Pacientes com essa condição neurodegenerativa têm três vezes mais chance de falecer em decorrência da infecção pelo SARS-CoV-2 e seis vezes mais se tiverem mais de 80 anos, aponta estudo de pesquisadores da USP, Instituto Butantan e UFRJ (imagem: Gerd Altmann/Pixabay)
Publicado em 23/04/2021
Elton Alisson | Agência FAPESP – As doenças neurodegenerativas que causam demência aumentam os riscos de gravidade e morte por COVID-19. No caso de pacientes com doença de Alzheimer, esses riscos são três vezes maiores e podem ser aumentados em seis vezes se tiverem mais de 80 anos.
As constatações foram feitas por meio de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Butantan, em parceria com colegas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram descritos em artigo publicado nesta quarta-feira (21/04) na revista Alzheimer’s&Dementia: The Journal of the Alzheimer's Association.
“Verificamos que todas as causas de demência são fatores de risco de aumento da gravidade e de morte por COVID-19 e que, em pacientes com doença de Alzheimer, esses riscos são mais acentuados”, diz à Agência FAPESP Sérgio Verjovski, professor do Instituto de Química da USP e coordenador do projeto.
A demência já tinha sido identificada como um fator de risco para COVID-19 junto com outras comorbidades, como doenças cardiovasculares e respiratórias, hipertensão, diabetes, obesidade e câncer. Um dos motivos é própria a idade: pacientes com demência, em média, são mais velhos e grande parte vive sob cuidados de outras pessoas em casa ou lares de idosos, o que aumenta o risco de infecção e transmissão do vírus.
No entanto, ainda não tinha sido avaliado se pacientes com doenças neurodegenerativas que causam a demência – como a doença de Alzheimer e de Parkinson – são mais infectados, têm maior risco de desenvolver formas graves e morrer em decorrência da COVID-19, e se a idade avançada acentua esses perigos.
A fim de esclarecer essas dúvidas, os pesquisadores investigaram o número de diagnósticos positivos, hospitalizações e mortes por COVID-19 em uma coorte de 12.863 pacientes acima de 65 anos com dados de teste positivo ou negativo para o coronavírus, cadastrados entre março e agosto de 2020 no UK Biobank – banco de dados clínicos de cerca de 500 mil pacientes acompanhados desde 2006 pelo sistema público de saúde do Reino Unido.
Desse total de pacientes, 1.167 foram diagnosticados com COVID-19. Para considerar a idade como um fator de risco, eles foram estratificados em três faixas etárias: de 66 a 74, 75 a 79 e 80 anos ou mais.
“Algumas vantagens de usar os dados clínicos desse banco é que são detalhados, ou seja, registram todas as doenças preexistentes e indicam os pacientes testados positivo ou negativo, hospitalizados e os que vieram a óbito em decorrência da COVID-19. Isso permite avaliar os fatores de risco associados à infecção, gravidade e morte pela doença, incluindo todas as causas de demência, particularmente as doenças de Alzheimer e de Parkinson”, explica Verjovski.
Os resultados das análises estatísticas indicaram que todas as causas de demência – e, particularmente, a doença de Alzheimer – foram fatores de risco para gravidade e morte de pacientes hospitalizados, independentemente da idade.
A doença de Alzheimer, especificamente, não aumentou o risco de hospitalização na comparação com as comorbidades crônicas. Entretanto, uma vez internados, os pacientes com a doença apresentaram risco três vezes maior de desenvolver quadro grave ou morrer em decorrência da COVID-19 em comparação com pacientes que não tinham a doença neurodegenerativa. No caso de pacientes acometidos pela doença e com idade acima de 80 anos, esses riscos foram seis vezes maiores em comparação com pacientes menos idosos, constataram os pesquisadores.
“Há algum fator, ainda não identificado, que aumenta a predisposição de pacientes nessa condição a evoluir para um quadro mais grave e falecer em decorrência da COVID-19”, avalia Verjovski.
“Os resultados do nosso trabalho indicam que é necessário dar uma atenção especial a esses pacientes ao serem internados”, afirma.
Hipóteses diagnósticas
Uma das explicações para os desfechos observados é que condições inflamatórias crônicas ou respostas imunológicas defeituosas, causadas pelo envelhecimento do sistema imunológico (imunossenescência), podem aumentar a vulnerabilidade e reduzir a capacidade desses pacientes de montar respostas eficazes à infecção.
Outra hipótese é a alteração da permeabilidade da barreira hematoencefálica, causada pela doença de Alzheimer, que pode possibilitar o aumento da infecção no sistema nervoso central
Estudos recentes mostraram que o SARS-CoV-2 é capaz de invadir o sistema nervoso central por meio da mucosa olfatória e que a presença do vírus nessa região resulta em uma resposta imune e inflamatória local.
Outros estudos relataram a presença do novo coronavírus no tronco cerebral, que compreende o sistema cardiovascular primário e o centro do controle respiratório, levantando a possibilidade de que a infecção do sistema nervoso central pode mediar ou agravar problemas respiratórios e cardiovasculares em pacientes com COVID-19.
“Pretendemos fazer, agora, análises do genoma desses pacientes, também disponibilizados no UK Biobank, para identificar quais genes estão mutados e que podem estar implicados no aumento do risco de pessoas com doença de Alzheimer evoluírem para quadros graves e morrerem por COVID-19”, afirma Verjovski.
O artigo Dementia is an age-independent risk factor for severity and death in COVID-19 inpatients (DOI: 10.1002/alz.12352), de Ana C. Tahira, Sergio Verjovski-Almeida e Sergio T. Ferreira, pode ser lido na revista Alzheimer’s&Dementia em https://alz-journals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/alz.12352.