Pesquisador da Famerp João Aris Kouyoumdjian é coautor do artigo que apresenta diretrizes para aplicação da eletromiografia de fibra única, exame que detecta doenças da junção neuromuscular
Publicado em 12/05/2021
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Um artigo publicado na revista Clinical Neurophysiology apresenta novas diretrizes para a realização da eletromiografia de fibra única – considerada a técnica mais sensível para o diagnóstico de doenças da junção neuromuscular, que afetam a transmissão dos impulsos nervosos dos neurônios motores para a fibra muscular.
Entre os autores está o pesquisador da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) João Aris Kouyoumdjian, pioneiro na realização do exame no Brasil.
“Tive a honra de participar do trabalho, que vai nortear médicos, pelos próximos 10 ou 15 anos, na aplicação do exame que detecta doenças como a miastenia grave. Essa enfermidade causa fraqueza nos músculos voluntários e afeta entre 10 e 20 pessoas por milhão de habitantes por ano”, disse Kouyoumdjian à Agência FAPESP.
Além de Kouyoumdjian, assinam o artigo outros 10 pesquisadores – entre eles Erik Stålberg, da Universidade de Uppsala, na Suécia, criador da técnica na década de 1960.
No exame de eletromiografia de fibra única, um eletrodo é inserido no músculo e, por meio de diversas técnicas complexas, obtém-se o potencial de ação de uma única fibra muscular (transmissão de impulsos nervosos para o músculo). Dessa forma, é possível mensurar o jitter – a variação do tempo em microssegundos – que vários estímulos elétricos sucessivos levam para passar pela junção neuromuscular.
Kouyoumdjian explica que cada passagem de potencial de ação pela junção neuromuscular ocorre em tempo levemente diferente (variação de microssegundos, 1 milhão de vezes menor que um segundo). “Quando essa variação fica muito prolongada há disfunção na transmissão neuromuscular e, consequentemente, fraqueza muscular", disse.
Por comparação entre o jitter de pacientes com padrões já estabelecidos para indivíduos saudáveis, é possível detectar alteração e defeitos funcionais da junção neuromuscular. A técnica é usada principalmente para diagnóstico e acompanhamento da evolução da miastenia grave, de causa autoimune. Mas também pode ajudar no diagnóstico de outras doenças, como miastenias congênitas, botulismo e o uso excessivo de toxina botulínica.
A técnica pode também ser útil em casos como trauma de nervo periférico, esclerose lateral amiotrófica, sequela de poliomielite, polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda (síndrome de Guillain-Barré), ou polineuropatia inflamatória desmielinizante crônica.
“O método, extremamente sensível para a detecção de distúrbios da transmissão neuromuscular, tem sido rapidamente introduzido na prática clínica para identificar distúrbios miastênicos”, disse José Manuel Matamala, da Universidade do Chile, em editorial da Clinical Neurophysiology.
Matamala ressalta no editorial que, com o método, é possível identificar comprometimento da transmissão neuromuscular antes que o bloqueio de condução completo ocorra. “O jitter pode ser anormal mesmo na ausência de fraqueza clínica ou fadiga.”
Após especialização na Universidade de Uppsala, orientada por Stålberg, em 2006, Kouyoumdjian trouxe a técnica para o Brasil. Em 2007, no âmbito de um projeto apoiado pela FAPESP, foi comprado o primeiro equipamento mais adequado para eletromiografia de fibra única do país.
“Hoje, temos muitos neurofisiologistas clínicos usando a técnica. Quem se beneficia são os pacientes, que antes não tinham o diagnóstico completamente definido. É um exame muito útil para o seguimento também, pois a miastenia grave é uma doença controlável com imunomodulação. O resultado do jitter tem uma correlação muito precisa com a evolução da doença e com a resposta terapêutica”, disse Kouyoumdjian.
Atualmente, o ambulatório do Hospital de Base da Famerp atende cerca de 120 pacientes com miastenia grave em acompanhamento. "A Famerp e o Hospital de Base realizam todos os exames necessários para o paciente com suspeita de miastenia grave pelo SUS. Há ainda uma série de pesquisas realizadas em relação a outras doenças neuromusculares”, disse.
O artigo Guidelines for single fiber EMG, de Donald B. Sanders, Kimiyoshi Arimura, Li Ying Cui, Mustafa ErtaÅ?, Maria Elena Farrugia, James Gilchrist, João Aris Kouyoumdjian, Luca Padua, Matthew Pitt, Erik Stålberg, pode ser lido em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1388245719301282.