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Especialistas debatem as tecnologias quânticas emergentes e os estudos em andamento no Brasil


Especialistas debatem as tecnologias quânticas emergentes e os estudos em andamento no Brasil

Dispositivos que utilizam propriedades quânticas já são onipresentes no dia a dia. E as expectativas de expansão do setor são enormes. O desafio para o país é encontrar seu lugar nessa corrida, destacaram participantes de seminário on-line que integra o Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação (imagem: reprodução)

Publicado em 12/05/2021

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – No ano 2000, por ocasião do 100º aniversário da hipótese de Max Planck (1858-1947) sobre a quantização da energia, uma matéria de capa da revista Scientific American mostrou que, naquela ocasião, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano já era baseado em invenções tornadas possíveis pela mecânica quântica. De lá para cá, o número de aplicações não parou de crescer e um enorme conjunto de tecnologias usadas hoje de forma corriqueira fundamenta-se em propriedades quânticas dos mundos molecular, atômico e subatômico.

Os dispositivos derivados dessas tecnologias vão de semicondutores em chips de computadores a lasers para uso médico, de leitores de códigos de barras a detectores de luz em câmeras digitais de smartphones, de lâmpadas de LED a aparelhos de ressonância magnética para exames de imagem, de relógios atômicos de importância fundamental para a calibragem do GPS a sensores para a monitoração dos efeitos da mudança climática global.

Na última segunda-feira (03/05), um evento on-line reuniu quatro especialistas para falar das tecnologias quânticas emergentes e dos esforços de pesquisa realizados no Brasil, e particularmente no Estado de São Paulo, para posicionar o país nessa grande corrida mundial liderada por Estados Unidos, China e União Europeia. Denominado “Tecnologias Quânticas Emergentes”, o evento foi mais uma edição do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, promovido pelo Instituto do Legislativo Paulista (ILP) e a FAPESP.

Participaram Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IF-UFRJ) e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC); Barbara Amaral, professora do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP); Gustavo Wiederhecker, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (IF-Unicamp); e Paulo Nussenzveig, professor do IF-USP. O encontro teve como moderador o professor Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente da FAPESP.

Como mostrou Davidovich em sua apresentação, a física quântica se desenvolveu de forma espetacular por meio de duas revoluções. A primeira, ocorrida nas três primeiras décadas do século 20 e protagonizada por cientistas do calibre de Albert Einstein, Niels Bohr, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg e Wolfgang Pauli, lançou os fundamentos de uma teoria capaz de explicar os comportamentos bastante surpreendentes dos objetos nas escalas subatômica, atômica e molecular. A segunda, que começou no final do século 20, associada à habilidade de controlar átomos e fótons individualmente, abriu para as propriedades quânticas um horizonte praticamente ilimitado de aplicações.

“O roteiro para novas tecnologias quânticas engloba quatro pilares básicos: comunicação, computação, simulação e metrologia, todos eles apoiados pela ciência básica. E, para cumprir esse roteiro, é necessário atuar em três frentes: engenharia e controle; software e teoria; educação e treinamento de pessoas”, disse Davidovich.

O presidente da ABC deu vários exemplos: de uma criptografia praticamente à prova de hackers ao uso de um único átomo para mapear a estrutura de uma biomolécula, por meio da propriedade do spin; de um gravímetro para mapear lençóis subterrâneos de água ou petróleo a um acelerômetro que permite calcular exatamente a posição de um avião em áreas sem cobertura de GPS. Mas deteve-se em um campo de aplicação especialmente atraente por seu potencial: o da computação quântica.

“Uma das motivações para a computação quântica são os limites da computação clássica. Nos computadores clássicos, o número de transistores nas unidades centrais de processamento (CPUs) cresce exponencialmente com o tempo. O novo chip da Apple tem 16 bilhões de transistores comprimidos em um espaço mínimo. A informação está sendo cada vez mais compactada e vamos chegar a uma situação em que um único átomo vai definir um bit de computação”, afirmou.

“Os computadores clássicos funcionam com bits. Isso significa que podemos codificar uma sentença em uma sequência de 0 e 1. Os computadores quânticos funcionam com base em qubits, nos quais são possíveis infinitos estados entre 0 e 1”, explicou. Isso daria ao computador quântico uma velocidade de processamento incomparavelmente maior em relação ao computador clássico.

Essa possibilidade, que até recentemente era uma suposição teórica, foi demonstrada na prática em 2019, quando a Google fez uma demonstração de seu computador quântico experimental. “Com um chip de apenas 53 qubits, ele foi capaz de fazer em três minutos um processamento que o melhor supercomputador clássico da IBM, que ocupa uma área equivalente a duas quadras de basquete, levaria dois dias para realizar”, informou Barbara Amaral em sua apresentação.

Ela fez uma exposição bastante detalhada sobre computação quântica. “De maneira simples, computador quântico é um dispositivo que explora propriedades da física quântica para manipular, armazenar e transmitir informação”, disse.

São três essas propriedades, como detalhou a professora do IF-USP. A primeira é a quantização da energia, que constitui o próprio fundamento da física quântica. Quantização significa que, nos sistemas quânticos, a energia assume valores discretos e não contínuos, porque nem todos os níveis de energia são possíveis. A segunda é a superposição, que se deve ao caráter ondulatório assumido pelas partículas. Superposição significa que as partículas se somam ou se subtraem de maneira análoga à das ondas mecânicas na superfície de uma piscina. “Isso explica a ampla gama de valores que podem ser assumidos pelos qubits, em contraste com apenas dois valores, 0 ou 1, assumidos pelos bits”, ressaltou Amaral.

A terceira propriedade, finalmente, é chamada de “emaranhamento”. Ele faz com que dois sistemas quânticos, como dois elétrons, por exemplo, passem a apresentar correlações bem fortes após se relacionarem. O que acontece com um influencia o outro. “Essas correlações são um recurso muito importante para várias aplicações em informação e computação quânticas”, afirmou Amaral.

São um formidável recurso. Mas também o calcanhar de aquiles da computação quântica, pois, ao interagir com o meio, os sistemas quânticos perdem muito facilmente sua condição de emaranhamento. É por isso que os computadores quânticos experimentais da Google e da IBM precisam ser refrigerados em temperaturas extremamente baixas para poder funcionar. Enquanto esse enorme desafio científico-tecnológico não for resolvido, vai ser difícil que a computação quântica realmente decole.

Nem é preciso dizer que emaranhamento quântico se tornou um dos temas mais quentes de pesquisa no mundo todo, tanto no âmbito acadêmico quanto empresarial. “No Vale do Silício, Estados Unidos, já existem centenas de startups dedicadas ao desenvolvimento de computação quântica. Algumas pessoas acham loucura que essas empresas emergentes estejam recebendo financiamentos maciços quando o futuro do negócio é tão incerto. Mas, se uma única dessas startups der certo, isso vai compensar e superar em muitas vezes todo o investimento feito”, comentou Davidovich.

Em sua apresentação, o presidente da ABC já havia mostrado que a China, que começou depois, também está fazendo investimentos maciços em computação quântica, com a maior taxa de crescimento em patentes.

No Brasil, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (INCT-IQ) aproxima pesquisadores de todo o país e tem ajudado no desenvolvimento de grupos de pesquisa e laboratórios em várias regiões. “Há uma particular concentração em São Paulo, especialmente nas universidades públicas, o que reflete, por um lado, a competência dos físicos paulistas e, por outro, o apoio ousado da FAPESP”, sublinhou Davidovich.

Algoritmos quânticos

Devido às três propriedades quânticas citadas – quantização, superposição e emaranhamento –, algumas tarefas, para as quais não é conhecido nenhum algoritmo clássico, podem ser resolvidas por algoritmos quânticos. “Exemplos disso são os algoritmos de Deutsch-Jozsa e de Bernstein-Vazirani, que apresentam ganho exponencial em relação aos melhores algoritmos clássicos conhecidos e são usados para descobrir propriedades de funções matemáticas especiais; o algoritmo de Grover, utilizado em mecanismos de busca em listas não estruturadas; e o algoritmo de amostragem de circuito aleatório, que foi empregado no computador experimental da Google”, informou Amaral.

Outro exemplo, bastante conhecido, é o algoritmo de Shor, que permite fatorar números inteiros. Enquanto com os algoritmos clássicos o tempo de fatoração cresce exponencialmente à medida que a quantidade de algarismos do número aumenta, com o algoritmo quântico de Shor o crescimento é polinomial. “O uso do algoritmo de Shor seria até uma ameaça à segurança do protocolo de criptografia RSA (Rivest-Shamir-Adleman), muito utilizado hoje para transmissão segura de dados, que se baseia exatamente na dificuldade de fatorar números aleatórios. Mas esta ainda é uma possibilidade remota, porque, para rodar o algoritmo de Shor, seria necessário um computador quântico com centenas de milhares de qubits”, afirmou Amaral.

Se a produção de hardware demanda recursos gigantescos, o capital para a criação desses algoritmos é basicamente a inteligência dos pesquisadores. Por isso, essa se tornou uma área muito ativa de investigação em todo o mundo. No Brasil, uma dessas pesquisas, apoiada pela FAPESP, é coordenada por Celso Villas-Bôas na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Está voltada para a criação de algoritmos quânticos para solução de sistemas de equações diferenciais, o que tem uma aplicação praticamente ilimitada em várias áreas do conhecimento humano.

O terceiro palestrante do evento, Gustavo Wiederhecker, focou sua apresentação nas aplicações vislumbradas para tecnologias quânticas no Estado de São Paulo. E no rol das tecnologias já apontadas, dedicou especial atenção ao sensoriamento quântico.

Assim como para a computação, as três propriedades quânticas fundamentais para o sensoriamento são a quantização da energia; a coerência ou superposição, decorrente da interferência ondulatória entre partículas subatômicas, átomos e até moléculas; e, finalmente, a correlação, como é o caso do emaranhamento. “Um sensor quântico mede grandezas físicas explorando, então, uma ou mais dessas três propriedades”, disse Wiederhecker.

E prosseguiu: “Exemplo de sensor que explora os níveis discretos de energia é o relógio atômico, com uso em metrologia e várias aplicações. A coerência quântica possibilita, por exemplo, fazer ressonância magnética nuclear em uma pessoa em movimento. Por último, a correlação quântica permite sensoriar perturbações mecânicas com precisão subatômica”.

“Tanto a coerência quanto o emaranhamento são extremamente sensíveis a fatores externos, podendo ser perturbados por sinais diminutos que os sensores clássicos seriam incapazes de detectar. Isso pode ser explorado como uma grande vantagem pelos sensores quânticos”, explicou Wiederhecker.

Como detalhou o pesquisador, os relógios atômicos são máquinas capazes de detectar pequenas variações de energia nos átomos decorrentes da transição quântica dos elétrons do estado fundamental para o primeiro estado excitado. Essas transições ocorrem em intervalos extremamente precisos, o que possibilita contar o tempo com grande exatidão. Os melhores relógios atômicos da atualidade utilizam átomos de césio 133. E a própria definição de segundo, adotada como unidade de tempo no Sistema Internacional de Unidades (SI), baseia-se atualmente nessa propriedade decorrente da quantização da energia, sendo o segundo o período correspondente a 9.192.631.770 transições eletrônicas entre os dois níveis mencionados. As aplicações práticas são várias. Entre elas, a calibragem do GPS, que se tornou uma ferramenta quase onipresente no mundo de hoje.

Daniel Varela, da USP em São Carlos, e Flávio Cruz, da Unicamp, são alguns dos pesquisadores paulistas trabalhando na área atualmente.

“Outra aplicação, esta já adotada pela Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], é o uso da técnica LIBS [Laser Induced Breakdown Spectroscopy], que consiste em irradiar amostras de solo ou de plantas com lasers extremamente potentes para, a partir do padrão de transição eletrônica provocada nos átomos constituintes, identificar a composição química do materiais investigados”, informou Wiederhecker. O pesquisador enfatizou esse tipo de aplicação, considerando que a agropecuária brasileira fornece atualmente alimento para 800 milhões de pessoas ao redor do mundo.

“Quanto à coerência quântica, acho que o exemplo mais robusto do que estamos desenvolvendo hoje no Brasil é o gravímetro. Trata-se de um dispositivo que mede a gravidade com a sensibilidade de 1 microssegundo por segundo ao quadrado. Isso significa que ele é 10 milhões de vezes mais sensível do que o necessário para medir o campo gravitacional da Terra. A medição é feita por meio da interferência entre os padrões de onda associados a átomos distintos”, afirmou Wiederhecker.

Um exemplo de aplicação da gravimetria é a Missão GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment) da Nasa (agência espacial norte-america), que, com o emprego de satélite, realiza medições do campo gravitacional local da Terra. Entre vários resultados,  a missão verificou que a massa de gelo que recobre a Antártica tem sofrido uma perda mensal da ordem de gigatoneladas, em decorrência da mudança climática global.

O professor Philippe Courteille vem desenvolvendo pesquisa em gravimetria no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP).

“No campo das correlações quânticas, estamos trabalhando em um dispositivo para medir vibrações mecânicas por meio da luz. Isso é feito por meio de microcavidades ópticas, cuja frequência de vibração é perturbada pela aproximação de um objeto que refrate a luz. Para se ter uma ideia de escala, a microcavidade é dez vezes menor do que o diâmetro de um fio de cabelo. Dividindo esse tamanho por 20 mil, chega-se à distância entre dois átomos na rede cristalina do silício, que é o material com que fabricamos a microcavidade. Dividindo novamente por um fator dez, chega-se ao tamanho de um único átomo de silício. E, dividindo isso por um fator 10 mil, chega-se, finalmente, ao tamanho do próton. Essa cavidade é capaz de sentir vibrações do tamanho do próton”, detalhou Wiederhecker.

Aplicações promissoras na agricultura

Hoje um dos pesquisadores mais ativos no campo das tecnologias quânticas, reconhecido internacionalmente, Paulo Nussenzveig dedicou sua participação no evento para divulgar uma iniciativa que um grupo de cientistas tomou há cerca de oito meses, de tentar construir um programa para canalizar investimentos a essas novas tecnologias no Brasil. A iniciativa chama-se QuInTec, de Quantum Information Technologies.

“Em 2017, a revista The Economist fez um mapa dos investimentos anuais não secretos dos diferentes países em pesquisa para o desenvolvimento de novas tecnologias quânticas. Os dados foram apresentados em milhões de euros. Enquanto a União Europeia liderava o ranking, com 550, seguida pelos Estados Unidos (360) e a China (220), o Brasil aparecia no mapa com 11”, afirmou Nussenzveig.

E continuou: “Mais recentemente, em agosto de 2020, a empresa Qureca fez um novo mapa, com investimentos governamentais e privados em tecnologias de informação quântica. No mapa, vê-se um esforço muito grande da China, com investimentos correspondentes à metade do valor total estimado, a participação dos Estados Unidos, a contribuição individual de vários países da União Europeia. Mas os investimentos no Brasil nem sequer são contabilizados no mapa. Isso chama a nossa atenção, porque, como vimos nas apresentações anteriores, nós temos uma presença forte na área acadêmica. Mas esse potencial acadêmico não está sendo aproveitado. E estamos perdendo a grande oportunidade de gerar tecnologias que estão sendo desenvolvidas no resto do mundo”.

Nussenzveig nomeou as pessoas envolvidas em formular as propostas da iniciativa QuInTec: Celso Villas-Bôas (UFSCar), Frederico Brito (USP-São Carlos), Gustavo Wiederhecker (Unicamp), Celso Terra Cunha (Unicamp), Philippe Courteille (USP-São Carlos) e ele mesmo. “Em outubro de 2020, fizemos uma reunião virtual com o diretor científico da FAPESP e obtivemos o sinal verde para fazer contatos em nome da Fundação. Em dezembro, fizemos o primeiro workshop com a comunidade acadêmica. E temos várias atividades programadas para ir além da comunidade acadêmica neste semestre”, disse.

Desenvolvendo um tópico já apresentado no evento, Nussenzveig retomou o tema da fragilidade dos sistemas quânticos. Decorrente do fato de esses sistemas se acoplarem muito facilmente ao meio e perderem suas propriedades intrínsecas, tal fragilidade é um grande empecilho para o desenvolvimento da computação quântica. Mas pode ser um grande trunfo para o sensoriamento. “A fragilidade indica que esses sistemas estão experimentando o mundo exterior de maneira extremamente efetiva. E isso define um bom caminho para iniciarmos uma iniciativa tecnológica no Estado de São Paulo na área de sensoriamento”, afirmou.

O pesquisador recordou estudos que mostram que existe no Brasil um potencial de expansão de mais de 100 milhões de hectares da área agriculturável, sem desmatamento. E de que o país poderá responder por 40% da demanda adicional de alimentos estimada globalmente para 2050. “Para mim, isso significa que nós temos a responsabilidade de investir no desenvolvimento de tecnologias quânticas aplicadas ao setor agrícola”, enfatizou.

A gravação integral do evento “Tecnologias quânticas emergentes” pode ser acessada em www.youtube.com/watch?v=bDlTqU8uWYk.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/35810