Fapesp

A FAPESP e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável


Estudo associa baixa atividade de enzima ao desenvolvimento de microcefalia em prole infectada pelo zika


Estudo associa baixa atividade de enzima ao desenvolvimento de microcefalia em prole infectada pelo zika

A equipe analisou a atividade da enzima Ndel1 em animais infectados pelo vírus zika (imagem: João Nani/Criado com BioRender.com)

Publicado em 16/10/2023

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Estudo publicado no Journal of Neurochemistry revela que camundongos infectados pelo vírus zika durante a gestação e que desenvolveram microcefalia apresentam menor atividade de uma enzima chamada Ndel1 – importante para processos de proliferação, diferenciação e migração dos neurônios durante o desenvolvimento embrionário.

A descoberta, já patenteada, pode, no futuro, servir de base para o desenvolvimento de um biomarcador para o diagnóstico precoce de microcefalia em bebês infectados pelo zika no período embrionário.

“Não temos bons biomarcadores para o diagnóstico precoce [ainda na fase embrionária] da síndrome congênita associada à infecção pelo zika. A descoberta dessa relação entre a atividade enzimática e o tamanho encefálico é só o começo do caminho, mas traz muitas esperanças. Atualmente, o diagnóstico se limita a medir o tamanho do cérebro por ultrassonografia ou tomografia. Ou então se baseia nas medidas imprecisas da circunferência do crânio após o nascimento, quando há poucas possibilidades de se reverter o quadro”, comenta Mirian Hayashi, professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenadora da pesquisa.

Apoiada pela FAPESP, a investigação foi conduzida em parceria com o grupo liderado por Patrícia Garcez na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os resultados também apontaram efeitos positivos do tratamento com o interferon-beta – fármaco utilizado para esclerose múltipla e que tem sido testado em animais infectados por zika. Nos experimentos com camundongos, o medicamento evitou problemas no desenvolvimento neuronal, além de restabelecer a atividade da enzima Ndel1 a níveis similares aos de roedores não infectados.

Modelo experimental

A equipe analisou a atividade de Ndel1 em animais infectados pelo vírus zika. Desenvolvido pelos pesquisadores da UFRJ, o modelo experimental permitiu que os pesquisadores correlacionassem a infecção com a atividade enzimática e a ação do interferon-beta em diferentes fases do desenvolvimento embrionário, determinando assim os riscos de distúrbios do neurodesenvolvimento.

“Observamos que a infecção está associada a uma redução na atividade da enzima Ndel1 no encéfalo dos animais. Pudemos variar condições como, por exemplo, injetar o vírus no ventrículo dos embriões ainda no útero da mãe. Também variamos a carga viral e os diferentes estágios de desenvolvimento do embrião, o que sugere que a atividade enzimática tenha um excelente poder diagnóstico”, afirma João Nani, bolsista da FAPESP e coautor do estudo.

O pesquisador ressalta ainda que não necessariamente uma atividade baixa da enzima significa menor expressão ou menor quantidade proteica da enzima. “Nesse estudo, sugerimos que a atividade enzimática pode estar relacionada a dois fatores: à quebra de substâncias químicas produzidas por células cerebrais [clivagem de neuropeptídeos, questão que ainda precisa ser comprovada em estudos in vivo], ou à capacidade dessa enzima de interagir com outras proteínas. Essa é uma enzima de grande interação com proteínas importantes e a diminuição de sua atividade pode alterar dinâmicas moleculares importantes”, diz.

Infecção materno-fetal

Como lembra Hayashi, a infecção pelo vírus zika durante a gestação pode causar uma série de malformações na prole, entre elas a microcefalia. No entanto, vale destacar que um conjunto de diferentes fatores pode culminar em microcefalia ou em outros danos cerebrais durante a gravidez, incluindo aqueles desencadeados por infecções como toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes simples, por exemplo.

“Por que decidimos investigar essa enzima em casos de infecção por zika? Porque ela é um excelente modelo para infecções materno-fetais no geral. Sabemos que a infecção tende a disparar uma série de respostas e, na gravidez, isso pode trazer complicações para a embriogênese”, explica.

Os pesquisadores contam que a enzima Ndel1 vem sendo muito estudada, sobretudo por sua importância para o desenvolvimento neurológico e de doenças como esquizofrenia e depressão. Isso porque, ressalta Hayashi, ela está associada à formação de complexos no citoesqueleto intracelular do neurônio e na proliferação, diferenciação e migração dos neurônios durante a embriogênese, que são processos cruciais para a formação do cérebro.

Exemplos dessa interação com proteínas do citoesqueleto foram demonstrados, como é o caso da sua associação à proteína LIS1, que leva a uma doença chamada lisencefalia, ou cérebro liso, em que a criança nasce sem os giros corticais. A Ndel1 também é uma das principais ligantes do gene de suscetibilidade de esquizofrenia mais estudado, denominado DISC1 (Disrupted-in-Schizophrenia 1).

Estudos anteriores demonstraram ainda que mutações no geneNDE1 (que codifica uma proteína semelhante à Ndel1, chamada de NDE1) foram associadas a casos graves de microcefalia. Experimentos com modelos animais evidenciaram que a inativação do gene NDE1 ou da enzima Ndel1 inibe a migração neuronal no começo da formação do embrião.

“Demostramos também uma atividade significativamente menor da Ndel1 em indivíduos com primeiro episódio de psicose sem tratamento prévio com antipsicóticos e em pacientes medicados com esquizofrenia crônica. O que sugere, mas ainda não foi possível comprovar, que a atividade da enzima Ndel1 é um potencial biomarcador de estágios iniciais e de resistência ao tratamento na esquizofrenia”, afirma Hayashi.

O estudo Assessing the role of Ndel1 oligopeptidase activity in congenital Zika syndrome: Potential predictor of congenital syndrome endophenotype and treatment response pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/jnc.15918.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/49976