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Estudo busca entender como as comunidades podem se auto-organizar para enfrentar crises socioambientais


Estudo busca entender como as comunidades podem se auto-organizar para enfrentar crises socioambientais

Reunião entre membros da Associação dos Barqueiros e Pescadores Tradicionais de Trindade (ABAT) e pesquisadores do Nepam-Unicamp, durante o processo de obtenção da concessão dos passeios de barco junto ao Parque Nacional da Bocaina em Trindade - Paraty, RJ (foto: Erika Bockstael)

Publicado em 26/04/2023

Agência FAPESP – A consagração de um acordo sobre manejo comunitário da pesca no Médio Solimões (AM), a reconstrução de São Luiz do Paraitinga (SP) após a inundação de 2010, a organização da Rede para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Paraíba (SP), a união comunitária em Trindade (RJ) para reivindicação de direitos territoriais, a criação de um sistema de monitoramento da pesca artesanal em Tarituba (RJ) e a reorganização do turismo de base comunitária em Aventureiro (RJ). Nessas seis situações complexas, as comunidades conseguiram se organizar e enfrentar, com sucesso, as crises vivenciadas. Os elementos em comum entre essas diferentes experiências foram analisados por pesquisadores que buscavam compreender os mecanismos que podem reforçar processos de auto-organização comunitária.

O estudo, apoiado pela FAPESP e publicado na revista Ecology & Society, busca sintetizar os aprendizados, de modo que possam ser aplicados em outros contextos.

“Em todos os casos, a auto-organização comunitária proporcionou boas condições para superar a crise e levou a mudanças desejáveis em relação ao problema em questão”, explica Alice Ramos de Moraes, doutora em ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e primeira autora do artigo. “A compreensão do que favorece, amplifica e retroalimenta a auto-organização de comunidades é essencial para apoiar iniciativas que buscam soluções diante de crises, mudanças e incertezas de um nível local para um nível global”, acrescenta a pesquisadora, que atualmente realiza pós-doutorado no Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Nessa síntese, os cientistas identificaram seis elementos e mecanismos comuns às situações estudadas.

O primeiro deles é a existência de pessoas com capacidade e/ou vontade de encontrar oportunidades na crise. Na reconstrução de São Luiz do Paraitinga, o investimento em infraestrutura feito após a enchente é um exemplo: isso dificilmente seria possível com o orçamento apertado da cidade.

“Em alguns casos, ficou claro que a atitude de alguns indivíduos foi contagiosa, impactando positivamente outras pessoas envolvidas e, portanto, reforçando ou ampliando a auto-organização”, ressalta Moraes.

As parcerias com atores externos também se mostraram fundamentais e foram identificadas em todas as situações estudadas. Elas contribuíram para a realização dos objetivos desejados e um maior alinhamento na comunidade, o que, por sua vez, alimentou a auto-organização local. Na reorganização do turismo comunitário em Aventureiro, o apoio de organizações não governamentais (ONGs), pesquisadores e turistas foi fundamental para garantir o aconselhamento jurídico, a compilação de resultados de pesquisa científica, a produção de documentos e opiniões, além de fornecer cobertura da mídia sobre a proibição da atividade.

Outra característica em comum encontrada pelos pesquisadores diz respeito ao capital humano e social já existente dentro da comunidade. “As relações ordinárias relacionadas a diferentes práticas culturais e modos de vida são exercícios importantes de ação coletiva que proporcionam às comunidades um repertório de respostas que podem ser ativadas em tempos de crise, aumentando assim sua capacidade de auto-organização”, afirma Moraes.

No programa de monitoramento da pesca artesanal em Tarituba, o capital social facilitou a mobilização e a participação dos pescadores e o capital humano foi importante para a construção dos objetivos desse monitoramento, bem como para o entendimento coletivo da importância do programa.

A geração de oportunidades de renda ou de garantia de direitos a partir da auto-organização foi o quarto elemento observado em todos os casos estudados. A gestão dos recursos pesqueiros no Acordo de Pesca do Capivara no Médio Solimões, por exemplo, gerou renda que foi investida na manutenção do próprio acordo e em novos ciclos de monitoramento, o que permitiu um aumento dos estoques pesqueiros e maior controle dos espaços de pesca pela comunidade depois de alguns anos.

Como parte desse ciclo de retroalimentação os pescadores se organizaram para a construção de um galpão flutuante polivalente para reuniões e hospedagem, o que favoreceu ainda mais a interação e reforçou a auto-organização. Assim como ocorreu no Médio Solimões, em cinco das seis situações estudadas a existência de espaços adequados para a interação social proporcionou maior participação social.

A capacidade dos indivíduos de manter a ação orientada para a mobilização coletiva e a resolução de problemas (agency) é a sexta característica identificada pelos pesquisadores. Em todos os casos, essa capacidade foi colocada a serviço de interesses comunitários para mobilizar as pessoas e, coletivamente, resolver problemas, amplificando a auto-organização diretamente em ciclos de retroalimentação. Na Rede para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Paraíba, por exemplo, indivíduos-chave identificaram momentos de crise e mobilizaram o grupo para tomar as medidas apropriadas. Já em Trindade, a coordenação de várias atividades fortaleceu o senso de comunidade e ajudou a enfrentar as questões decorrentes da implementação de áreas protegidas de uso restrito.

Colaboração e síntese

Para chegar a esses resultados, os pesquisadores fizeram reuniões de trabalho nas quais, gradativamente, foram analisando os elementos em comum entre os diferentes casos retratados no artigo. Essas situações já haviam sido alvo de pesquisas do grupo coordenado por Cristiana Seixas, do Núcleo de Ensino e Pesquisas Ambientais da Unicamp.

Em todas elas os pesquisadores já haviam identificado algum tipo de auto-organização comunitária que possibilitou às populações superar as crises vivenciadas. A pesquisa foi conduzida no âmbito do Programa BIOTA e teve como foco a busca por padrões a partir de estudos de caso sobre aspectos relacionados com a auto-organização e a governança em comunidades.

“Estamos vivendo diferentes crises: ambiental, climática, da biodiversidade, da saúde. Por isso temos esse interesse em analisar e entender esses padrões de auto-organização de sistemas complexos para lidar com essas crises. Mesmo em escalas muito pequenas, podemos tirar lições que podem servir para sistemas socioecológicos mais amplos”, explica Seixas.

A construção colaborativa entre pesquisadores teve como foco a construção de formas de comparação entre os resultados dessas diferentes pesquisas. “Nossa grande questão era: sabemos que esses processos são contexto-dependentes. É possível extrair algum tipo de generalização desses resultados para aplicá-los em outros contextos? Nosso esforço foi buscar qual o nível de generalização que conseguiríamos identificar para que a análise fizesse sentido em outros contextos sem perder a profundidade de cada um dos casos. Outro foco do trabalho foi na identificação de mecanismos que retroalimentam positivamente, ou amplificam, a auto-organização comunitária, algo que consideramos inovador na pesquisa na área”, conta Moraes.

“Nós temos certeza de que a auto-organização e a superação de crises não são privilégio dessas seis comunidades que analisamos. Elas não são especiais. Certamente as mesmas comunidades passaram por outras crises que não necessariamente foram solucionadas e existem muitas outras comunidades além dessas que estudamos que conseguiram se auto-organizar e resolver suas crises”, reforça Moraes. “Acreditamos que os elementos estudados são importantes e podem ser encontrados em comunidades mundo afora e que esse artigo possa servir de inspiração para que as pessoas compreendam que as soluções para as crises estão nas próprias comunidades.”

O artigo What comes after crises? Key elements and insights into feedback amplifying community self-organization pode ser lido em: https://ecologyandsociety.org/vol28/iss1/art7/.

* Com informações de Érica Speglich, do boletim Biota Highlights.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/41245