Fapesp

A FAPESP e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável


Estudo indica necessidade de rever protocolo para identificação do zika em placenta


Estudo indica necessidade de rever protocolo para identificação do zika em placenta

Trabalho feito na Unicamp mostra que vírus pode infectar diferentes regiões do órgão e que a forma de coletar e armazenar as amostras deve ser levada em conta para garantir a qualidade dos resultados e representatividade dos testes (foto: Wikimedia Commons)

Publicado em 05/05/2021

Bruno de Pierro | Agência FAPESP – Logo após a explosão de casos de microcefalia causados pelo vírus zika, entre 2015 e 2016, foram publicados diversos estudos científicos com evidências de que o patógeno é capaz de atravessar a placenta humana, o órgão que mantém o feto conectado ao corpo materno durante a gestação. Depois disso, os estados passaram a seguir um protocolo, estabelecido pelo Ministério da Saúde, para coletar também amostras de placenta, que podem ajudar no diagnóstico da doença em mulheres que apresentaram sintomas da doença durante a gravidez.

Mas, na avaliação de um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que tem se dedicado a estudar o assunto com apoio da FAPESP, o protocolo oficial vigente em todo o país precisa ser reformulado.

Recentemente, os cientistas relataram na revista científica Frontiers in Microbiology que garantir representatividade da amostra e adequado armazenamento e transporte é fundamental para que se obtenha o resultado adequado na investigação viral na placenta. O vírus pode infectar diferentes pontos da placenta humana, como vilosidades coriônicas, placa basal, placa coriônica, membrana amniótica ou ainda o cordão umbilical.

A descoberta sugere que os testes diagnósticos devem levar em consideração essas várias regiões da placenta, a fim de garantir uma adequada representatividade e um diagnóstico mais preciso. “Em vez disso, o protocolo atual descreve que a amostra deve medir um centímetro cúbico e não especifica as regiões da placenta que devem ser analisadas”, diz o biólogo molecular José Luiz Proença Módena, coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) do Instituto de Biologia da Unicamp e coautor do estudo.

O trabalho analisou 17 placentas de mulheres que tiveram filhos no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp. Desse total, 14 casos deram positivo para o vírus zika quando utilizado um kit desenvolvido pelos pesquisadores da Unicamp que possibilita a realização de testes moleculares do tipo RT-PCR em tempo real – um método capaz de detectar o RNA viral das amostras de placenta.

“Coletamos quatro fragmentos de todas as regiões da placenta de cada paciente, incluindo o cordão umbilical”, relata Módena, salientando que foram acompanhadas gestantes que apresentaram sintomas da doença, como febre e manchas na pele, durante a gravidez ou que deram à luz bebês com microcefalia entre 2016 e 2017. De acordo com Módena, a coleta de vários fragmentos da placenta aumenta as chances de detectar o zika, uma vez que há regiões do órgão que concentram mais vírus do que outras.

Os pesquisadores ficaram surpresos ao ver que o exame realizado com amostras de placenta das mesmas pacientes no Instituto Adolfo Lutz, principal órgão de vigilância epidemiológica de São Paulo – que utiliza o protocolo recomendado pelo Ministério da Saúde – deu negativo em todos os casos. “Isso evidencia a urgência em promover mudanças no método vigente”, afirma Módena.

Procurado pela reportagem da Agência FAPESP, o Instituto Adolfo Lutz informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os testes com placentas continuam sendo realizados com base no protocolo oficial e que no momento não há perspectiva de alterações. Não houve retorno nas tentativas de contato com o Ministério da Saúde.

COVID-19: um obstáculo no curto prazo

Módena teme que a pandemia causada pelo novo coronavírus dificulte a tramitação de alteração no protocolo no curto prazo. “A epidemia provavelmente vai adiar uma possível reformulação do teste diagnóstico para identificar zika em placenta”, observa o pesquisador, que também precisou interromper suas atividades habituais para ajudar na força-tarefa criada pela Unicamp para conter o avanço do SARS-CoV-2 (leia mais em: agencia.fapesp.br/32861/). De acordo com ele, o diálogo iniciado com o Ministério da Saúde no fim de 2019 para estruturar ajustes no protocolo de coleta de placentas segue paralisado.

Para a médica Maria Laura Costa do Nascimento, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e coautora do trabalho, a situação emergencial de fato tem exigido que muitos projetos redirecionem esforços de pesquisa para enfrentar o novo coronavírus. No entanto, ela reforça a necessidade de adoção de um protocolo sistemático para a coleta de amostras de placenta assim que possível. Considerando a atual pandemia, até o momento não se comprovou transmissão vertical da COVID-19, mas faltam estudos de qualidade na investigação viral placentária. O grupo da Unicamp pretende utilizar o conhecimento adquirido com o estudo sobre o vírus zika e também investigar as placentas de casos de infecção por COVID-19 durante a gravidez.

“A placenta é um órgão muito importante para diagnosticar várias doenças, entre elas a causada pelo zika”, diz Nascimento. “Aproximadamente 70% dos infectados são assintomáticos ou apresentam sintomas leves, fazendo com que o doente demore para procurar atendimento médico.” A pesquisadora esclarece que a chance de que um exame dê positivo passada a fase aguda da infecção é pequena: o vírus pode ser detectado até cinco dias no sangue e oito dias na urina, a partir do primeiro dia da infecção. Já na placenta, diz ela, vestígios do vírus podem ser detectados meses após o início da infecção. Segundo o Ministério da Saúde, foram registrados cerca de 2.054 casos de zika no país até o começo de abril.

Os pesquisadores reconhecem que mudar o protocolo não é uma tarefa simples. Coletar um número maior de amostras de partes específicas da placenta pode acarretar aumento de custos, por exemplo. “Uma coisa é extrair, de modo aleatório, um fragmento da placenta e mantê-lo em um freezer a -20 graus Celsius [ºC], como ocorre hoje. Outra é coletar quatro ou cinco fragmentos específicos e conservá-los a -80ºC”, avalia Módena.

De acordo com Nascimento, o desafio será garantir que as maternidades do país tenham corpo técnico treinado para realizar um procedimento de maior especificidade e equipamentos adequados para manter as amostras em boas condições do momento da coleta até a estocagem nos laboratórios de referência, responsáveis por realizar os testes diagnósticos. “É complicado trabalhar com amostras coletadas no parto, principalmente quando ele ocorre de maneira não programada e é realizado por diferentes plantonistas nos hospitais”, salienta a pesquisadora. “Esses profissionais teriam que receber treinamento para saber coletar fragmentos específicos da placenta e garantir qualidade e representatividade das amostras, com coleta no menor tempo possível após o parto.”

O artigo Adequate Placental Sampling for the Diagnosis and Characterization of Placental Infection by Zika Virus pode ser lido em https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmicb.2020.00112/full.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/33468