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Estudo identifica seis medicamentos que podem ser reposicionados para o tratamento da toxoplasmose


Estudo identifica seis medicamentos que podem ser reposicionados para o tratamento da toxoplasmose

Os compostos da COVID Box foram inicialmente avaliados em células humanas infectadas pelo protozoário Toxoplasma gondii (imagem: Ke Hu and John M. Murray/Wikimedia Commons)

Publicado em 14/09/2023

Mônica Tarantino | Agência FAPESP – A ciência procura novas opções de tratamento para a toxoplasmose, infecção que atinge mais de um terço da humanidade. Um dos avanços mais recentes foi divulgado por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Jundiaí na revista PLOS ONE.

O grupo avaliou 160 medicamentos que integram a chamada “COVID Box” – uma biblioteca de compostos com atividade prevista contra o vírus SARS-CoV-2 que foi desenvolvida pela Medicines for Malaria Venture (MMV), uma entidade sem fins lucrativos voltada a desenvolver tratamentos para doenças negligenciadas.

“Identificamos seis compostos que são pelo menos 30 vezes mais letais ao parasito da toxoplasmose do que às células hospedeiras”, conta Juliana Quero Reimão, pesquisadora responsável pelo estudo.

Os compostos selecionados foram: etaverina, fluspirileno, tietilperazina, PB 28, nebivolol e almitrina. “Dentre estes, testamos em camundongos com toxoplasmose crônica a almitrina, indicada para o tratamento da doença obstrutiva pulmonar crônica [DPOC]. Observamos que esse composto foi eficaz, levando a uma redução significativa da carga parasitária no cérebro”, relata Reimão, que é professora de parasitologia e orientadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde na Faculdade de Medicina de Jundiaí.

A investigação contou com financiamento da FAPESP (projetos 18/18954-4 e 20/03399-5) e a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais, e da Universidade Federal da Paraíba.

Experimentos

No laboratório, os compostos da COVID Box foram inicialmente avaliados em células humanas infectadas pelo protozoário Toxoplasma gondii, o agente da toxoplasmose. Também foram feitos estudos computacionais para avaliar as propriedades de absorção, distribuição, metabolismo, excreção e toxicidade. “Todos os compostos selecionados apresentaram alta absorção gastrointestinal e permeação da barreira hematoencefálica (estrutura que protege o cérebro contra substâncias tóxicas), uma característica desejável para o tratamento de doenças causadas por parasitos que se alojam em células cerebrais. Procuramos compostos capazes de entrar nas células e eliminar o patógeno, mas que preservassem as células que o abrigavam”, diz a pesquisadora.

Ainda que sejam necessários mais testes para que a descoberta possa ser usada em humanos com essa finalidade, a pesquisadora comemora os resultados e antevê os frutos que o estudo poderá trazer. “A partir deste trabalho, outros virão. Há mais compostos que ainda estamos avaliando e que talvez sejam tão bons ou até melhores do que os já identificados”, diz.

Como explica a pesquisadora, encontrar novas possibilidades de tratamento para a toxoplasmose é importante. “Temos um número limitado de medicamentos para tratar a infecção na fase aguda, o que frequentemente leva à hipersensibilidade e toxicidade. Há também um restrito arsenal de opções de medicamentos seguros e eficazes para uso durante a gestação e para a toxoplasmose crônica, o que evidencia a necessidade de mais pesquisa.”

A complexidade do tratamento da toxoplasmose está relacionada à existência de duas fases da doença. Atualmente, há medicamentos eficazes para a fase aguda, mas que não são indicados para a etapa crônica. O período agudo da toxoplasmose corresponde ao estágio inicial da contaminação, que ocorre pela exposição ao protozoário durante a ingestão de água ou alimentos malcozidos e contaminados – ou ainda por transmissão congênita durante a gestação.

Nessa fase, que pode durar algumas semanas, o parasito se reproduz rápida e intensamente e busca se alojar nas células do seu hospedeiro (principalmente nas do cérebro, dos olhos e músculos), criando uma espécie de esconderijo onde se aloja na forma de cistos. A partir daí os sintomas desaparecem ou diminuem e a doença entra em fase crônica, com a presença do parasito em estado latente.

O perigo ressurge se a imunidade do hospedeiro baixar. Em tais circunstâncias, o Toxoplasma gondii pode se reativar e causar problemas ainda maiores, com sequelas cerebrais e até a morte. O teste para rastrear o T. gondii é feito, como rotina, em mulheres grávidas no primeiro trimestre de gestação. O risco da toxoplasmose nesse grupo é de contágio do feto, resultando na toxoplasmose congênita. Já os homens podem passar a vida sem fazer um teste de rastreio do parasito e só descobrir um possível contágio se tiverem queda em suas defesas.

Em humanos, a contaminação ocorre principalmente pela ingestão de água e alimentos contaminados. Na forma congênita, em que a transmissão ocorre durante a gestação, há risco de abortamento, malformações e sequelas neurológicas, auditivas e oculares. No Brasil, a estimativa é de que uma em cada três pessoas tenha toxoplasmose, de acordo com o Instituto Adolfo Lutz, laboratório público de referência. Nos Estados Unidos, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), são 40 milhões de pessoas acometidas, entre adultos e crianças, sendo a principal causa de morte atribuída a doenças transmitidas por alimentos.

Em geral, a maioria das pessoas não apresenta sintomas, ainda que alguns possam ter manifestações como dores musculares e nas articulações, mal-estar semelhante ao de uma gripe, linfonodos aumentados e fadiga. Os grupos com maior risco de desenvolver toxoplasmose grave são bebês nascidos de mães infectadas pouco antes da gravidez ou durante a gestação e pessoas com o sistema imunológico enfraquecido, como quem recebe certos tipos de quimioterapia contra o câncer, transplantados e indivíduos com o vírus HIV. Em todas essas situações, vale a pena fazer um exame diagnóstico. Em caso positivo, os indivíduos devem ser tratados até a melhora dos sintomas.

Os próximos passos do estudo incluem a avaliação dos demais compostos promissores em animais com toxoplasmose, tanto em fase aguda quanto crônica. A triagem de outras caixas fornecidas pela MMV também já foi realizada pelo grupo, totalizando mais de 600 compostos avaliados.

“Outros dois compostos mostraram resultados promissores em animais infectados. Os resultados obtidos encontram-se em processo de publicação”, adianta a pesquisadora.

O estudo Repurposing the Medicines for Malaria Venture’s COVID Box to discover potent inhibitors of Toxoplasma gondii, and in vivo efficacy evaluation of almitrine bismesylate (MMV1804175) in chronically infected mice pode ser lido em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0288335.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/44842