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Composto produzido por coral invasor elimina o parasita da doença de Chagas


Composto produzido por coral invasor elimina o parasita da doença de Chagas

Testes foram feitos em células de mamíferos por pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, da UFABC e da USP. De ameaça à biodiversidade da costa brasileira, o coral-sol pode se tornar um aliado no combate à enfermidade que afeta 7 milhões de pessoas e carece de tratamentos eficazes (foto: Andre Tempone)

Publicado em 03/02/2023

Elton Alisson | Agência FAPESP – A partir da década de 1980, um animal marinho conhecido popularmente como coral-sol (Tubastraea tagusensis) começou a ser observado no litoral brasileiro, ancorado em plataformas de petróleo na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Hoje, essa espécie invasora, originária do Indo-Pacífico, já se espalhou por mais de 3,5 mil quilômetros (km) da costa brasileira e é considerada uma ameaça à diversidade biológica por destruir outras espécies de corais, se reproduzir rapidamente e não ter um predador natural.

Ao analisar as toxinas produzidas pelo coral-sol para se defender contra a predação por peixes e outros organismos e competir por espaço e substratos, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (Cebimar-USP) constataram que uma das substâncias secretadas pelo animal é capaz de combater o Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas.

Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram descritos em artigo publicado na revista ACS Omega, da Sociedade Americana de Química.

“Se por um lado o coral-sol é um vilão para a biodiversidade marinha, por outro tem potencial de ser benéfico para a vida humana ao produzir uma substância química com potencial farmacológico para combater uma doença que afeta 7 milhões de pessoas e carece de tratamentos eficazes”, diz à Agência FAPESP André Gustavo Tempone Cardoso, pesquisador do laboratório de novos fármacos para doenças negligenciadas do Instituto Adolfo Lutz e coordenador do projeto.

O cientista teve o primeiro contato com o coral-sol na década de 1990, ao mergulhar em Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ).

“Naquela época eu não sabia que esse coral, que é muito bonito, é uma espécie invasora”, afirma Tempone.

Ao falar de suas impressões sobre o coral-sol com Álvaro Esteves Migotto, o pesquisador do Cebimar e coautor do estudo comentou que o animal produzia toxinas que matavam outros corais encontrados no litoral brasileiro, como o coral-cérebro (Mussismilia hispida), e que estava dominando as paisagens marinhas.

Com base nessa observação, eles começaram a coletar amostras do coral-sol no canal de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, onde está localizado o Cebimar, para analisar os compostos químicos produzidos pelo animal.

O estudo foi conduzido durante o doutorado de Maiara Romanelli Silva, primeira autora do artigo e orientanda de Tempone.

“Há muitos estudos sobre a biologia do coral-sol, mas ainda não existiam pesquisas relacionadas à atividade farmacológica dos compostos que ele produz”, afirma Tempone.

Composto candidato

Por meio de fracionamento guiado por bioatividade, os pesquisadores identificaram compostos químicos produzidos pelo coral-sol com potencial ação antiparasitária. Empregando técnicas de ressonância magnética nuclear e espectrometria de massa de alta resolução, eles conseguiram isolar e caracterizar quimicamente uma substância candidata a combater o Trypanosoma cruzi.

Já estudos conduzidos pelo pesquisador João Henrique Ghilardi Lago, professor da UFABC, permitiram elucidar a estrutura da molécula e identificá-la como um alcaloide indólico 6-bromo-2 de metilaplisoposina.

“Essa substância pertence a uma classe de compostos muito interessante do ponto de vista farmacêutico por apresentar atividades biológicas de interesse para o tratamento de doenças humanas”, explica Tempone.

Os pesquisadores testaram o composto químico puro contra o T. cruzi em células de mamíferos (in vitro) nas fases extracelular (tripomastigota) – presente na fase inicial da doença de Chagas, em que o parasita ainda está circulando no sangue – e intracelular (amastigota), presente na fase crônica da doença, quando o parasita desaparece da circulação por já ter invadido as células, principalmente as do coração e dos músculos digestivos.

Os resultados dos ensaios indicaram que o composto foi capaz de eliminar o parasita nessas duas fases, sem apresentar efeitos tóxicos nas células mesmo na concentração mais alta testada.

Já os resultados dos estudos de mecanismos de ação do composto no T. cruzi mostraram que a substância afeta os níveis de cálcio do parasita, reduzindo na mitocôndria a geração de ATP [adenosina trifosfato] – a fonte de energia celular.

“O composto danifica a única mitocôndria que o parasita possui e que fabrica o ATP”, explica Tempone.

Por meio de um estudo computacional (in silico), também foi avaliada a semelhança do composto químico com fármacos disponíveis no mercado para o tratamento da doença de Chagas, com base em suas propriedades físico-químicas e parâmetros farmacodinâmicos.

As análises indicaram que o composto tem propriedade semelhante à de diversos fármacos aprovados no mercado. Um dos únicos medicamentos disponíveis hoje para o tratamento da doença é o benzonidazol, que, a despeito de reduzir a carga de T. cruzi em pacientes crônicos, não evita danos cardiológicos causados pela enfermidade e nem outros sintomas, como o aumento do cólon, além de causar graves efeitos colaterais.

“Agora estamos dedicados a conseguir fazer a síntese total de compostos derivados dessa molécula, com maior potência, e testá-los em modelo animal”, diz Tempone.

O artigo Mitochondrial Imbalance of Trypanosoma cruzi Induced by the Marine Alkaloid 6-Bromo-2'-de-N-Methylaplysinopsin pode ser lido em: https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acsomega.2c03395.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/40621