Imagem de vidro não homogêneo, no qual os elementos que dão cor estão concentrados em certas regiões (foto: Nilanjana Shasmal/CeRTEV)
Publicado em 26/07/2023
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um estudo conduzido no Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV) mostrou, pela primeira vez, que a inclusão de óxido de nióbio (Nb2O5) em vidros compostos por silicatos resulta na polimerização da rede de silício (Si), aumentando a densidade de ligações e a conectividade do material. Isso, por sua vez, melhora a estabilidade mecânica e térmica dos vidros especiais.
O estudo “Structural impact of niobium oxide on lithium silicate glasses: Results from advanced interaction-selective solid-state nuclear magnetic resonance and Raman spectroscopy”, publicado na revista Acta Materialia, teve como primeiro autor Henrik Bradtmüller e foi coordenado por Edgar Dutra Zanotto, que supervisionou Bradtmüller em sua pesquisa de pós-doutorado, apoiada pela FAPESP.
“Nosso estudo combinou observações experimentais, usando espectroscopia por ressonância magnética nuclear e espectroscopia Raman, com modelagem computacional. Além dos resultados mencionados, verificamos que teores mais altos de nióbio levam ao agrupamento do óxido de nióbio (Nb2O5), aumentando a polarizabilidade eletrônica do vidro, com um impacto importante em suas propriedades ópticas”, diz Bradtmüller.
Vale lembrar que a espectroscopia Raman fornece informações precisas sobre a estrutura molecular de diferentes materiais, enquanto a espectroscopia por ressonância magnética nuclear (RMN) explora, além disso, as propriedades magnéticas de seus núcleos atômicos. “Nossa estratégia, combinando essas duas técnicas observacionais com modelagem computacional, poderá ser utilizada para estudar elementos funcionais de muitos outros tipos de vidro, incluindo materiais ópticos, vidros bioativos e condutores vítreos de íons rápidos. Isso facilitará o design de formulações de vidro inovadoras, adaptadas a várias aplicações”, sublinha o pesquisador.
Bradtmüller enfatiza que, além das aplicações corriqueiras dos vidros comuns, usados na fabricação de recipientes e divisórias, os vidros de alta qualidade também se tornaram praticamente onipresentes em nosso cotidiano, desde componentes de microscópios e telescópios voltados para a pesquisa científica até fibras ópticas destinadas à transmissão de dados e energia, além das órteses vitrocerâmicas cada vez mais empregadas em medicina. “Em reconhecimento ao papel que o vidro desempenha na sociedade contemporânea, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2022 como o Ano Internacional do Vidro”, informa.
Para atender às aplicações avançadas em dispositivos de alta tecnologia, os cientistas de materiais estão focando no design de vidros com propriedades personalizadas, utilizando recursos computacionais como aprendizado de máquina (machine learning). No entanto, isso depende de dois fatores críticos: criar bases de dados abrangentes e confiáveis; e definir parâmetros estruturais que considerem a complexa natureza físico-química do vidro e suas propriedades funcionais. É aqui que entra o estudo em pauta.
“Há uma classe de óxidos, chamados de intermediários, que desempenha papel estratégico nesse novo momento tecnológico. Eles não formam vidro sob condições-padrão de resfriamento em laboratório. Mas, na presença de outros óxidos, podem contribuir positivamente, compondo pontes de oxigênio e conferindo ao vidro formado propriedades de interesse. É o caso do óxido de nióbio”, afirma Bradtmüller.
Os vidros contendo nióbio (Nb) são valorizados por suas propriedades ópticas não lineares, com aplicações potenciais em dispositivos optoelétricos, bem como por suas propriedades mecânicas, sendo utilizados na confecção de materiais bioativos. “Apesar de vários estudos com Nb2O5 já terem sido conduzidos, o papel estrutural do nióbio permanecia obscuro, principalmente devido à falta de dados sistemáticos de caracterização espectroscópica. Foi essa lacuna de conhecimento que preenchemos com o nosso estudo”, pontua Bradtmüller.
E explica: “Por meio da espectroscopia, descobrimos que a adição de nióbio causa uma ‘polimerização’ da rede de silício-oxigênio (Si-O), ou seja, um aumento na conectividade dos elementos componentes do vidro. Isso esclareceu o papel do nióbio como ‘formador de rede’. Além disso, e este foi outro destaque da pesquisa, demonstramos que uma nova técnica de RMN, que desenvolvemos em 2020 usando outros materiais, é aplicável em vidros. Essa técnica, chamada de W-RESPDOR, possibilita medir as distâncias entre dois elementos, no caso, o lítio (Li) e o nióbio (Nb), sendo este último um núcleo desafiador, antes impossível de medir com técnicas semelhantes”.
O pesquisador conta que a modelagem computacional permitiu descobrir que, em vidros baseados em sílica, na escala de 5 a 10 nanômetros, os íons de lítio se distribuem de forma randômica, enquanto o nióbio tende a formar aglomerados em altos teores de Nb2O5. Segundo ele, esse tipo de arranjo estrutural jamais havia sido reportado na literatura, representando uma contribuição original da pesquisa.
“De um ponto de vista mais amplo, o trabalho forneceu uma estratégia experimental/computacional para desvendar o papel desempenhado nos vidros pelos óxidos intermediários, que possuem núcleos ativos para a espectroscopia por RMN”, acrescenta o professor Zanotto.
O estudo contou também com a colaboração de Hellmut Eckert, vice-diretor do CeRTEV e especialista em ressonância magnética nuclear (RMN), e de Anuraag Gaddam, bolsista de pós-doutorado supervisionado por Eckert e especialista em técnicas de simulação computacional.
O projeto foi apoiado pela FAPESP no âmbito do CeRTEV, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fundação.
O artigo “Structural impact of niobium oxide on lithium silicate glasses: Results from advanced interaction-selective solid-state nuclear magnetic resonance and Raman spectroscopy” pode ser acessado em https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1359645423003920.