Um dos estudos visa avaliar a eficácia de fármacos inibidores da bradicinina no combate à inflamação pulmonar em pacientes graves; o outro pretende analisar a dinâmica de transmissão do novo coronavírus em cidade amazônica (imagem: bradicinina/Wikimedia Commons)
Publicado em 12/05/2021
Karina Toledo | Agência FAPESP – A FAPESP divulgou em 31 de março os dois primeiros auxílios aprovados no âmbito do edital “Suplementos de Rápida Implementação contra COVID-19 (Coronavirus Disease 2019)”, lançado no dia 21 do mesmo mês. O processo de análise das propostas pela Diretoria Científica foi concluído em apenas quatro dias.
Um dos estudos visa avaliar a eficácia de dois fármacos no combate à inflamação pulmonar em pacientes graves. O outro pretende avaliar a dinâmica de transmissão do novo coronavírus em uma cidade amazônica endêmica para malária.
“Com a chamada, a FAPESP busca estimular pesquisadores que já tenham financiamento a redirecionar recursos financeiros e humanos de seus projetos a temas que contribuam para o enfrentamento da pandemia COVID-19. As propostas são analisadas à medida que são apresentadas, avaliando-se a dimensão dos recursos redirecionados frente aos solicitados e a qualidade e impacto da contribuição científica potencial”, explica Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os professores do Departamento de Clínica Médica, Licio Velloso e Maria Luiza Moretti vão coordenar um ensaio clínico com 180 pacientes internados no Hospital de Clínicas com quadro de edema pulmonar confirmado por exame de tomografia. O objetivo é testar a eficácia de dois medicamentos já aprovados para uso humano no tratamento da inflamação aguda e de rápida progressão que tem levado à morte parte dos infectados pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).
Os dois fármacos incluídos no estudo inibem a ação de um peptídeo chamado bradicinina, que tem potente ação pró-inflamatória e faz parte da resposta imune inata – aquela que é acionada assim que um patógeno invade o organismo.
“O sistema imune libera essa molécula para dar início a uma resposta inflamatória que visa eliminar o invasor. Mas, para evitar uma inflamação excessiva e prejudicial ao tecido, rapidamente entram em ação enzimas que degradam a bradicinina”, explica Velloso, que coordena o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP na Unicamp.
O grande problema no caso da COVID-19 é que, para infectar as células do pulmão, o vírus se conecta justamente a uma das principais enzimas degradadoras da bradicinina: a ACE-2 (sigla em inglês para enzima conversora de angiotensina 2).
“Nossa hipótese é que, ao se ligar à ACE-2, o coronavírus bloqueia sua atividade e, como consequência, a bradicinina se acumula no pulmão. Isso explicaria o fato de alguns pacientes desenvolverem edema pulmonar [acúmulo de líquido nos alvéolos que impede a troca gasosa] tão rapidamente que morrem pouco tempo após dar entrada no hospital. Quando o grau de edema é muito alto, nem mesmo respiradores sofisticados conseguem manter a respiração”, diz o pesquisador.
A expectativa do grupo é que o tratamento amenize a inflamação no pulmão, contribuindo para reduzir a taxa de mortalidade – hoje em torno de 20% no grupo dos pacientes graves – e o tempo de internação em unidade de terapia intensiva (UTI).
Disseminação na Amazônia
O segundo projeto aprovado pretende estudar a dinâmica de transmissão do novo coronavírus em uma pequena cidade amazônica chamada Mâncio Lima, situada no Estado do Acre, na fronteira com o Peru. A pesquisa será coordenada pelo professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) Marcelo Urbano Ferreira, que há muitos anos realiza estudos de campo na região com o objetivo de combater a malária.
“Com 18 mil habitantes, Mâncio Lima é o município brasileiro com maior incidência de malária. Temos realizado inquéritos domiciliares com uma amostra da população a cada seis meses. Visitamos 2 mil pessoas, aplicamos questionários e colhemos amostras de sangue para diversos estudos”, conta Ferreira. O trabalho tem sido feito no âmbito do Projeto Temático “Bases científicas para a eliminação da malária residual na Amazônia Brasileira”.
A última coleta de sangue foi feita entre os meses de setembro e outubro de 2019 – antes, portanto, de o novo coronavírus chegar ao Brasil. A próxima estava prevista para começar agora em abril, mas foi adiada em decorrência das medidas de isolamento social impostas para combater a COVID-19.
“Optamos por coletar, entre maio e junho, apenas amostras de pacientes com suspeita da doença atendidos em um serviço de saúde local, para acompanhar os casos agudos. O próximo inquérito domiciliar deve ocorrer entre os meses de setembro e outubro de 2020, quando pretendemos avaliar nessa população a taxa de soroconversão, ou seja, quanto indivíduos que antes não tinham anticorpos contra o SARS-CoV-2 passaram a ter”, conta Ferreira.
Segundo o pesquisador, a análise permitirá estimar quantas pessoas na região ainda são suscetíveis ao novo coronavírus e podem ser afetadas caso ocorra uma segunda onda de disseminação da doença.
Nos próximos inquéritos (previstos para abril/maio e setembro/outubro de 2021) também será possível avaliar se os anticorpos ainda permanecem no organismo dos participantes que testaram positivo na análise anterior.
“Ainda não se sabe se a imunidade induzida pela infecção permanece para sempre ou desaparece após algum tempo, como ocorre com a gripe”, explica.
Por meio dos questionários aplicados em inquéritos anteriores, o grupo mapeou as redes de interação social entre os moradores do município. Segundo Ferreira, essa informação permitirá estimar a dinâmica de transmissão do vírus, ou seja, quem passou para quem e em qual situação.
“Partimos da hipótese de que muitas infecções por SARS-CoV-2 passam despercebidas e os portadores assintomáticos podem continuar disseminando o patógeno em suas interações sociais cotidianas”, afirma.
A chamada permanecerá aberta até 22 de junho de 2020 a propostas de pesquisa de curto prazo, como suplementos em auxílios vigentes nas modalidades Projeto Temático, Jovens Pesquisadores, Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) ou Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE).
Os projetos deverão redirecionar parte de seu esforço de pesquisa para contribuir de forma significativa ao entendimento e superação do risco representado pelo vírus SARS-Cov-2 e/ou possíveis caminhos para sua gestão ou prevenção.
O valor oferecido no edital é de R$ 10 milhões. A duração dos projetos deve ser de 24 meses. Cada proposta pode solicitar até o valor máximo de R$ 100 mil por ano. Além desse valor, as propostas podem solicitar uma Bolsa de Pós-Doutorado, com duração de até 24 meses.
Mais informações em: www.fapesp.br/14082.