Os diferentes critérios usados nos ensaios clínicos de fase 3 dos imunizantes já aprovados foram discutidos por participantes de webinar promovido pela FAPESP. O impacto do atraso na vacinação dos brasileiros foi um dos temas abordados (foto: Governo do Estado de São Paulo/divulgação)
Publicado em 12/04/2021
Karina Toledo | Agência FAPESP – Entre as diversas vacinas contra a COVID-19 já aprovadas no mundo, qual é a melhor? Para especialistas que participaram de um webinar sobre o tema promovido pela FAPESP, não é possível responder a essa pergunta no momento. Como os imunizantes foram desenvolvidos por técnicas diferentes e testados em condições distintas, os resultados dos ensaios clínicos de fase 3 já concluídos simplesmente não são comparáveis.
“Não dá para dizer que a proteção de uma determinada vacina é melhor que a de outra, pois elas não foram comparadas entre si e os desfechos clínicos avaliados [em cada um dos estudos de fase 3] são diferentes”, disse Ricardo Sobhie Diaz, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ao ser questionado sobre qual seria o imunizante de sua escolha. “Não há respaldo científico para essa resposta”, afirmou.
Na avaliação da infectologista Mirian Dal Ben, do Hospital Sírio-Libanês, as pessoas devem tomar “a primeira vacina que tiverem a oportunidade”, pois todas estão sendo testadas com rigor e nenhuma será aprovada se não houver dados de segurança e eficácia que justifiquem a liberação do uso em larga escala.
Esta também foi a posição defendida pelo professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Eduardo Massad. “Entrei no protocolo do Instituto Butantan para avaliar a resposta imune do idoso. Portanto, já tomei a CoronaVac. Mas tomaria qualquer uma. A primeira que aparecer, tomem. Qualquer uma delas protegerá contra a doença, que é o que interessa”, afirmou o médico.
Transmitido ao vivo na quarta-feira (03/02), o seminário “Desenho e interpretação de estudos sobre eficácia da vacina” integra a série FAPESP COVID-19 Research Webinars, realizada com apoio do Global Research Council (GRC).
Durante o evento, Diaz explicou as diferentes plataformas existentes para a produção de vacinas. A mais antiga e estudada é a de vírus inativado, como é o caso da CoronaVac (desenvolvida pela chinesa Sinovac Biotech e testada no Brasil pelo Instituto Butantan) e da Covaxin (desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech). Esse tipo de imunizante já é usado no combate a doenças como gripe, cólera, raiva, poliomielite, hepatite A e peste bubônica. A técnica consiste em cultivar o patógeno em laboratório e inativá-lo com calor ou radiação para que, ao ser injetado no organismo humano, não cause doença, mas induza uma resposta de defesa.
Outros quatro tipos de vacina estão em desenvolvimento ou já estão sendo utilizados em programas nacionais de combate à COVID-19: as de vetor viral (como a russa Sputnik V, do Instito Gamaleya, a britânica ChAdOx1, da Universidade de Oxford com o laboratório AstraZeneca, e a norte-americana Ad26.COV2.S, da Janssen/Johnson & Johnson), nas quais uma proteína do SARS-CoV-2 é inserida em um tipo de vírus incapaz de se replicar no organismo humano; as genéticas (como a dos laboratórios Moderna, Pfizer/Biontech e Fosun Pharma), que consistem em injetar ácidos nucleicos do novo coronavírus para induzir no corpo humano a produção de proteínas virais; e as vacinas proteicas subunitárias (como a do laboratório norte-americano Novavax), feitas com fragmentos do vírus.
Em sua apresentação, Dal Ben explicou como são desenhados os estudos clínicos dedicados a avaliar a segurança e a eficácia dos imunizantes. Até a fase 2, a atenção dos pesquisadores está voltada para os chamados “desfechos laboratoriais”, ou seja, normalmente se investiga em que medida os vacinados desenvolvem imunidade humoral (anticorpos capazes de neutralizar o vírus) e celular (linfócitos que reconhecem e destroem células infectadas pelo SARS-CoV-2). Essas questões também são mensuradas na fase 3, contudo, nesse caso, a principal meta é avaliar os “desfechos clínicos” associados à imunização.
Segundo a médica, uma pesquisa clínica de fase 3 pode tentar responder a diferentes questões, por exemplo, o quanto uma dose da vacina protege contra a ocorrência de COVID-19 ou qual é a proteção conferida por duas doses do imunizante. Também se pode avaliar em que medida a vacina evita hospitalizações, mortes ou a transmissão assintomática do vírus pelos voluntários.
De acordo com Dal Ben, é com base nas questões a serem respondidas que se define o desenho do ensaio: quantas pessoas serão incluídas, qual deve ser o perfil da população estudada [idade, etnia, grau de exposição, presença de comorbidades, variantes predominantes na região etc.) e como os voluntários serão divididos – é possível separar os participantes em dois grupos (placebo e vacina) ou em três (placebo, uma dose de vacina ou duas doses), entre outros formatos. Também é preciso definir se o estudo será monocego (os voluntários não sabem a qual grupo pertencem) ou duplo-cego (nem voluntários nem pesquisadores conhecem os grupos), que tipo de placebo será usado (pode ser uma substância inócua como soro fisiológico ou outra vacina, por exemplo) e como será o monitoramento dos participantes.
“A forma como os voluntários serão monitorados e o tempo de seguimento também dependem da pergunta que se quer responder. Se o desfecho a ser avaliado é a infecção pelo SARS-CoV-2, posso parar assim que o paciente tiver um resultado positivo no teste de RT-PCR. Mas se quero investigar se o caso vai evoluir para doença grave ou para óbito, é preciso acompanhar por um tempo maior. E apenas com o seguimento de longo prazo será possível descobrir o quanto dura a imunidade induzida pela vacina”, disse Dal Ben.
Quanto mais raro é o evento que se deseja avaliar, maior deverá ser o número de voluntários incluídos no estudo para que, ao final, os resultados tenham significância estatística, explicaram os pesquisadores. Descobrir em que medida uma vacina é capaz de evitar óbitos (desfecho que ocorre entre 0,5% e 1% dos casos), portanto, requer um número muito maior de participantes do que avaliar a proteção contra hospitalização (necessária para aproximadamente 20% dos contaminados pelo SARS-CoV-2).
De acordo com Dal Ben, os estudos de fase 3 realizados para medir a eficácia das vacinas contra a COVID-19 adotaram critérios muito variados, o que impossibilita a comparação dos dados. No caso da CoronaVac, por exemplo, os voluntários que após receber a segunda dose do imunizante apresentaram febre, tosse, falta de ar, fadiga, dor muscular, cefaleia, dor de garganta, congestão nasal, náusea, vômito ou diarreia foram considerados como “casos suspeitos”. Já no caso da ChAdOx1, da AstraZeneca, só foram considerados como suspeitos os pacientes que apresentaram febre, tosse, falta de ar, anosmia (perda do olfato) ou ageusia (perda do paladar).
“Dor de garganta, que é um sintoma muito comum nos casos leves de COVID-19, não foi considerada na casuística do Reino Unido e do Brasil, segundo os dados divulgados pela AstraZeneca na revista The Lancet. Foi considerada somente na África do Sul. Será que por isso a eficácia foi menor na África do Sul?”, indagou.
Outro fator que dificulta a comparação, segundo Massad, é o fato de os participantes de cada estudo terem sido vacinados em momentos e locais diferentes, o que faz com que o grau de exposição ao vírus não seja equiparável. Em alguns casos, pode haver variação na incidência da doença até dentro de um mesmo estudo clínico, caso os voluntários do grupo placebo e do grupo vacina sejam atendidos em momentos diferentes – algo que pode ser corrigido por modelagem matemática, disse o pesquisador.
O custo do atraso
Além de explicar as fórmulas usadas nos estudos clínicos para calcular a taxa de eficácia de uma vacina, Massad apresentou um modelo por meio do qual estimou o número de mortes que seriam evitadas no Brasil caso a vacinação em larga escala tivesse começado já no mês de janeiro.
“Sem vacinar ninguém, chegaremos ao fim do ano com 350 mil mortos. Hoje estamos com pouco mais de 220 mil e, se a vacinação tivesse começado em janeiro, esse número aumentaria muito pouco até dezembro [considerando que em seis meses 70% dos suscetíveis seriam vacinados]. Um mês de atraso vai custar 41 mil vidas a mais, dois meses serão 73 mil, três meses, 97 mil, e, se a gente só começar a vacinar pra valer em maio, 111 mil pessoas a mais irão morrer. Esse atraso na introdução da vacina, portsnto, tem um custo em vidas humanas”, disse o pesquisador.
Os cálculos foram feitos considerando uma vacina com 90% de eficácia, que teria a adesão de 80% da população, e sem levar em conta as novas variantes virais possivelmente mais transmissíveis.
“O Brasil tem capacidade de vacinar pelo menos 10 milhões de pessoas por dia. Se tivéssemos doses para todos, em pouco mais de 20 dias poderíamos liquidar essa fatura”, disse Massad.
Para assistir a íntegra do webinar acesse www.youtube.com/watch?v=6bNLtyMSIxE.