Programa desenvolvido por pesquisadores da USP inclui três sessões semanais, de até 80 minutos cada, durante 16 semanas. Foram observados efeitos positivos na aptidão cardiorrespiratória, função pulmonar, capacidade funcional e composição corporal, além de redução dos sintomas persistentes (fotos: Igor Longobardi; montagem: Tatiane Costa/Agência FAPESP)
Publicado em 11/05/2023
Julia Moióli | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) criaram um programa de exercícios que pode ser feito em casa, de forma segura, por pacientes que tiveram a forma grave da COVID-19 e, mesmo após a alta hospitalar, apresentam sintomas persistentes. Dados de um estudo publicado nesta quarta-feira (10/05) no British Journal of Sports Medicine mostram que o protocolo é capaz de melhorar a qualidade de vida e a funcionalidade, além de reduzir o número total de sintomas persistentes, como fraqueza muscular e mialgia.
A COVID longa, também conhecida como síndrome pós-COVID-19, é uma condição que afeta mais de 40% dos pacientes contaminados pelo vírus SARS-CoV-2 e está associada a sintomas persistentes (que duram mais de 12 semanas). Na lista estão baixa aptidão cardiorrespiratória, capacidade funcional reduzida, menor massa muscular, ansiedade e depressão, entre outros. Evidências científicas sugerem que os mais afetados são aqueles que tiveram a forma mais grave da doença.
Levando em conta o potencial terapêutico da atividade física em casos de distúrbios cardiovasculares, metabólicos, mentais e respiratórios, pesquisadores da Faculdade de Medicina (FM) da USP criaram um programa remoto de exercícios para diminuir o impacto desses sintomas em 50 pacientes com mais de 45 anos que apresentaram a forma grave da doença e que haviam tido alta da unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas (HC-FM-USP) entre três e seis meses antes.
Durante 16 semanas, em três sessões semanais de 60 a 80 minutos (uma delas supervisionada por videochamada e duas apenas com relatos sistematizados posteriores), os pacientes realizavam exercícios focados na recuperação de sua capacidade funcional. A complexidade, duração e intensidade dos exercícios obedeciam ao grau de comprometimento individual de cada paciente, medido pela escala funcional pós-COVID.
Todos os participantes do estudo passaram por avaliações cardiorrespiratórias e funcionais e receberam material de apoio, como folhetos que incluíam instruções de como realizar os exercícios, cuidados a serem tomados e indicações de implementos a serem utilizados, como cadeira e balde com água para gerar resistência.
Ao final, a qualidade de vida relacionada à saúde foi avaliada por meio do “Medical Outcomes Study 36 – Item Short-Form Health Survey”, questionário científico padrão com um perfil de oito escalas de pontuações (que mensura função física, dor corporal, saúde geral, vitalidade, função social, função saúde emocional e mental). Os resultados foram animadores: o programa físico melhorou consideravelmente todos os parâmetros analisados.
“Observamos ainda melhora em parâmetros cardiorrespiratórios, como o consumo de oxigênio e a recuperação da frequência cardíaca, além de diminuição de gordura corporal e do número total de sintomas persistentes no pós-COVID, com destaque para mialgia, fraqueza muscular e fadiga”, relata Hamilton Roschel, professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) e da FM-USP que coordenou o estudo. “Ou seja, além de ser um programa seguro, característica especialmente importante quando se realiza intervenções remotas, ele foi eficaz em seu propósito.”
Impactos de saúde e econômicos
Os pesquisadores envolvidos acreditam que o modelo possa ser aplicado em larga escala, trazendo benefícios à saúde pública, com economia tanto para o sistema previdenciário quanto para o de saúde, já que a funcionalidade garante autonomia e facilita, por exemplo, o retorno ao trabalho após a doença. Porém, testes e adaptações seriam necessários. Entre as dificuldades a serem contornadas estariam, por exemplo, o baixo conhecimento da população sobre tecnologia, a falta de acesso à internet e a dificuldade de monitoramento.
“Sabemos que o exercício tem um potencial terapêutico importante no tratamento das consequências da COVID-19”, alerta Roschel. “Como as UBS [Unidades Básicas de Saúde] infelizmente não dispõem de profissionais de educação física e fisioterapeutas em número suficiente para lidar com esses pacientes, modelos alternativos de entrega de programas dirigidos a eles se fazem necessários.”
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de cinco projetos (21/13580-1, 19/18039-7, 20/15678-6, 20/07540-4 e 17/13552-2) e é parte do doutorado do primeiro autor, Igor Longobardi. Também colaboraram, entre outros, os pesquisadores Bruno Gualano, Karla Fabiana Goessler, Gersiel Nascimento de Oliveira Júnior, Danilo Marcelo Leite do Prado, Jhonnatan Vasconcelos Pereira Santos, Matheus Molina Meletti, Danieli Castro Oliveira de Andrade, Saulo Gil, João Antonio Spott de Oliveira Boza e Fernanda Rodrigues Lima.
O artigo Effects of a 16-week home-based exercise training programme on health-related quality of life, functional capacity, and persistent symptoms in survivors of severe/critical COVID-19: a randomised controlled trial pode ser lido em: https://bjsm.bmj.com/content/early/2023/05/10/bjsports-2022-106681.