Revisão de mais de cem estudos sugere que o leite materno pode fornecer anticorpos para os recém-nascidos, além de proteger contra distúrbios gastrointestinais causados pelo SARS-CoV-2 (foto: sam moody/Pixabay)
Publicado em 23/04/2021
Agência FAPESP* – Uma revisão da literatura científica feita por pesquisadoras do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e publicada na revista Physiological Reports sugere ser benéfico manter a amamentação durante a COVID-19. Os mais de cem estudos analisados indicam que o leite materno, além de transferir anticorpos para o bebê, também fornece moléculas bioativas com ação antimicrobiana, como caseínas, lactoferrinas, proteínas do soro do leite e triptofano.
O trabalho foi coordenado pela professora Patrícia Gama, que estuda os efeitos do desmame precoce no trato gastrointestinal há mais de 30 anos, e contou com apoio da FAPESP por meio de três projetos (18/07409-5, 20/02888-2 e 18/07782-8).
Muitos trabalhos já mostraram que os componentes do leite conferem proteção ao intestino, estimulando o sistema imune. Também há evidências de que essas moléculas protegem o recém-nascido contra infecções virais. “Crianças que são desmamadas precocemente apresentam maior incidência de infecção por rotavírus, causador da gastroenterite, por exemplo”, afirma Aline Vasques da Costa, uma das autoras da revisão. O grupo analisou trabalhos sobre os componentes do leite materno individualmente, inflamações intestinais e os efeitos gastrointestinais na COVID-19, pneumonia e outras doenças virais.
O objetivo era investigar por que as crianças são menos acometidas pelo SARS-CoV-2 e se a amamentação poderia ter um papel protetor contra o vírus. Foi verificado que as moléculas presentes no leite previnem infecções virais que causam distúrbios gastrointestinais. A lactoferrina, por exemplo, já foi testada e demonstrou potencial antiviral contra o SARS-CoV-1, responsável pela epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2003, conforme explica a pesquisadora Carolina Purcell Goes.
Outras pesquisas mostraram que mães que se recuperaram da COVID-19 e estavam em fase de amamentação apresentavam anticorpos do tipo imunoglobulina A (IgA) no leite. “A literatura mostra que os níveis de IgA são mantidos até sete meses após o início da amamentação”, relata Gama.
A conclusão das cientistas é que, ao serem transferidos para o bebê, esses anticorpos poderiam prevenir a infecção por SARS-CoV-2 ou ao menos reduzir a severidade dos sintomas. Além disso, os demais componentes ampliariam essa proteção.
“Quando nós estudamos os elementos do leite separadamente, vimos que todos têm um papel importante no quadro de inflamação intestinal. E, juntas, essas moléculas tornam o leite materno um alimento muito importante na proteção das crianças”, destaca a professora.
O artigo Breastfeeding importance and its therapeutic potential against SARS -Cov-2 está disponível em https://physoc.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.14814/phy2.14744.
Outro estudo publicado recentemente no The Journal of the American Medical Association (JAMA) revela que o leite produzido por lactantes vacinadas contra a COVID-19 pode ser uma fonte de anticorpos para os bebês. A pesquisa envolveu 84 mulheres de Israel, com idade média de 34 anos, que receberam duas doses da vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech.
Os autores, contudo, apontam que o estudo tem limitações. Não foi feito nenhum ensaio funcional que permita concluir definitivamente que bebês estão protegidos contra a COVID-19 por terem recebido anticorpos via leite materno.
* Com informações da Assessoria de Comunicação do ICB-USP.