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Canto inaudível para humanos é usado por anfíbios para se defender de predadores, indica estudo


Canto inaudível para humanos é usado por anfíbios para se defender de predadores, indica estudo

Rã-do-folhiço (Haddadus binotatus) emite canto de agonia em frequência inaudível para humanos, mas que pode ser ouvida por uma série de predadores (foto: Henrique Nogueira)

Publicado em 25/03/2024

André Julião | Agência FAPESP – Estudo publicado na revista Acta Ethologica registrou, pela primeira vez na América do Sul, o uso de ultrassom por anfíbios. Trata-se também do primeiro registro de uso dessa frequência sonora para defesa contra predadores, o chamado canto de agonia.

“Alguns potenciais predadores dos anfíbios, como morcegos, roedores e pequenos primatas, conseguem emitir e ouvir sons nessa frequência, inaudível para humanos. Uma de nossas hipóteses é que o canto de agonia seja direcionado para algum deles, mas é possível que a ampla frequência seja generalista, para espantar o maior número possível de predadores”, conta Ubiratã Ferreira Souza, primeiro autor do trabalho, realizado como parte de seu mestrado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) com bolsa da FAPESP.

Outra hipótese é que o canto seja usado para atrair outro predador, que por sua vez atacaria o animal que estivesse em vias de predar o anfíbio, no caso, a rã-do-folhiço (Haddadus binotatus), espécie endêmica da Mata Atlântica.

Os pesquisadores gravaram o canto de agonia em duas ocasiões. Quando analisado por um software especial, o som apresentou frequências de 7 a 44 quilohertz, sendo que a partir dos 20 quilohertz ele é inaudível para humanos.

Durante o canto, a rã-do-folhiço faz uma série de movimentos típicos de defesa contra predadores. O animal levanta a parte frontal do corpo e abre a boca jogando a cabeça para trás. Depois, fecha a boca parcialmente, emitindo assim o canto com parte da frequência audível por nós, de 7 a 20 quilohertz, e parte inaudível, de 20 a 44 quilohertz.

“Uma vez que o Brasil tem a maior diversidade de anfíbios do mundo, com mais de mil espécies descritas, não seria de admirar que outras rãs também emitam sons nessa frequência”, avalia Mariana Retuci Pontes, coautora do estudo e doutoranda no IB-Unicamp, com bolsa da FAPESP.

Outra espécie

A utilização dessa estratégia por uma segunda espécie pode ter sido descoberta por acaso pela própria pesquisadora. Em janeiro de 2023, durante uma visita ao Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), no município de Iporanga (SP), Pontes viu sobre uma pedra um indivíduo do que era provavelmente uma rãzinha-da-floresta (Ischnocnema henselii), embora não tenha coletado o animal para identificação precisa da espécie.

Como queria fazer uma foto, a pesquisadora tentou posicionar melhor o animal segurando-o pelas pernas. Pontes foi então surpreendida com o comportamento da rãzinha, que fez o mesmo movimento corporal de defesa e o mesmo som da rã-do-folhiço (H. binotatus). Cerca de um metro distante dela, havia ainda uma jararaca (Bothrops jararaca), o que reforça a evidência de que o comportamento é realizado diante de predadores

Não foi possível fazer a análise do áudio, extraído de um vídeo que a pesquisadora conseguiu fazer, e verificar a presença de ultrassom na rã do Petar. No entanto, o estímulo de puxar as pernas é justamente um dos que os pesquisadores fazem para simular um ataque por predador, usado nos registros de Haddadus binotatus.

“Uma vez que ambas as espécies vivem em ambientes parecidos, a serrapilheira [camada de folhas sobre o solo], são pequenas [entre 3 e 6 centímetros] e têm predadores similares, é possível que Ischnocnema henselii também faça uso desse canto de agonia com ultrassom para se proteger de inimigos naturais”, explica Luís Felipe Toledo, professor do IB-Unicamp que orientou o estudo e coordena o projeto “Da história natural à conservação dos anfíbios brasileiros”, apoiado pela FAPESP.

A primeira vez que Toledo suspeitou que Haddadus binotatus emitia sons na frequência inaudível para humanos foi ainda em 2005, quando realizava doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro. No entanto, por limitações dos equipamentos usados na época, não era possível verificar frequências acima dos 20 quilohertz.

Os outros registros de uso de ultrassom por anfíbios foram feitos em três espécies da Ásia. No entanto, a frequência é usada para comunicação entre indivíduos da mesma espécie. Em mamíferos, o ultrassom é comum entre baleias, morcegos, roedores e pequenos primatas. O uso para defesa contra predadores era algo inédito até então entre anfíbios.

Agora, os pesquisadores querem responder a uma série de perguntas suscitadas pela descoberta, como, por exemplo, quais predadores são sensíveis ao canto de agonia e como reagem a esse comportamento e mesmo se o som é voltado para eles ou para atrair inimigos naturais dos predadores. “Será que a rã chama uma coruja para atacar a serpente que quer comê-la?”, especula Souza.

O estudo teve ainda apoio da FAPESP por meio de Bolsa de Doutorado para Guilherme Augusto Alves e de outro projeto coordenado por Toledo. Além disso, teve suporte do projeto Dacnis, durante um dos estudos de campo que proporcionaram a descoberta, realizado em Ubatuba.

O artigo Ultrasonic distress calls and associated defensive behaviors in Neotropical frogs pode ser lido por assinantes em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10211-023-00435-3.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/51205