A crise do fogo no Pantanal em 2020 foi ocasionada por um evento de seca extrema, que tende a ser cada vez mais frequente não só na região, mas em outras partes do Brasil (foto: Mayke Toscano/Secom-MT)
Publicado em 29/08/2023
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Os incêndios de alta intensidade que atingiram o Pantanal em 2020 queimaram uma área de 44.998 quilômetros quadrados (km2), o que corresponde a pouco mais de 30% do território do bioma na porção brasileira (com cerca de 150 mil km2, no total). O cálculo é de uma nova pesquisa publicada na revista científica Fire. O trabalho mostra uma região devastada bem maior do que as estimadas em levantamentos anteriores, que variaram de 14.307 km2 a 36.017 km2.
Liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o estudo demonstra que o modelo construído com base em imagens de satélite da missão Sentinel-2 apresentou vantagens em relação a produtos operacionais disponíveis para o Pantanal, sendo capaz de refinar as estimativas de áreas queimadas em escala regional.
De acordo com o trabalho, a metodologia com o Sentinel-2 alcançou uma precisão em torno de 96%, podendo ajudar a melhorar a estimativa de gases e aerossóis associados à queima de biomassa.
A conclusão reforça a necessidade de desenvolver abordagens para melhorar os dados sobre os impactos do fogo em regiões criticamente sensíveis às mudanças climáticas, como o bioma em questão, permitindo avaliar a influência desses incêndios nos ecossistemas e na biodiversidade. A importância aumenta em meio aos alertas derivados da previsão de um forte fenômeno El Niño neste ano, que pode levar a parte norte do Pantanal e seu entorno na bacia do Alto do Paraguai a ficar mais seca e suscetível ao fogo.
“Os resultados da pesquisa não indicam que um modelo ou produto é pior ou melhor do que o outro. Temos variações metodológicas e, por isso, há divergências de estimativas. Mas as imagens provenientes do sensor MSI a bordo dos satélites Sentinel-2 apresentam dois pontos positivos: as resoluções espacial – com uma imagem de 10 metros, trazendo um detalhamento muito maior das áreas queimadas – e temporal, que é muito importante para esse tipo de estudo. Isso porque, enquanto alguns sensores, como os da série Landsat, levam até 16 dias para registrar uma área, ele reduz esse tempo para cinco dias”, afirma a engenheira florestal Andeise Cerqueira Dutra, doutoranda na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG-Inpe) sob a orientação do pesquisador Yosio Edemir Shimabukuro.
Uma das autoras do estudo juntamente com Shimabukuro, Dutra recebe apoio da FAPESP por meio de dois projetos (22/01746-5 e 23/02386-5).
Para o pesquisador da DIOTG-Inpe Guilherme Augusto Verola Mataveli, que também assina o artigo, é importante aprimorar esse tipo de análise e obter estimativas em escala regional não só para refinar a quantificação de áreas devastadas como também para calcular emissões de gases de efeito estufa, com impacto direto nas mudanças climáticas.
“A crise do fogo no Pantanal em 2020 foi ocasionada por um evento de seca extrema, que tende a ser cada vez mais frequente não só na região, mas em outras partes do Brasil. Ter mais conhecimento sobre o impacto dessas crises climáticas no bioma e sua biodiversidade será cada vez mais importante para tomar decisões ligadas a planos de manejo e programas de mitigação dos efeitos do fogo”, explica Mataveli, que desenvolve estudos apoiados pela FAPESP (16/02018-2, 19/25701-8, 23/03206-0 e 20/15230-5), parte no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
“Buscar meios para aprimorar esses produtos e gerar dados mais acurados tem grande importância para a sociedade. Um exemplo é o projeto-piloto lançado este ano, no Pantanal, que também utiliza dados de sensoriamento remoto para identificar áreas afetadas pelo fogo e estimar o acúmulo de material combustível, por exemplo. Além disso, os gestores de órgãos de meio ambiente e os brigadistas podem usar esses resultados para manejo integrado do fogo, definindo locais prioritários e ações de combate e controle de incêndios”, complementa Dutra.
Consequências
Maior área úmida tropical do mundo, o Pantanal fica sazonalmente inundado, com a estação seca geralmente variando de julho a outubro (setembro é o mês considerado como o pico de incêndios na região).
Hotspot de biodiversidade, o bioma registrou em 2019 uma mudança nos padrões de chuva – modulados pela monção de verão da América do Sul –, sofrendo com uma seca prolongada em 2020, ano em que a precipitação na porção brasileira foi a menor desde a década de 1980. Ficou 26% abaixo da média de 1982-2020. Entre as consequências dessa seca significativa houve o registro de uma superfície alagada 34% menor do que a média.
Além disso, do total de áreas queimadas, 35% foram atingidas pela primeira vez. Pesquisas realizadas depois da crise constataram que o fogo matou cerca de 16 milhões de animais de pequeno porte (com menos de 2 quilos) e outros 944 mil de maior porte (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/incendios-no-pantanal-mataram-17-milhoes-de-animais).
Já as onças-pintadas (Panthera onca), o maior felino das Américas, foram muito afetadas – os focos de incêndio consumiram o correspondente a 80% da área de vida desses animais, atingindo 45% deles (cerca de 740 indivíduos) no bioma, que abriga a segunda maior população da espécie no mundo.
Outra consequência foi o aumento de casos de problemas respiratórios na população dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com mais internações, como mostrou levantamento da Fiocruz. No pós-incêndio, o custo estimado da restauração chegou a cerca de US$ 123 milhões.
Método
Os pesquisadores utilizaram imagens do Sentinel-2 para fazer as estimativas de áreas queimadas na porção brasileira do Pantanal em 2020 e compararam com as derivadas dos produtos baseados no sensor MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer, na sigla em inglês) e nos sensores a bordo dos satélites da série Landsat.
Os resultados baseados no MODIS (MCD64A1 e Fire_cci) estimaram a área atingida em 35.837 km2 e 36.017 km2, respectivamente. Já os baseados em Landsat (MapBiomas Fogo e GABAM) ficaram em 23.372 km2 e 14.307 km2.
Visualmente, os mapas apresentam padrão de distribuição espacial semelhante, mas a estimativa derivada do Sentinel foi capaz de detectar um número maior de incêndios menores do que as outras, especialmente no leste do Pantanal. “O modelo que desenvolvemos está disponível para quem tiver interesse, assim como os dados coletados na validação. Acreditamos que eles podem ajudar em outros projetos, em trabalhos futuros”, diz Mataveli.
E Dutra complementa: “Com a previsão de secas cada vez mais frequentes, há uma tendência de termos mais episódios de incêndios. Por isso, acreditamos que mais colaborações vão existir, mais dados estarão disponíveis. Esperamos também que mais dados de campo estejam acessíveis, principalmente para cientistas que trabalham com sensoriamento remoto para gerar produtos mais acurados”.
Entre janeiro e 23 de agosto deste ano, o Pantanal registrou 381 focos de fogo, segundo dados do Inpe – no mesmo período de 2020 haviam sido 8.127 focos, o maior número desde 1998 para o bioma. Neste ano, incêndios florestais têm se intensificado em meio às ondas de calor, deixando mortos e destruindo vilas na Europa e nos Estados Unidos.
O artigo Assessment of Burned Areas during the Pantanal Fire Crisis in 2020 Using Sentinel-2 Images pode ser lido em: www.mdpi.com/2571-6255/6/7/277.