Marcovitch é professor emérito da Universidade de São Paulo (foto: Pbelasco/Wikimedia Commons)
Publicado em 01/11/2024
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um índice de maturidade na gestão universitária é a produção e utilização de indicadores. O Projeto Métricas elevou essa meta a um novo patamar, indo além da gestão dos recursos financeiros para incorporar também sistemas sofisticados de avaliação dos impactos acadêmicos e sociais. Além disso, a iniciativa cresceu em abrangência. Voltada inicialmente para as três universidades estaduais paulistas – a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) –, ela passou a atender também as três universidades federais do Estado de São Paulo: a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Universidade Federal do ABC (UFABC).
Atualmente, as Unidades de Gestão de Indicadores das seis universidades reuniram-se em rede de colaboração para promover o uso estratégico de dados e indicadores com o objetivo de aprimorar a gestão universitária e de desempenho das Instituições de Ensino Superior (IES).
A rede de colaboração, que deverá operar por um período inicial de dois anos, visa “fortalecer o desempenho institucional das IES, interpretar tendências em comparações internacionais e colaborar no delineamento de políticas públicas”, explicou Jacques Marcovitch, responsável pelo Projeto Métricas.
O Métricas beneficia-se do apoio da FAPESP por meio de auxílio ao projeto Indicadores centrados na sociedade para o desempenho de universidades públicas.
Nesta entrevista, Marcovitch, professor emérito da Universidade de São Paulo e da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP), ex-reitor da USP (1997-2001) e ex-secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (2002), informa, com maiores detalhes, os objetivos e realizações já consolidadas do Projeto Métricas.
Agência FAPESP – Poderia contar como surgiu a ideia de um projeto voltado para a melhoria da governança universitária e qual foi o seu desenvolvimento ao longo do tempo?
Jacques Marcovitch – A história do projeto começa com uma pesquisa, mais especificamente a dissertação de mestrado de Justin Axel-Berg, orientada por mim. A partir dessa dissertação, fizemos nossa primeira proposta à FAPESP. O projeto inicialmente envolvia apenas as três universidades estaduais paulistas: USP, Unicamp e Unesp. Porém, ao longo do tempo, expandimos o escopo para abranger também as três universidades federais – Unifesp, UFSCar e UFABC –, de modo que, atualmente, ele contempla todas as universidades públicas do Estado de São Paulo. Tivemos três grandes fases no projeto, e o processo todo foi facilitado pela FAPESP, que desempenhou papel catalisador, estimulando novas tendências na governança universitária.
Agência FAPESP –Quais foram essas três fases?
Marcovitch – Na primeira, o projeto se limitava às métricas de insumos e resultados das três universidades estaduais paulistas, como já mencionado. À medida que o projeto amadureceu, na segunda etapa, incluímos as seis universidades públicas sediadas no Estado de São Paulo. A terceira fase, que estamos vivendo agora, é marcada por essa cooperação mais ampla e pela consolidação de práticas e métricas de impactos que auxiliam na escolha de objetivos e metas para a governança nas universidades. Esse crescimento gradual permitiu uma evolução no uso de evidências e indicadores de desempenho para aprimorar a gestão acadêmica, financeira e para apoiar a transição digital dessas instituições.
Agência FAPESP – Falando em governança baseada em evidências, como se deu essa transição no âmbito do projeto?
Marcovitch – A universidade, em muitas áreas, sempre utilizou evidências, especialmente nas ciências básicas e aplicadas, com base na qualidade das publicações e número de citações. Métricas tradicionais, portanto. O que observamos nos últimos anos, especialmente com a pandemia de COVID-19, foi uma demanda crescente por formas mais amplas de monitorar o impacto das universidades. Por exemplo, durante a pandemia, as pesquisas foram avaliadas não só pelo número de citações, mas também pelo impacto direto que tiveram nas políticas públicas e na sociedade. Isso reflete o conceito de ‘ciência cidadã’, na qual se alia o rigor acadêmico com uma clara preocupação em atender às expectativas da sociedade.
Agência FAPESP – A pandemia trouxe, então, novas perspectivas para a avaliação do impacto das universidades?
Marcovitch – Exatamente. A pandemia evidenciou a necessidade de uma ciência que gere efeitos significativos na sociedade. Porém, é importante destacar que nem toda pesquisa precisa necessariamente responder a questões imediatas do conjunto social. Áreas como física teórica e filosofia continuam a desempenhar papéis essenciais e não necessariamente devem estar atreladas a demandas práticas imediatas.
Agência FAPESP – O senhor mencionou o uso de métricas. Como elas evoluíram nas universidades ao longo do tempo?
Marcovitch – A preocupação com métricas existe há muito tempo, especialmente na gestão financeira. Lembro de uma visita que fiz à Universidade de Salamanca, na Espanha. Ali vi um baú retangular, trancado com cinco fechaduras, que, no período medieval, guardava os recursos financeiros e os registros da instituição. Somente com os detentores das cinco chaves presentes era possível o acesso ao conteúdo do baú. Isso revela que, desde muito tempo, há uma preocupação de determinar a responsabilidade pela gestão dos recursos e prestação de contas relativas à gestão dos recursos. Já o uso de métricas para avaliar o desempenho acadêmico começou a se intensificar a partir dos anos 1980, com a introdução de iniciativas como o Manual Frascati, publicado pela OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico], que visava monitorar a alocação de recursos pelas instituições de ensino. Desde esse momento, evoluímos para sistemas mais elaborados de avaliação, como anuários estatísticos e indicadores de eficiência, que incluem tanto insumos quanto resultados acadêmicos e impactos sociais.
Agência FAPESP – Como o senhor vê a relação entre essas métricas e os rankings internacionais de universidades?
Marcovitch – A partir dos anos 2000, observou-se um crescimento da importância dos rankings internacionais, que comparam universidades de todo o mundo. Países como a China estabeleceram rankings próprios como parte de suas estratégias nacionais de desenvolvimento. Nosso projeto não visa atuar diretamente nesses rankings, mas promover a coleta e gestão de dados interoperáveis com granularidade. Uma prioridade que almeja a melhoria da governança universitária que determina o reconhecimento internacional. O foco principal é promover a boa governança das universidades sediadas no Estado de São Paulo e no Brasil e a prestação de contas para a sociedade. É recomendável que as instituições monitorem as metodologias desses meios de aferição para, depois, tornarem mais visíveis as suas competências nas comparações internacionais.
Agência FAPESP – E quais são os principais indicadores que o projeto desenvolveu para avaliar as universidades?
Marcovitch – O foco foi e é desenvolver indicadores que avaliem a universidade de forma abrangente. Incluindo métricas de insumos, processos, resultados e impactos. Na trilogia Repensar a Universidade, medimos os recursos recebidos, o número de teses defendidas, a eficiência dos cursos e, claro, o impacto que tudo isso tem na sociedade. Um dos principais avanços do projeto é a valorização de relatórios de impacto social, que evidenciam nas universidades não apenas a perspectiva econômica, mas também as dimensões ambiental, social e cultural. Esses relatórios são cruciais para justificar o uso de recursos públicos e demonstrar o papel transformador das universidades.
Agência FAPESP – Como o curso Métricas se insere nesse contexto de aprimoramento da governança?
Jacques Marcovitch – O curso Métricas é uma iniciativa fundamental no projeto. Foi delineada para capacitar gestores e pesquisadores universitários na compreensão e aplicação das métricas em suas instituições. Até o momento, já formamos mais de 360 participantes, e temos cerca de 90 na quinta e atual edição 2024. O curso é oferecido tanto para pessoas indicadas pelas reitorias das universidades quanto para participantes voluntários de todo o Brasil. Recentemente, concluímos um survey para avaliar o impacto do curso nas instituições desses gestores, e os resultados têm-se revelado muito positivos.
Agência FAPESP – Voltando ao princípio, anos atrás, em uma conferência, o senhor desenvolveu o tema “Métricas para quem?”. Para quem essas métricas são destinadas e qual o propósito de seu uso?
Marcovitch – As métricas são, em primeiro lugar, destinadas aos dirigentes universitários. E também a representantes acadêmicos que, além de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, assumem o ônus de dedicar tempo suplementar para a governança universitária. Essas pessoas, que desempenham papéis fundamentais na tomada de decisões, merecem reconhecimento especial. Cada segmento da universidade tem suas próprias expectativas e meios distintos de demonstrar a excelência dos valores transmitidos à sociedade. As humanidades e as artes, por exemplo, veem a universidade como um lugar de promoção da cultura e do senso crítico. Já as engenharias buscam soluções tecnológicas com impactos econômicos, sociais e ambientais. As áreas da saúde têm como objetivo promover o bem-estar para todas as idades e grupos sociais. E as ciências básicas buscam ampliar as fronteiras do conhecimento humano. O maior desafio dos dirigentes e representantes é garantir que cada concepção de universidade alcance sua plena expressão, sem prejudicar ou inibir as outras. Esse respeito entre as diferentes áreas da comunidade acadêmica é uma característica definidora do ambiente universitário, que deve sempre ser um espaço de discussão e livre expressão, e não de confronto ou dominação.
Agência FAPESP – E como as métricas ajudam na prestação de contas à sociedade?
Marcovitch – As universidades são financiadas pela sociedade e, portanto, temos a responsabilidade de prestar contas de maneira clara e transparente. Nesse sentido, as métricas servem para fornecer indicadores quantitativos e qualitativos que viabilizem uma avaliação responsável da universidade. Quando o Projeto Métricas completou seu quarto ano, recebemos uma pergunta do Tribunal de Contas da União [TCU]: “Historicamente, as universidades estaduais de São Paulo sempre figuraram entre as melhores do país e da América Latina nos rankings internacionais de avaliação de desempenho universitário. O que essas instituições fazem de diferente das outras universidades públicas para sempre estarem no topo?”. Nossa resposta foi objetiva, com sete parâmetros orientadores que ajudam a explicar o desempenho: autonomia de gestão, áreas de excelência internacional, vínculos fortes com outras universidades e organizações, apoio da FAPESP, entre outros. Esses parâmetros destacam como as universidades estaduais de São Paulo melhoraram consistentemente desde 1988, com mais publicações científicas, maior colaboração internacional e mais graduados formados com um número aproximado, mas estável, de professores.
Agência FAPESP – Quais são os próximos passos do projeto?
Marcovitch – Um dos próximos grandes desafios é valorizar ainda mais a avaliação responsável para dar maior visibilidade à ciência produzida em São Paulo e no Brasil. Em um de nossos workshops, levantou-se a pergunta: “As universidades públicas valem o que custam?” A resposta para isso envolve mostrar, com clareza, os valores que as universidades trazem para a sociedade, utilizando métricas para criar uma narrativa qualitativa fundamentada em indicadores construídos em parceria com agentes sociais. O Projeto Métricas busca construir, com as Unidades de Gestão de Indicadores, as ferramentas para que a universidade pública enfrente os reptos do nosso tempo, preservando sempre os fundamentos e princípios democráticos. Como disse Hannah Arendt: ‘A educação é a atividade pela qual os habitantes antigos do mundo recebem os novos, convidando-os a serem habitantes e atores deste espaço compartilhado’. É nesse espaço que devemos continuar avançando.