O efeito anti-inflamatório do treinamento físico é bem estabelecido em adultos saudáveis: a atividade física suprime a inflamação sistêmica por meio da liberação muscular local de miocinas ( foto: Simona Robová/Pixabay )
Publicado em 09/01/2025
Fernanda Bassette | Agência FAPESP – Pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), em geral, não toleram fazer exercícios físicos – o cansaço, a falta de ar constante e a fraqueza muscular associados à condição são fatores que, muitas vezes, desestimulam a prática rotineira de atividades físicas.
O exercício regular, no entanto, é considerado a conduta mais efetiva na reabilitação pulmonar desses pacientes. Agora, um novo estudo brasileiro, coordenado pela professora Fernanda Degobbi Lopes e apoiado pela FAPESP, ressalta os benefícios do exercício físico também na resposta imune das pessoas com DPOC grave, mostrando diminuição dos fatores inflamatórios, maior ganho de massa muscular, diminuição da dispneia e melhora da qualidade de vida dessas pessoas.
O trabalho inédito foi conduzido durante o pós-doutorado de Juliana Tiyaki Ito-Uchoa no Laboratório de Terapêutica Experimental, do Instituto dos Laboratórios de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), com colaboração do Departamento de Fisioterapia, do Serviço de Reabilitação Pulmonar, do Serviço de Pneumologia do Instituto do Coração (Incor) e do Laboratório de Dermatologia e Imunodeficiências. Os resultados foram publicados na revista Pulmonology.
Há cerca de dez anos, Lopes e seu grupo de pesquisa vêm estudando a resposta imune na DPOC. Eles demonstraram tanto em estudos clínicos como em experimentais que os indivíduos fumantes que desenvolvem a DPOC apresentam uma falha na resposta imune mediada por um tipo específico de células reconhecidas por controlar o processo inflamatório.
A DPOC, como o próprio nome diz, é uma doença crônica do pulmão que tem como principal agente causador o tabagismo. É uma doença multifatorial complexa, que provoca um processo inflamatório crônico dos brônquios, causa a destruição das paredes alveolares e leva a efeitos sistêmicos, como comorbidades cardiovasculares, perda de massa muscular, maior fragilidade óssea, além de contribuir para o descondicionamento físico.
Sua principal característica é a limitação do fluxo aéreo pulmonar, associada a uma resposta inflamatória anormal à inalação de partículas ou gases nocivos (especialmente vindos do cigarro). Isso se reflete justamente na redução da aptidão física, gerando prejuízo das atividades laborais e da vida diária. Por isso, a doença é considerada uma das principais causas de morte e de incapacidade física no mundo.
As células de defesa
O processo inflamatório causado pela DPOC provoca uma resposta imune do organismo tanto na resposta inata (das células que residem no tecido e estão de “prontidão” para responder a qualquer fator exógeno) quanto na resposta adaptativa (que acontece quando a pessoa continua exposta ao tabagismo, intensificando o processo inflamatório, o que leva à condição de cronicidade e ativação de outros mecanismos de defesa mais específicos).
No caso da DPOC, alguns estudos clínicos e experimentais desenvolvidos pelo grupo coordenado por Lopes, também com apoio da FAPESP (Auxílios à Pesquisa 16/17817-8 e 14/15819-8), demonstraram que a doença induz um desequilíbrio nas células de defesa Th17 e Treg (dois tipos de linfócitos), o que contribui para uma falha no controle da inflamação e na consequente progressão da doença.
As células Treg são consideradas anti-inflamatórias e são responsáveis por ativar a produção da interleucina 10 (IL10), que ajuda a diminuir a resposta inflamatória no organismo. Em contraste, as células Th17 são pró-inflamatórias, ou seja, quando seus níveis estão aumentados, elas são associadas à progressão e piora da doença.
Os estudos do grupo demonstraram o aumento da resposta mediada pelas células Th17 no desenvolvimento e na progressão da DPOC. Demonstraram ainda que fumantes que se tornam DPOC apresentam uma redução da resposta anti-inflamatória mediada pelas células Treg, que estão diminuídas ou inativadas, ou seja, não conseguem trabalhar corretamente.
“As células Treg estão presentes nos tecidos, mas elas precisam de uma ‘sinalização’ para serem ativadas e produzirem a interleucina 10, que vai atuar na diminuição da inflamação. Nas pessoas que fumam e têm DPOC, esse mecanismo não é ativado”, explicou Lopes, autora principal do estudo.
O impacto do exercício
O efeito anti-inflamatório do treinamento físico é bem estabelecido em adultos saudáveis: a atividade física suprime a inflamação sistêmica por meio da liberação muscular local de miocinas (proteínas produzidas pelos músculos quando contraídos), responsáveis pelo aumento da interleucina 10, por exemplo. Em pessoas com DPOC, o treinamento físico é fundamental para a reabilitação pulmonar, mas ainda não se conhecia o mecanismo envolvido na resposta imune anti-inflamatória.
Para chegar à conclusão, a equipe avaliou 20 pessoas com DPOC grave, que tinham entre 50 e 80 anos, estavam sob tratamento médico, clinicamente estáveis (pelo menos 30 dias sem exacerbação) e eram fisicamente inativas. Elas foram divididas em dois grupos: o grupo exercícios físicos e o grupo-controle.
O programa de treinamento no grupo de exercícios foi realizado em 24 sessões, três vezes por semana, com cada sessão durando uma hora. As sessões foram divididas em exercícios aeróbicos (teste de esteira) e treinamento de resistência (musculação), supervisionados por um fisioterapeuta.
Após esse período de treinos, o grupo que fez exercícios apresentou um aumento nas células Treg “ativadas”, ou seja, com capacidade de efetuar a ação anti-inflamatória, concomitantemente com uma redução nas células Th17 (pró-inflamatórias). Além disso, o grupo ativo também apresentou melhora na força muscular e diminuição da dispneia (falta de ar).
“Além de corroborar os achados sobre os efeitos benéficos da atividade física para atenuação e prevenção de diferentes doenças, esses resultados apresentam pela primeira vez que o treinamento físico inibe a resposta Th17 e promove aumento de células Treg com atividade anti-inflamatória em indivíduos com DPOC, mesmo em estágios avançados da doença. Isso significa melhora da resposta imune e consequente atenuação dos sintomas respiratórios”, conta Lopes.
Na prática, diz a pesquisadora, os benefícios da atividade física podem ser estendidos para qualquer pessoa com DPOC, mesmo que não seja um paciente grave. “A gente sabe que a maioria não faz atividade física por causa da falta de ar, do cansaço. À medida que a doença progride, a pessoa perde cada vez mais sua capacidade respiratória. Mas esse estudo traz resultados que vão impactar a vida dessas pessoas. É essencial que elas entendam que, aos poucos, o exercício físico vai melhorar a aptidão física, melhorar a força muscular e ainda diminuir a inflamação”, ressaltou a pesquisadora.
A doença no Brasil
Nos países industrializados, estima-se que entre 5% e 10% da população adulta sofra de DPOC. No Brasil, um estudo realizado com pessoas com mais de 40 anos mostrou uma prevalência de 15,8% na Região Metropolitana de São Paulo.
De acordo com dados da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) baseados na metodologia Global Burden of Disease (GBD), por aqui a DPOC é a quinta causa de morte entre as doenças crônicas não transmissíveis em todas as idades. Nas últimas décadas, foi a quinta maior causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) entre pacientes com mais de 40 anos.
O artigo Effect of exercise training on modulating the TH17/TREG imbalance in individuals with severe COPD: A randomized controlled trial pode ser lido em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39764722/.