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Estudo propõe novos parâmetros para o diagnóstico da sarcopenia


Estudo propõe novos parâmetros para o diagnóstico da sarcopenia

Medir a força das mãos é uma das principais formas de detectar a doença, associada à perda de força, massa e função muscular. Com base em dados de mais de 6 mil idosos, pesquisadores da UFSCar e colaboradores britânicos sugerem elevar o valor mínimo considerado normal (foto: Pixabay)

Publicado em 07/10/2022

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – A sarcopenia – condição caracterizada pela perda de força, massa e função muscular – é um fenômeno definidor do envelhecimento. Seu diagnóstico precoce é de extrema importância e começa pela medida da força das mãos com um aparelho chamado dinamômetro.

Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em parceria com colegas da University College London (UCL, Reino Unido), estão sugerindo mudar o protocolo de diagnóstico. A proposta é aumentar o valor mínimo de força palmar considerado normal. Dessa forma, acreditam, seria possível diagnosticar a doença com mais precisão e detectar precocemente o risco de morte em idosos.

Para sugerir os novos valores, a equipe comparou todos os pontos de corte propostos em estudos anteriores sobre o tema. O trabalho envolveu a análise de um banco de dados de 6.182 britânicos com 60 anos ou mais acompanhados durante 14 anos no âmbito do English Longitudinal Study of Aging (ELSA), estudo longitudinal conduzido na Inglaterra. A pesquisa contou com apoio da FAPESP e os resultados foram divulgados na revista Age and Ageing.

De acordo com o último consenso europeu, publicado em 2019, o diagnóstico da sarcopenia se dava quando a força de preensão manual era menor do que 27 quilos (kg) para homens e menor do que 16 kg para mulheres. Os autores do artigo sugerem que esses valores sejam aumentados para menor do que 36 kg no caso dos homens e menor do que 23 kg para as mulheres.

“Observamos que, quando se utilizam notas de corte mais baixas, o resultado não serve para indicar o risco de mortalidade. E a ideia desses novos valores de referência é detectar o risco de morte o mais precocemente possível. Quando isso aparece tardiamente, torna-se muito difícil fazer intervenções, como mudanças na dieta e a indicação de exercício de força resistida. Por isso é tão importante que a nossa sugestão seja aceita pela comunidade científica e se torne um novo consenso para o diagnóstico da sarcopenia”, defende Tiago da Silva Alexandre , professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e professor visitante da UCL.

No estudo, os pesquisadores afirmam que, embora as notas de corte mais baixas estejam valendo desde 2019, elas sempre foram questionadas pela comunidade acadêmica. “Outros estudos já haviam demonstrado problemas na forma de diagnosticar a sarcopenia. No entanto, fomos os primeiros a apresentar notas de corte capazes de indicar o risco de morte relacionado à doença e compará-las com as já utilizadas”, diz.

A partir dessa comparação, os pesquisadores puderam compreender por que o consenso de 2019 não estava funcionando tão bem.

“Além de não conseguir indicar o risco de morte, a maneira como a sarcopenia está sendo diagnosticada subestima a prevalência da doença. Demonstramos que, quando as notas de corte são mais baixas, a velocidade da caminhada acabava sendo uma métrica melhor para avaliar o risco de morte. Porém, esse indicador capta apenas os casos avançados de sarcopenia, quando a prevenção pode não ser mais possível”, afirma Maria Claudia Bernardes Spexoto, professora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e primeira autora do artigo.

Como explicam os pesquisadores, a perda de força, massa e função muscular vai além de questões relacionadas à locomoção, autonomia ou risco de queda em idosos. “O músculo está associado a funções mais amplas do que contração e geração de força. Ele participa do processo imunológico, endócrino, de controle de algumas infecções por meio do sistema imune e também ajuda a controlar a glicemia”, conta Alexandre.

Por isso, o pesquisador justifica a necessidade de monitorar não só a quantidade de músculo preservada no idoso, mas também a qualidade. “O sistema musculoesquelético participa de vários outros sistemas do organismo. Se o idoso tem boa quantidade e qualidade de músculo, a velhice será mais tranquila. Não tenha dúvida”, diz o pesquisador.

Risco de morte

De acordo com os resultados do novo estudo, idosos com “sarcopenia provável” (condição que antecede a doenças) apresentaram 30% mais risco de morte que os não sarcopênicos. Já os idosos com sarcopenia confirmada tiveram 48% mais risco e, aqueles com sarcopenia grave, 78%.

Vale ressaltar que a pesquisa considerou dados de mortalidade geral e o risco foi maior independentemente de fatores como idade, hábito de fumar, consumo de bebida alcoólica, estado civil, nível de atividade física, circunferência da cintura aumentada, presença de doença cardiovascular, diabetes, hipertensão, câncer, doença pulmonar, número de quedas no ano anterior, uso de medicações, sintomas depressivos e performance da memória.

De acordo com Alexandre, a dificuldade em detectar o risco de morte a partir de notas de corte mais baixas pode ser explicada pelo tempo de monitoramento dos estudos. Enquanto trabalhos anteriores acompanharam os idosos por no máximo seis anos, os pesquisadores da UFSCar e da UCL fizeram isso por 14 anos.

“Estudos que propuseram notas de corte mais baixas não avaliaram o risco de morte ou tinham períodos de acompanhamento muito curtos, enviesando os resultados encontrados. Obviamente, indivíduos com força mais baixa morrem mais rápido, impedindo que aqueles que estavam em risco a médio e longo prazo também fossem identificados com precisão”, explica o pesquisador.

Isso porque a perda de força, massa e função muscular não é algo que aconteça da noite para o dia. Ela se dá em um longo processo que dura anos. "A história natural da doença é ela ir acontecendo lentamente, um dia após o outro", diz.

Prevalência subestimada

O impacto das novas notas de corte propostas pelos pesquisadores da UFSCar e da UCL é grande. Deve afetar, entre outros fatores, as estatísticas de prevalência da doença na sociedade.

"Com as notas de corte mais altas, os índices de prevalência da doença aumentam e mais pessoas precisarão ser triadas. Consequentemente, se tornará possível identificar a sarcopenia muito antes de a condição representar um risco de morte", afirma Alexandre.

Segundo o pesquisador, os dois últimos consensos europeus para o diagnóstico da sarcopenia apresentam pouca concordância, o que acaba gerando discrepâncias nos dados de prevalência, que variam de 11% a 27,7% quando um consenso é aplicado e de 4,6 a 13,6% para o outro.

Já quando os pesquisadores utilizaram as novas notas de corte (menores que 36 Kg e 23 kg), a prevalência saltou para 33,9% de sarcopenia provável, 6,2% de sarcopenia confirmada e 8,6% de sarcopenia grave.

“É uma prevalência alta para uma condição que, quando diagnosticada e tratada a tempo, pode ser contornada de modo a melhorar a qualidade de vida do idoso e a evitar a mortalidade precoce. A partir das notas de corte sugeridas pelo estudo, vamos iniciar uma nova pesquisa para medir a prevalência da sarcopenia na população idosa brasileira”, contou.

Nova métrica

No artigo publicado na revista Age and Ageing, os autores também descrevem uma nova estratégia para detectar a sarcopenia sem medir a força de preensão manual: avaliar a velocidade da caminhada. Este é outro indicador importante relacionado à velhice (leia mais em: agencia.fapesp.br/37887/).

“No entanto, a velocidade da caminhada já é um desfecho. O idoso só vai apresentar lentidão [velocidade menor ou igual a 0,8 metro por segundo] quando já está debilitado. Com as novas notas de corte para diagnóstico da sarcopenia conseguimos ter um preditor precoce do risco de morte. Algo essencial para a clínica”, diz Alexandre.

O artigo European Working Group on Sarcopenia in Older People 2010 (EWGSOP1) and 2019 (EWGSOP2) criteria or slowness: which is the best predictor of mortality risk in older adults? pode ser lido em: https://academic.oup.com/ageing/article/51/7/afac164/6649128.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/39770