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Grupo internacional busca modelos capazes de prever epidemias de dengue, zika e febre amarela


Grupo internacional  busca modelos capazes de prever epidemias de dengue, zika e febre amarela

Pesquisadores vão monitorar áreas em que essas doenças são endêmicas – como no interior de São Paulo, na Amazônia, no Pantanal e no Panamá – para investigar os fatores que propiciam a emergência de um surto (análise de macacos na região de Manaus; foto: Create-NEO/divulgação)

Publicado em 12/04/2021

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Primeira doença viral transmitida por mosquitos a ter uma vacina licenciada, a febre amarela há séculos tem sido precursora no entendimento de como surgem e devem ser combatidas as epidemias.

Os sucessivos surtos e o elevado número de mortos pela doença marcaram a história das Américas desde que foi introduzida no continente no século 17. Epidemias de febre amarela estiveram associadas ao tráfico de pessoas escravizadas, a corrida do ouro e ocupação do “velho oeste” dos Estados Unidos, a revolução do Haiti e ainda a disputa geopolítica pelo canal do Panamá, apenas para citar alguns exemplos.

Séculos depois do primeiro registro da doença nas Américas, uma equipe internacional de pesquisadores iniciará mais um estudo pioneiro no campo das epidemias, desta vez com o objetivo de monitorar e desenvolver modelos de predição de ressurgências não só de epidemias de febre amarela, mas também de outros vírus transmitidos por mosquitos (arboviroses), como dengue, zika e chikungunya.

“Temos um conhecimento muito bem estabelecido sobre os ciclos dessas doenças e sobre possíveis novos surtos. No entanto, falta ainda um conhecimento sistêmico que determine quando ocorrerá uma nova epidemia. Nosso objetivo é monitorar e criar modelos preditivos para poder antecipar ações de combate e proteção da população, além de entender melhor a conjunção de fatores que levam a novos surtos”, diz Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e integrante do grupo de pesquisa Create-NEO, projeto financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos.

A nova pesquisa é desdobramento de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, cujo objetivo foi monitorar a população de mosquitos em ambiente urbano na região de São José do Rio Preto (SP) e a população de macacos e mosquitos em ambiente de transição entre as zonas rural e urbana de Manaus (AM).

Além da Famerp, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Fundação de Medicina Topical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), o projeto inclui centros de pesquisa nos Estados Unidos, entre eles The University of Texas Medical Branch (UTMB), New Mexico State University (NMSU), Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Cary Institute of Ecosystem Studies. Também participa o Instituto Conmemorativo Gorgas de Estudios de la Salud (ICGES), no Panamá, entre outros parceiros.

Para marcar o início do projeto, os pesquisadores publicaram um artigo na revista Emerging Topics in Life Science, no qual revisam os fatores que influenciam o potencial de reemergência da febre amarela.

“O desmatamento, os padrões sazonais de chuva e a população de primatas não humanos têm influência em novos surtos, mas falta ainda saber qual é o ponto crítico para que eles ocorram. Para descobrir isso, vamos desenvolver modelos preditivos a partir de pesquisa e monitoramento realizados no interior de São Paulo, Amazonas, Pantanal e no Panamá – hotspots dessas arboviroses”, diz Nogueira.

Até agora, sabe-se por análise histórica que, no Brasil, novos surtos de febre amarela tendem a ocorrer a cada sete ou dez anos. “Mas temos muitas arboviroses no país e isso faz com que a gente viva constantemente em epidemias”, explica Livia Sacchetto, pesquisadora da Famerp e integrante do projeto Create-NEO.

Da floresta à cidade e vice-versa

De acordo com a pesquisadora, o projeto tem também como objetivo entender melhor e antecipar a ocorrência de spillover, quando há o transbordamento de um arbovírus do ciclo urbano para o silvestre e da floresta para as cidades.

Doenças infecciosas como dengue, zika e chikungunya são transmitidas para humanos e macacos por mosquitos Aedes aegypti infectados. No caso da febre amarela, além do A. aegypti como vetor urbano, há o ciclo silvestre, caso em que mosquitos de áreas florestais ou rurais de outro gênero (Haemagogus) são infectados pelo flavivírus, causador da doença.

Mesmo com uma vacina eficaz, desenvolvida em 1937, e a ausência de registro de casos da doença por transmissão urbana no Brasil desde 1942, ainda seguem comuns episódios de reemergência do vírus do ciclo silvestre de febre amarela que se espalham para as cidades.

“Ainda temos muita morte em humanos e macacos por epidemias de febre amarela no Brasil e em outras localidades do continente americano e africano. Apesar da existência da vacina e dos avanços no controle da transmissão da doença, continuamos tendo casos emergentes do ciclo silvestre, pois o vírus está endêmico em parte do Brasil, com uma circulação estabelecida e persistente entre mosquitos vetores silvestres e os primatas não humanos, que são os hospedeiros primários da febre amarela”, explica Sacchetto.

Uma das grandes dificuldades em controlar a doença, de acordo com os pesquisadores, ocorre quando um vírus se estabelece no ciclo de transmissão enzoótica – no caso da febre amarela, em primatas não humanos.

“É muito mais difícil fazer o controle do vírus no ciclo silvestre. Quando o ciclo enzoótico é estabelecido, o vírus se mantém no ambiente silvestre – como a febre amarela – com a possibilidade de ser transportado para as cidades por meio de um caso de infecção acidental em um humano”, diz a pesquisadora.

Sacchetto explica que a circulação do vírus nas cidades levanta a preocupação do retorno do ciclo urbano, ou seja, transmissão do vírus da febre amarela pelo Aedes aegypti. “Por isso a importância de estudos de vigilância epidemiológica e da manutenção de uma boa cobertura vacinal a fim de barrar epidemias”, diz.

Outro fator levado em conta nos modelos preditivos de arboviroses são as mudanças climáticas e o avanço das cidades em áreas antes preservadas. “Temos alguns casos ativos de febre amarela no Sul do país, nos estados do Paraná e Santa Catarina, tanto em primatas não humanos quanto em humanos. Algo que não costumava acontecer em décadas anteriores”, afirma Nogueira.

No continente africano – onde a febre amarela surgiu e de onde veio transportada séculos depois para as Américas – a doença ocorre em maior número de casos na África Subsaariana, constituindo um grande problema de saúde pública, com surtos periódicos e imprevisíveis de febre amarela urbana.

Já nas Américas, conforme os pesquisadores destacam, a abrangência da febre amarela tem sido relatada do norte do Panamá até a região nordeste da Argentina. Embora nos últimos anos a maioria dos casos tenha sido relatada na região da Bacia Amazônica – durante a estação chuvosa e tendo os mosquitos Haemagogus como principal vetor – tem se registrado um aumento de casos reportados de infecção pelo vírus silvestre com surtos no Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil.

O artigo Re-emergence of yellow fever in the neotropics - quo vadis? (doi: 10.1042/ETLS20200187), de Livia Sacchetto; Betania P. Drumond; Barbara A. Han; Mauricio L. Nogueira e Nikos Vasilakis, pode ser lido em https://portlandpress.com/emergtoplifesci/article/4/4/411/227095/Re-emergence-of-yellow-fever-in-the-neotropics-quo.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/35156