Artigo publicado na Science Advances mostra que estudantes estão cada vez mais sensíveis a temas ambientais e científicos. No entanto, o interesse se dá de maneira desigual no país, sendo maior na região Norte e menor no Sudeste (foto: Patrícia Ferrari/Wikimedia Commons)
Publicado em 23/04/2021
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Temas como biodiversidade, conservação da Amazônia e ciências são de interesse crescente entre estudantes brasileiros que estão ingressando no ensino médio. A disposição para aprender sobre a fauna e a flora local ocorre, no entanto, de forma desigual: jovens da região Norte do país têm maior interesse do que aqueles situados no Sudeste.
É o que afirma artigo publicado na revista Science Advances , primeiro fruto de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, que analisou dados obtidos por cinco estudos de doutoramento e resultados da pesquisa internacional The Relevance of Science Education (Rose). Os autores defendem a necessidade de maior inclusão de estudos sobre plantas e animais regionais no currículo escolar nacional. O projeto integra o Programa BIOTA-FAPESP e envolve cinco instituições paulistas: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e Instituto Butantan.
Aplicado em mais de 40 países desde 2004, o projeto Rose procurou identificar qual é o grau de interesse de jovens de 15 anos sobre temas relacionados à conservação, ciência, tecnologia e biodiversidade. “Os alunos brasileiros demostraram alto interesse em estudar mais profundamente plantas e animais nativos, muito mais do que ingleses, noruegueses e suecos, por exemplo. No Brasil, realizamos esse estudo três vezes entre 2007 e 2014, de modo que possibilita a identificação de tendências: uma delas é que, ao contrário do que pode propagar o senso comum, o interesse dos jovens por esses temas é crescente”, diz Nélio Bizzo, professor da Faculdade de Educação da USP e do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp e também coordenador do estudo.
Os estudantes foram motivados a opinar livremente sobre ciência, tecnologia e interesses sobre biodiversidade. A pesquisa foi realizada em três diferentes momentos: em 2007 (apenas em algumas cidades), 2010 e 2014 (com representação nacional). Nesta última pesquisa, 788 alunos (43,7%) de escolas públicas e privadas do país demonstraram interesse em estudar a flora e a fauna local, enquanto 1.015 alunos (56,3%) se mostraram desinteressados.
Na comparação regional, entre os alunos que vivem na região Norte, onde está a floresta amazônica, 50,4% tinham interesse em ampliar os conhecimentos sobre a biodiversidade local, enquanto no Sudeste apenas 33,1%.
A região Nordeste também se destaca com o segundo maior número relativo de entrevistados motivados (46,9%) a conhecer a biodiversidade de sua região.
“Esse resultado é surpreendente, pois o esperado é que, quanto maior o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e o acesso a equipamentos como museus, por exemplo, maior seja o interesse em educação. No entanto, foi justamente o contrário que a pesquisa mostrou. Os motivos dessa desigualdade de interesses precisam ser investigados mais a fundo, entender o alto interesse de uns e encontrar formas de estimular a atenção de outros. É na região Norte e Nordeste que estão os menores IDHs do país. Com isso, sugerimos que a cultura indígena seja, de certa maneira, um componente importante para essa atitude positiva dos jovens da região Norte em relação ao interesse pelo estudo de conservação e biodiversidade da floresta”, explica Bizzo.
Os pesquisadores ressaltam no artigo que a biodiversidade da floresta amazônica e o conhecimento ancestral dos povos indígenas quase inexistem no currículo escolar nacional, que é unificado para todo o país. Um exemplo claro está nos livros didáticos. Neles, a tendência é valorizar a abordagem da fauna exótica – como ursos polares, elefantes, girafas e leões – em detrimento da diversidade local formada pelo boto-vermelho, quati, preguiça, guará, carapanã (mosquito) e a jaguatirica.
“Fica evidente a necessidade de que os estudantes brasileiros conheçam a Amazônia. Porém, o que aprendemos na escola e nos livros didáticos se refere a uma floresta impenetrável, apenas recentemente ocupada por indígenas. E não é bem assim, sabe-se que a floresta amazônica estava muito longe de ser um vazio populacional quando aqui chegaram os portugueses”, afirma Bizzo à Agência FAPESP.
Já está bem estabelecido que a Amazônia pré-colombiana abrigava uma população grande, complexa e que, inclusive, alterou a floresta. “Populações locais intervinham na distribuição das árvores e domesticaram mais de 80 espécies vegetais. Isso foi comprovado em um estudo muito interessante que associou arqueologia e linguística. No entanto, esses saberes tradicionais vêm sendo silenciados até hoje, mesmo que os estudantes estejam ávidos por conhecê-los nas escolas”, diz.
O pesquisador ressalta que o caso mais conhecido da domesticação de plantas é o da mandioca, mas entre essas 80 espécies também estão a batata-doce, o abacaxi, o mamão e muitas outras que fazem parte da dieta alimentar de muitas pessoas no mundo. “A própria cloroquina, utilizada para o tratamento da malária, tão em voga e controversa atualmente, tem o princípio ativo oriundo da uma casca de árvore descoberto por indígenas”, diz.
De acordo com os pesquisadores, o interesse ainda carrega um forte aspecto cultural: o fato de as populações locais e indígenas da região Norte contribuírem para a difusão do conhecimento sobre a biodiversidade. É o caso do boto, do curupira ou do mapinguari – criatura gigantesca que ainda habitaria a floresta. Presentes na cultura rural e urbana da Amazônia, essas histórias e personagens fazem com que mesmo os jovens de áreas urbanas do Norte do Brasil tenham um contato distinto com a natureza em comparação com alunos urbanos ou de áreas rurais no Sul e Sudeste.
“Dificilmente se encontra algo semelhante no Sul do Brasil, mesmo no oeste catarinense, onde é importante a presença de indígenas, principalmente das culturas Guarani e Kaingang”, conta Bizzo.
Dessa forma, segundo o pesquisador, há uma necessidade urgente de fornecer uma abordagem diferente da biodiversidade local e da conservação para estudantes e público no Brasil, especialmente na região amazônica.
Uma questão abordada no programa (em 2014) ilustra bem a desconexão existente entre os interesses dos estudantes brasileiros e as políticas ambientais e de conservação. Ela pedia aos estudantes que se posicionassem sobre o dever de países ricos arcarem com indenizações de problemas ambientais. “Nossos dados objetivos mostram que a maioria dos estudantes brasileiros foi contrária ao posicionamento de cobrar indenizações dos países ricos por problemas ambientais. Obviamente, os jovens não podiam prever que, cinco anos depois de serem questionados sobre esse tema, nosso ministro do Meio Ambiente cobraria a responsabilidade dos países ricos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-25, em Madri), em dezembro do ano passado”, diz.
O artigo Amazon conservation and students’ interests for biodiversity: The need to boost science education in Brazil (doi: 10.1126/sciadv.abb0110), de Fernanda Franzolin, Paulo S. Garcia e Nelio Bizzo, pode ser lido em https://advances.sciencemag.org/content/6/35/eabb0110.