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Edição gênica produz plantas indigestas para pragas


Edição gênica produz plantas indigestas para pragas

Fêmea do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) se alimenta e põe ovos no botão floral da planta de algodão, levando ao aborto dessas estruturas e prejudicando a qualidade e rendimento da produção da fibra (imagem: Clemson University/Wikimedia Commons)

Publicado em 03/09/2025

André Julião | Agência FAPESP – Insetos que se alimentam de amido podem encontrar verdadeiros banquetes em plantações ou armazéns de milho, ervilha e feijão. Não por acaso, as ancestrais dessas plantas atualmente comerciais desenvolveram proteínas inibidoras de α-amilase (alfa-amilase), que tornam o amido contido em suas sementes indigesto para os comensais, controlando-os a ponto de não se tornarem pragas graves. A domesticação das plantas selvagens pelos humanos para serem mais produtivas e digeríveis, porém, pode ter contribuído para a redução de alguns desses inibidores.

Em artigo publicado no Biotechnology Journal, um grupo internacional de pesquisadores lembra os avanços ocorridos nas últimas duas décadas e reforça o potencial da edição gênica para desenvolver plantas que produzam esses inibidores em maiores quantidades, combatendo os insetos-praga. Ao mesmo tempo, evidentemente, cuidando para que as plantas não sejam indigestas para seres humanos ou outros organismos não alvos, como animais de criação.

O grupo de autores foi liderado por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) apoiado pela FAPESP na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“No começo dos anos 2000 houve muitos avanços nesse sentido, como a prospecção de genes codificadores de inibidores de alfa-amilase em diferentes espécies de plantas, a avaliação da especificidade dessas moléculas contra enzimas alfa-amilase de insetos-praga e de organismos não alvos e o desenvolvimento de plantas transgênicas que superexpressam essas moléculas. Os avanços se deram inclusive na proteção de propriedade intelectual, por meio de patentes depositadas e concedidas”, conta Marcos Fernando Basso, pesquisador do GCCRC com bolsa da FAPESP e primeiro autor do artigo.

No entanto, o fato de essas tecnologias usarem transgenia clássica – quando genes de outras espécies são inseridos no genoma das plantas de interesse – desencoraja empresas de biotecnologia e de produção de alimentos a desenvolver e explorar seu produto final. Novos transgênicos para uso na alimentação humana teriam risco de uma baixa aceitação no mercado, além de elevados custos para regulamentação.

Potencial

Percevejos, besouros, gorgulhos ou carunchos são alguns nomes populares de insetos que produzem enzimas amilases para converter as moléculas de amido, contido em folhas e sementes de importância agrícola, em açúcares. Na fase adulta ou de larva, os insetos-praga podem atacar as sementes, tanto ainda na lavoura quanto durante o armazenamento, causando prejuízos econômicos e na qualidade dos alimentos.

Bruquídeos, como o gorgulho ou caruncho, foram alguns dos primeiros alvos dessas tecnologias, por conta dos danos significantes que causam, especialmente em grãos armazenados por longos períodos. Nesse ambiente abundante em alimento, eles se reproduzem rapidamente. A infestação pode ocorrer ainda durante o desenvolvimento das vagens, persistindo na estocagem e mesmo durante a comercialização.

Os inibidores de alfa-amilases também demonstraram eficácia contra outros insetos, como o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), que se alimentam dos açúcares produzidos e armazenados nos botões florais do algodão, e a broca-do-café (Hypothenemus hampei), inseto cujas larvas se alimentam da semente do cafeeiro.

Os autores apontam que o desenvolvimento de variedades com maior produção de inibidores de alfa-amilase – desde que sem riscos de inibir enzimas amilases de humanos e organismos não alvos – tem grande potencial ao utilizar técnicas de edição gênica.

Aumentar a expressão ou modificar a sequência de DNA dos genes da própria planta por essas técnicas pode possibilitar a geração de plantas com potencial de não serem consideradas transgênicas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância técnico-científica de formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Com isso, as tecnologias resultantes teriam uma probabilidade maior de aceitação no mercado. Logo, interessantes para empresas do agronegócio comercializarem.

“A edição gênica pela técnica conhecida como CRISPR [ferramenta que permite realizar modificações genéticas precisas e específicas nas cadeias de DNA ou gerar rearranjos genômicos] e suas variações nos dá a possibilidade de aumentar a produção desses inibidores ou torná-los mais ativos nas plantas de interesse para atuarem de forma específica contra insetos-praga, sem que as moléculas sejam um problema para humanos e animais que venham a consumir as plantas ou sementes. Por isso, pode ser um caminho promissor nos próximos anos”, conclui Basso (leia mais sobre CRISPR em: revistapesquisa.fapesp.br/uma-ferramenta-para-editar-o-dna/).

O artigo Exploring plant α-amylase inhibitors: mechanisms and potential application for insect pest control pode ser lido em: https://analyticalsciencejournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/biot.70098.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/55780