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Descoberto em Minas Gerais o lagarto mais antigo da América do Sul


Descoberto em Minas Gerais o lagarto mais antigo da América do Sul

Estudo de parte dos fragmentos de ossos do Neokotus sanfranciscanus. As figuras M, N e O referem-se à falange ungueal. Ela apresenta uma base bastante achatada, o que não ocorre com nenhum outro lagarto conhecido (imagem reproduzida do artigo publicado no periódico Communications Biology)

Publicado em 12/05/2021

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Foram descobertos, no norte de Minas Gerais, os restos fósseis de uma espécie de lagarto que viveu na região há mais de 130 milhões de anos. O animal, denominado Neokotus sanfranciscanus, é o mais antigo representante da ordem Squamata (grupo de répteis com escamas que inclui lagartos e serpentes) encontrado na América do Sul. Seu achado mostra que esses lagartos já estavam presentes no continente pelo menos 20 milhões de anos antes do que se pensava. E que faziam parte de uma distribuição global muito mais ampla, em contraste com os altos níveis de endemismo das faunas modernas.

O estudo foi coordenado por Jonathas Bittencourt, ex-bolsista de pós-doutorado da FAPESP, atualmente professor na Universidade Federal de Minas Gerais. E contou com a participação de Max Langer, professor do Departamento de Biologia da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), outorgado a Bittencourt, e da FAPESP, por meio de auxílio a Projeto Temático liderado por Langer.

Artigo a respeito foi publicado no periódico Communications Biology, do grupo Nature: Discovery of the oldest South American fossil lizard illustrates the cosmopolitanism of early South American squamates.

“Esse era um lagarto de pequeno porte, com cerca de 10 centímetros de comprimento. Sua descoberta, em território brasileiro, mostra que os Squamata estavam bem distribuídos pelo globo, em época anterior à que se supunha. Isso só foi possível porque, embora o supercontinente da Pangeia já não existisse mais, as terras continentais ainda estavam relativamente próximas umas das outras, permitindo grande dispersão da fauna”, diz Langer à Agência FAPESP.

O nome Neokotus vem do grego e significa “novo e estranho”. Foi adotado porque esse animal se diferencia de todas as outras espécies de Squamata por várias características morfológicas. Quanto ao qualificativo sanfranciscanus, este se refere ao fato de o lagarto ter sido encontrado na bacia do rio São Francisco, na Formação Quiricó.

“Uma das peculiaridades morfológicas do Neokotus é o formato de sua falange ungueal. Esse osso constitui a ponta do dedo ou falangeta. É ele que porta a unha nos humanos e a garra em vários outros animais. No Neokotus, a parte de baixo da falange ungueal é bastante achatada, o que não ocorre com nenhum outro lagarto conhecido. Ainda precisamos estudar essa característica mais a fundo, mas ela provavelmente se relacionava com a locomoção”, conta Bittencourt.

“Outra peculiaridade é que seus dentes tinham bases robustas e afinavam e se encurvavam para dentro nas extremidades. Para isso, também temos uma hipótese: de que ele se alimentava de insetos e que o formato dos dentes o ajudava na captura”, continua o pesquisador.

Bittencourt descobriu o Neokotus de modo totalmente acidental. Ele estava coletando escamas de pequenos tubarões em um barranco, quando encontrou um bloco de sedimentos com falanges, vértebras, dentes e outros ossos que não pareciam de peixes. Ao juntar esses ossos e os relacionar uns com os outros, percebeu que eles constituíam um lagarto.

“Encontrei cerca de 30% da ossada de um único indivíduo. A Formação Quiricó, no município de João Pinheiro, no norte de Minas, deve ter abrigado, no passado remoto, um grande lago ou mesmo vários lagos interligados. Por isso, é hoje muito rica em fósseis de origem lacustre. Eu pesquiso nessa área desde 2012. O que faço é colher os blocos de rocha no trabalho de campo. E, depois, no laboratório, desagregar esses blocos usando água oxigenada e coletar os ossinhos usando pincéis e pinças”, descreve Bittencourt.

Foi por meio de microcrustáceos encontrados nesses sedimentos que se tornou possível fazer a datação das rochas de onde veio o Neokotus.

“Têm ocorrido muitas descobertas de dinossauros na América do Sul. Mas os achados de répteis de pequeno porte também são muito importantes para a reconstrução do cenário da época”, comenta Langer.

O artigo Discovery of the oldest South American fossil lizard illustrates the cosmopolitanism of early South American squamates pode ser lido em https://www.nature.com/articles/s42003-020-0926-0.

Fonte: https://agencia.fapesp.br/33156