Entre os diferentes tipos de imunoterapia, o bloqueio da proteína PD-1 se tornou a abordagem padrão para casos avançados de melanoma. No entanto, entre 40% e 60% dos pacientes não respondem bem a essa abordagem e o tratamento pode custar entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por mês (imagem: Freepik)
Publicado em 25/07/2025
Fernanda Bassette | Agência FAPESP – Pesquisadores brasileiros deram um importante passo rumo à medicina de precisão ao identificar quatro genes capazes de predizer quais pacientes com melanoma não vão responder à imunoterapia. Esse tipo de tratamento revolucionou o combate ao melanoma, o câncer de pele mais agressivo e letal, mas ainda apresenta eficácia variável e um custo elevado que limita seu uso, especialmente no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir desse achado, a ideia é criar maneiras de identificar pacientes elegíveis ao tratamento e, dessa forma, reduzir os custos na rede pública.
O melanoma representa cerca de 4% dos tumores de pele, mas é o mais perigoso por causa de sua alta capacidade de se espalhar para outros órgãos. No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), são registrados cerca de 9 mil casos e quase 2 mil mortes por ano em decorrência da doença. Já se sabe há algum tempo que o melanoma é altamente imunogênico, ou seja, responde bem à imunoterapia – um tratamento que estimula o sistema imunológico a reconhecer e atacar as células cancerígenas.
Entre os diferentes tipos de imunoterapia, o bloqueio da proteína PD-1 se tornou o tratamento padrão para casos avançados de melanoma. No entanto, entre 40% e 60% dos pacientes não respondem bem a essa abordagem e ainda podem sofrer efeitos colaterais relevantes. Isso traz desafios clínicos e econômicos, principalmente em países como o Brasil, onde o acesso à imunoterapia no SUS é restrito. Embora a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) já tenha recomendado sua inclusão na rede pública, o alto custo ainda impede a adoção rotineira do tratamento.
Marcadores genéticos
Foi diante desse cenário que a engenheira biotecnológica Bruna Pereira Sorroche decidiu investigar se seria possível identificar marcadores genéticos que indicassem previamente a eficácia da imunoterapia em indivíduos com melanoma. O estudo, financiado pela FAPESP por meio de dois projetos (19/07111-9 e 19/03570-9), foi conduzido no Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular do Hospital de Amor (antigo Hospital de Câncer de Barretos), com orientação da professora Lídia Maria Rebolho Batista Arantes. Os resultados foram publicados no Journal of Molecular Medicine.
A pesquisa analisou amostras de tumor de 35 pacientes com melanoma avançado tratados com imunoterapia anti-PD-1 entre 2016 e 2021 no Hospital de Amor. A cientista cruzou essas amostras com dados de um painel de 579 genes relacionados ao sistema imunológico. Com isso, identificou quatro genes – CD24, NFIL3, FN1 e KLRK1 – cuja expressão aumentada se mostrou fortemente associada à resistência ao tratamento.
Segundo o estudo, pacientes com alta expressão desses genes apresentavam um risco 230 vezes maior de não responder à imunoterapia em comparação com os que tinham baixa expressão. Além disso, a sobrevida global também foi menor nesses casos: após cinco anos, 48,1% dos pacientes com baixa expressão dos genes ainda estavam vivos, contra apenas 5,9% entre os com alta expressão.
A análise aprofundada mostrou que esses genes estão ligados a mecanismos de evasão do sistema imune e supressão da resposta inflamatória. Por exemplo, o gene CD24 atua como um “ponto de checagem” (checkpoint) imunológico, ajudando o tumor a escapar da ação do sistema de defesa do corpo. O FN1 está relacionado à progressão tumoral e à formação de estruturas que favorecem o crescimento do câncer. Já o KLRK1, normalmente envolvido na ativação de células imunes, pode ter sua função comprometida quando desregulado, enfraquecendo a resposta do organismo contra o tumor. O gene NFIL3 também tem papel relevante na resposta imunológica, podendo contribuir para o escape tumoral.
“O aumento da expressão desses quatro genes está relacionado a mecanismos já conhecidos de desenvolvimento de tumores e escape imunológico – ou seja, formas pelas quais o câncer consegue ‘se esconder’ do sistema de defesa do corpo. Isso explicaria por que alguns pacientes não se beneficiam da imunoterapia, mesmo quando o tratamento é tecnicamente indicado”, diz Sorroche.
Validação das descobertas
Para validar os achados, a equipe comparou os resultados com dados de duas coortes internacionais independentes. A assinatura genética se manteve eficaz na previsão da resposta ao tratamento e dos desfechos clínicos, mesmo com variações esperadas entre os grupos analisados. Um dos diferenciais do estudo foi o uso da tecnologia NanoString, uma plataforma de análise genética mais acessível e custo-efetiva que o sequenciamento tradicional de RNA, o que facilita sua aplicação na prática clínica, inclusive em hospitais com menos recursos.
Outro aspecto promissor é que essa assinatura genética também se mostrou preditiva em pacientes diagnosticados ainda nas fases iniciais da doença. Isso indica que o perfil genético do tumor pode ser útil desde o início do tratamento para orientar decisões terapêuticas de forma mais eficaz.
A equipe está em fase de patenteamento da tecnologia. A ideia é criar um painel utilizando estes e outros genes como uma ferramenta comercial que permita avaliar, antes da indicação do tratamento, se o paciente tem ou não chances reais de se beneficiar da imunoterapia. “Isso pode ajudar médicos e gestores de saúde a decidir sobre o melhor caminho terapêutico, evitando gastos desnecessários com um tratamento que pode custar entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por mês, valor impraticável para a maioria dos pacientes e também para o SUS, principalmente se o tratamento durar anos”, comenta Arantes, orientadora do estudo.
Apesar de a pesquisa ter sido realizada com um número reduzido de pacientes e dados retrospectivos, Sorroche e Arantes acreditam que os achados abrem um caminho promissor para personalizar o tratamento do melanoma. Isso pode poupar pacientes dos efeitos colaterais de terapias ineficazes e ajudar a direcionar os recursos públicos com mais eficiência. “Nosso achado é inédito porque a pesquisa foi feita com base no perfil genético da população atendida pelo SUS, o que garante uma maior aderência às realidades da saúde pública no Brasil”, afirma Arantes.
O próximo passo é ampliar os estudos com um número maior de pacientes para validar os resultados e definir um valor de corte – ou seja, um nível mínimo de expressão dos genes acima do qual a resposta ao tratamento se tornaria improvável. Esse painel poderá então ser usado como uma ferramenta de predição para que médicos consigam decidir, de forma mais informada, qual abordagem terapêutica oferecer a cada paciente. A iniciativa pode representar um divisor de águas para a oncologia personalizada no Brasil.
O artigo CD24, NFIL3, FN1, and KLRK1 signature predicts melanoma immunotherapy response and survival pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00109-025-02550-z.