 passou a usar o mesmo nome utilizado nos mais de cem países em que atua.
Mais do que o preço de mercado, de aproximadamente R$ 3 por quilo, os seringueiros recebem subsídios municipais, um estadual e outro federal, além de R$ 10,50 da empresa como Pagamento por Serviços Socioambientais (PSSA). O cálculo foi feito pela primeira vez pelo grupo da Ufac em 2019 e atualizado em 2023.
“Não adianta querer manter as pessoas no território e a floresta de pé sem incentivos. O preço de mercado não garante, sozinho, a vida digna das pessoas. O pagamento por serviços socioambientais é algo que tem se mostrado interessante, mas é preciso uma política pública consistente para garantir a conservação da natureza e a dignidade das pessoas”, encerra Romeiro.
O estudo A valoração e o pagamento por serviços socioambientais na Reserva Extrativista Chico Mendes pode ser lido em PDF em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/TD/TD464_2.pdf.
O artigo Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS) na Reserva Extrativista Chico Mendes, Acre – Brasil está disponível no mesmo formato em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/TD/TD457.pdf.