Conclusão é de estudo com ratos conduzido por pesquisadores da Unesp e da USP. Ninhadas cujas mães receberam equivalente sintético da substância apresentaram taxa de morte neonatal 29% maior, além de alterações no controle da respiração e da sensibilidade ao dióxido de carbono – fatores que em humanos predispõem à morte súbita (foto: jcomp/Freepik)
Publicado em 30/03/2023
André Julião | Agência FAPESP – O consumo de maconha ou derivados durante a gravidez pode trazer problemas respiratórios aos bebês, como disfunção do controle da respiração e menor sensibilidade ao dióxido de carbono (CO2), fatores que favorecem inclusive a ocorrência de morte súbita infantil. O alerta é de um estudo publicado no British Journal of Pharmacology.
O grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP) administrou em ratas grávidas um composto sintético com ação cerebral análoga à dos canabinoides derivados da maconha. Grande parte dos efeitos deletérios observados ocorreu principalmente nos filhotes machos.
“Com a legalização e flexibilização da maconha e seus derivados em alguns países e um considerável aumento do consumo, grávidas utilizam desses compostos presentes na planta Cannabis sativa na forma de medicamentos, devido às propriedades de redução das náuseas, ou mesmo de modo recreativo. No entanto, as consequências dessa exposição a canabinoides no feto ainda são pouco conhecidas”, afirma Luis Gustavo Patrone, primeiro autor do estudo conduzido com apoio da FAPESP durante seu doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV-Unesp), em Jaboticabal.
Em comparação com os ratos que não sofreram exposição intrauterina à substância, os filhotes expostos tiveram uma mortalidade neonatal 29% maior. Nos machos, houve ainda intensificação dos tremores nos primeiros dias de vida, em decorrência de um quadro de abstinência, alterações na respiração basal e na resposta ventilatória ao oxigênio e ao CO2, além de menor capacidade de expansão dos pulmões.
Os autores também observaram queda na eficiência da respiração mitocondrial do encéfalo, alteração da quantidade de receptores para canabinoide (CB1) e de neurônios catecolaminérgicos em núcleos do encéfalo que controlam a função respiratória. Juntos, esses dados revelam alterações significativas.
Nas fêmeas, mais eventos espontâneos de apneia (períodos sem respirar) ocorreram, além de reduções nas populações de neurônios serotoninérgicos no tronco encefálico. Juntos, esses dados revelam que a exposição intrauterina a canabinoide resultou em relevantes alterações no controle mecânico e sensorial da ventilação, sendo mais acentuada sobre os indivíduos machos.
“Sabe-se que diversos compostos da Cannabis atravessam facilmente a placenta e podem interferir nas vias de sinalização dos endocanabinoides, que são produzidos pelo próprio cérebro. Isso pode afetar profundamente as funções neurais e fisiológicas do feto, incluindo os processos cardiorrespiratórios, causando efeitos duradouros na vida pós-natal”, resume Luciane Gargaglioni, professora da FCAV-Unesp e coordenadora do estudo.
O trabalho integra um projeto também apoiado pela FAPESP e coordenado por Gargaglioni.
Morte súbita
Os pesquisadores lembram que o uso de maconha durante a gravidez pode estar associado à ocorrência da síndrome da morte súbita infantil (SIDS), que é relacionada à detecção das concentrações dos gases O2 e CO2 na corrente sanguínea e ajustes ventilatórios. Os episódios de apneia espontânea nas fêmeas expostas à substância durante o estudo são indicadores da diminuição desse controle.
“Se o travesseiro cai no rosto e impede a respiração durante o sono, por exemplo, o bebê que tem essa síndrome não é capaz de detectar as alterações dos gases. Enquanto em um recém-nascido com o controle normal da respiração isso o faria despertar e chorar, na SIDS, mesmo com grandes reduções do oxigênio e aumento do CO2, o bebê pode morrer asfixiado”, explica Patrone.
A sensibilidade aumentada ao dióxido de carbono também foi testada, visto que é um determinante biológico dos ataques de pânico. Machos de diferentes idades apresentaram uma exacerbada resposta ventilatória ao CO2. Entre as fêmeas, o mesmo padrão foi observado apenas nas juvenis.
“A exposição pré-natal a canabinoides, portanto, pode aumentar a sensibilidade ao dióxido de carbono e, consequentemente, a vulnerabilidade a transtornos de pânico”, diz Gargaglioni.
As análises não demonstraram alterações expressivas sobre o controle cardiovascular e da temperatura corporal, ao menos em curto e médio prazo. Os experimentos foram encerrados quando os animais completaram 28 dias de vida.
“Ainda que seja um estudo feito em ratos, ele pontua importantes alterações na fisiologia respiratória em decorrência da exposição a canabinoides no útero e, por isso, lança uma nota de cautela para o uso terapêutico ou recreativo de canabinoides por mulheres grávidas”, encerra Patrone.
O artigo Sex- and age-specific respiratory alterations induced by prenatal exposure to the cannabinoid receptor agonist WIN 55,212-2 in rats pode ser acessado em: https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/bph.16044.
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