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Estudo avalia a prevalência de infecções sexualmente transmissíveis na maior área de garimpo do Brasil


Estudo avalia a prevalência de infecções sexualmente transmissíveis na maior área de garimpo do Brasil

Os cabarés são as únicas opções de lazer nos garimpos (foto: Paulo Abati)

Publicado em 06/05/2025

André Julião | Agência FAPESP – Enquanto a prevalência do vírus da imunodeficiência humana (HIV) na população em geral é de menos de 1%, em grupos como profissionais do sexo e homens que fazem sexo com homens (HSH) a taxa supera 5%, segundo dados do Ministério da Saúde.

Não se sabe, porém, qual é a prevalência da infecção por HIV, que pode levar à Aids, nas chamadas populações-ponte, aquelas que têm contato com esses grupos mais vulneráveis e podem levar infecções sexualmente transmissíveis (IST) para a população geral.

Esse é o caso dos garimpeiros, uma população normalmente apartada dos serviços de saúde e que pode ter mais contato com trabalhadoras do sexo do que a população em geral. Nas chamadas corrutelas, locais que concentram comércios para abastecer os baixões, onde ocorre de fato a extração de ouro, abundam os cabarés, locais de sociabilidade e oferta do trabalho do sexo. Por isso, a prevalência de IST pode ser maior nesse grupo.

Pesquisadores ligados à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), ao Instituto Adolfo Lutz e à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Santa Casa de São Paulo realizam um projeto, apoiado pela FAPESP, no sudoeste do Pará. O objetivo é justamente investigar a prevalência das IST e seus principais determinantes entre homens e mulheres que vivem em áreas de garimpo.

 

Testagens para HIV, hepatites B e C, sífilis e malária, além de entrevistas e avaliação antropométrica, ocorreram no município de Itaituba, local onde se encontra a maior área de extração de ouro do país, com 44.890 hectares.

“Estamos presentes na região de Santarém desde o ano 2000, o que nos permitiu acompanhar a grande transformação social e econômica que vem ocorrendo ali por meio da proliferação dos garimpos de ouro. Essas mudanças tomaram uma proporção impressionante nos últimos anos, o que tem um reflexo claro na saúde pública”, conta Aluisio Segurado, professor do Departamento de Infectologia e Medicina Tropical da FM-USP.

O pesquisador coordena o projeto “Saúde vale ouro: prevalência e vulnerabilidades ao HIV e às infecções sexualmente transmissíveis e perfis de masculinidade entre garimpeiros da Bacia do Rio Tapajós”, apoiado pela FAPESP.

“Essa é uma população normalmente difícil de acessar, tanto pelo isolamento dos garimpos quanto pela resistência ao contato, uma vez que a atividade é também cercada pela ilegalidade, tornando os garimpeiros, de acordo com a literatura, uma população escondida”, conta Paulo Abati, médico infectologista que realiza doutorado na FM-USP sob orientação de Segurado.

“Para facilitar nosso acesso, contamos com o fato de as equipes de saúde serem comumente muito bem recebidas, numa tradição que remonta à atuação dos agentes da extinta Sucam [Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, existente até 1991], reconhecidos como ‘os guardas da malária’”, completa.

Abati já havia atuado na região como médico extensionista do Núcleo de Medicina Tropical (Numetrop) da USP, em Santarém. A experiência deu origem ao seu mestrado, uma análise do perfil sociodemográfico, clínico e laboratorial de portadores de HIV/Aids na região.

Etnografia

Antes de realizar as testagens por cinco semanas em 2024, Abati visitou os municípios-alvo do estudo em 2023 ao lado de outros integrantes da equipe: Marcia Couto, professora do Departamento de Medicina Preventiva da FM-USP, Maria Amélia Veras, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o antropólogo Vilmar Gomes e Cezar Pingarrilho, da equipe da Secretaria de Saúde de Itaituba. “Este último foi fundamental para viabilizar a entrada nessas áreas”, diz Abati.


O médico infectologista Paulo Abati durante entrevista no Crepurizão, município de Itaituba (foto: Marcia Couto)

Essa parte da pesquisa é chamada de fase formativa. Nela, é realizada uma etnografia, por meio de entrevistas e observação participante, que permitiu aos pesquisadores definir com mais clareza quem participaria do estudo e estabelecer vínculos de confiança com os moradores.

“Nesse primeiro momento, fizemos um estudo qualitativo, com observação dos locais, registros sistemáticos e entrevistas semiestruturadas, que permitiu uma abordagem mais aberta para as interações com os residentes e, ainda, entender melhor a dinâmica local e guiar a pesquisa quantitativa”, explica Abati.

Graças a isso, foi possível, por exemplo, incluir outras mulheres como participantes da pesquisa e não somente as trabalhadoras do sexo. A participação das pesquisadoras do grupo na fase formativa foi fundamental, ainda, para a inclusão da perspectiva de gênero nesse contexto.

“Identificamos uma fluidez do trabalho feminino. Na corrutela, uma mulher pode entrar para o trabalho do sexo de maneira pontual, dependendo de determinados condicionantes de maior vulnerabilidade. Algumas entrevistadas tiveram relações em troca de dinheiro mesmo sem se identificarem como profissionais do sexo. Não parece ser algo estigmatizante naquele contexto”, conta o doutorando.

Outro ponto relevante nessa fase do estudo foi incluir a malária entre os agravos testados. “Nosso foco inicial estava nas infecções sexualmente transmissíveis, mas notamos que a malária é um importante agravo que não poderia ser desconsiderado. Os garimpeiros vivem em condições insalubres de vida, que favorecem a presença do mosquito transmissor do parasita e podem piorar quadros de IST”, afirma Segurado.

Os pesquisadores ainda não consolidaram os dados, mas as análises preliminares sugerem uma prevalência maior de infecção por HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis naquela população em comparação com a encontrada na população geral. Os resultados devem começar a ser publicados ainda este ano.

Os portadores de HIV foram encaminhados para tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) dos municípios próximos. A equipe contou com profissionais da secretaria municipal de saúde de Itaituba, como a agente de endemias Adelza Pereira, que colaborou com as testagens e com o encaminhamento para administração dos medicamentos para sífilis em alguns casos.

Como o teste de anticorpos não permite determinar se a doença está instalada ou foi curada, foi indicado o tratamento por precaução às mulheres em idade fértil, a fim de evitar a sífilis congênita, que passa da mãe para o feto. O tratamento também foi oferecido em outras situações encontradas.


Teste positivo para HIV registrado durante estudo em Crepurizão, município de Itaituba, sudoeste do Pará (foto: Paulo Abati)

Foram incluídas ainda informações sobre saúde mental, consumo de álcool e outras substâncias psicoativas, além de fatores de risco para doenças metabólicas.

“O trabalho mostra a importância dos profissionais de saúde locais, nos quais a população deposita uma grande confiança. Os agentes comunitários de saúde, agentes de endemias e outros profissionais conhecem as pessoas pelo nome e são requisitados para qualquer questão de saúde. Não fosse por eles, não teríamos conseguido acessar essas populações”, conclui Segurado.

O trabalho teve ainda apoio da FAPESP por meio de Bolsa de Treinamento Técnico para Rafaela Maciel Del Nero.

Para as investigações relacionadas à malária, participam do grupo de pesquisa Silvia Di Santi e Mariana Aschar, vinculadas ao Laboratório de Malária do Instituto Adolfo Lutz. Aschar, inclusive, participou da fase do inquérito de campo, em 2024.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/54660