Constatação foi feita por pesquisadores da USP ao comparar células de defesa de pacientes com DPOC, idosos saudáveis, fumantes e adultos jovens. Achado ajuda a explicar por que esses indivíduos são menos responsivos a vacinas e mais suscetíveis a infecções (imagem: Wikimedia Commons)
Publicado em 14/04/2022
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e publicada na revista Immunity & Ageing coloca a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) entre as que levam a um envelhecimento precoce do sistema imunológico. O achado pode ser um caminho para explicar o motivo de indivíduos com a doença apresentarem menor resposta a vacinas e serem mais suscetíveis a processos infecciosos, por exemplo.
Os pesquisadores concluíram que pacientes com DPOC apresentam um conjunto de alterações ligadas ao envelhecimento celular, processo chamado de imunossenescência, que afeta os linfócitos T CD4+ e CD8+, prejudicando a resposta imunológica.
Para realizar o estudo, foram recrutadas 92 pessoas, distribuídas em quatro grupos: pacientes com DPOC, fumantes sem evidência de doença pulmonar, idosos saudáveis e adultos jovens. Os cientistas analisaram sete marcadores associados à diferenciação tardia, senescência e exaustão celular para cada um desses grupos.
Concluíram que os pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica têm células que expressam uma gama completa de fenótipos senescentes ou esgotados, consistente com características do envelhecimento prematuro do sistema imunológico.
A DPOC é uma doença inflamatória crônica caracterizada pela obstrução do fluxo aéreo e comumente induzida pela fumaça do cigarro e pela poluição atmosférica. Afeta cerca de 64 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo aproximadamente 6 milhões no Brasil, dos quais 60% dos casos seriam de fumantes ou ex-fumantes.
“Com o aumento da população idosa, entender os mecanismos envolvidos na imunossenescência é importante em vários aspectos. Compreender como lidar com o organismo dessas pessoas, mais propenso a cânceres, infecções e menos responsivas a vacinas, pode abrir caminhos para buscar um melhor funcionamento do sistema imunológico. Esse trabalho ajuda a entender o que acontece e onde é possível tentar atuar”, explica o professor Gil Benard, do Laboratório de Dermatologia e Imunodeficiências da FM-USP e orientador do estudo, que teve o apoio da FAPESP.
Primeira autora da pesquisa, resultado de seu doutorado, Juliana Ruiz Fernandes explica que, ao comparar dados de pessoas da mesma idade, as com DPOC tiveram envelhecimento das células T acelerado. “O fenótipo dos linfócitos desses indivíduos parece mais velho se comparado aos que não têm o processo inflamatório crônico”, diz Fernandes à Agência FAPESP.
Já no grupo de fumantes, os resultados sugerem que o tabagismo crônico moderado a intenso não acelerou o ritmo da imunossenescência em comparação com os idosos saudáveis. “A DPOC acabou interferindo mais nos pacientes do que a idade, afetando drasticamente o sistema imune”, completa a doutoranda Thalyta Nery Carvalho Pinto, também autora do artigo.
Em sua tese de mestrado, em 2016, Fernandes havia mostrado o efeito do exercício físico na resposta imune de pacientes com DPOC, concluindo que o programa de reabilitação foi capaz de desacelerar alguns parâmetros da senescência celular, melhorando a resposta imunológica de linfócitos.
À época, os resultados já sugeriam que indivíduos com a doença apresentavam maior proporção de células com perfil de exaustão e menor capacidade funcional. “Agora tentamos entender os tipos celulares envolvidos na DPOC e nos idosos”, diz a pesquisadora.
Para entender
A imunossenescência é marcada pela diminuição do total de células T jovens (chamadas pelos cientistas de naive) e pelo aumento dos linfócitos de memória, que têm três dinâmicas de fase durante a vida humana.
A primeira é caracterizada por um pool de células jovens, que ao longo do tempo se tornam células de memória em resposta à estimulação com antígenos específicos. A segunda fase (chamada de homeostase de memória) é caracterizada pela circulação de células T de memória, que atingem um platô e são mantidas durante a vida adulta.
Na terceira etapa, após um longo período de estabilidade, a frequência e a funcionalidade das células T de memória mudam, aumentando a suscetibilidade a infecções causadas por desregulação imunológica como parte do declínio fisiológico.
No trabalho, os pesquisadores detectaram uma “desordem” nesse ciclo do sistema imune em pacientes com DPOC. Eles apresentaram não apenas um pool reduzido de células naive disponíveis para respostas imunes, mas também, paradoxalmente, frações aumentadas dessas células com características de diferenciação, senescência ou exaustão quando comparados aos idosos saudáveis e aos fumantes.
“Vimos também que a imunossenescência e as alterações registradas em indivíduos com DPOC são mais acentuadas nos linfócitos T CD8+, que atuam como uma espécie de ‘soldado’ responsável por executar a resposta imune no organismo humano”, afirma Benard.
Agora, com uma amostra de indivíduos diferente da anterior, o grupo de cientistas está estudando como é a resposta dos linfócitos do tipo B em pacientes com DPOC. Também busca avaliar como essas pessoas estão respondendo à vacina da COVID-19.
O artigo Age-associated phenotypic imbalance in TCD4 and TCD8 cell subsets: comparison between healthy aged, smokers, COPD patients and young adultspode ser lido em: https://immunityageing.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12979-022-00267-y#Bib1.