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Ipen se equipa para produzir nanorradiofármacos


Ipen se equipa para produzir nanorradiofármacos

Com apoio da FAPESP, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares está criando um laboratório de padrão internacional, que associa nanotecnologia à radiofarmácia. O objetivo é desenvolver novos produtos, principalmente para o tratamento do câncer (foto: E. R. Paiva/IPEN-CNEN)

Publicado em 19/04/2021

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Com 60 anos de atividade, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) produz atualmente cerca de 90% dos radiofármacos utilizados no Brasil. Dito de forma simplificada, radiofármacos são constituídos por moléculas às quais estão associados isótopos radioativos de elementos químicos (iodo, flúor, tecnécio etc.). Dependendo de sua composição, o produto é empregado em exames diagnósticos ou em tratamentos, especialmente do câncer. A produção regular do Ipen atende a 430 hospitais e clínicas em todo o país. E fornece material para 2 milhões de procedimentos anuais. De 30% a 40% dos produtos são direcionados para atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS).

“Como a demanda é muito grande, só podíamos nos dedicar à pesquisa quando a produção estava parada. Com aporte financeiro da FAPESP, estamos criando, pela primeira vez, um espaço específico para a pesquisa. O laboratório encontra-se em fase final de montagem, apesar dos atrasos provocados pela pandemia e pela alta do dólar. Nosso foco é desenvolver novos produtos, associando nanotecnologia à radiofarmácia. Já temos cerca de 50 artigos a respeito, publicados em revistas internacionais de alto impacto”, diz Marcelo Linardi, pesquisador emérito do Ipen.

Linardi é coordenador do projeto “Capacitação científica, tecnológica e em infraestrutura em radiofármacos, radiações e empreendedorismo a serviço da saúde (PDIp)”, apoiado pela FAPESP no âmbito do “Programa Modernização de Institutos Estaduais de Pesquisa”. Além do Ipen, o PDIp apoia a modernização e capacitação de pessoal de outras 11 instituições estaduais de pesquisa, com um total de R$ 120 milhões.

Os R$ 16 milhões destinados ao Ipen foram direcionados para investimentos em infraestrutura e aquisição de equipamentos multiusuários como um sistema de análise STM-AFM Raman SNOM (Scanning Optical Microscopy), mamógrafo digital, entre outros. Incluem também auxílios à pesquisa (dois deles destinados a pesquisadores visitantes do exterior) e o custeio de bolsas (oito de pós-doutorado, duas de doutorado, duas de mestrado e uma de pesquisa no exterior).

“A joia da coroa em matéria de equipamento, adquirido por meio do projeto, é um microscópio a laser com resolução subnanométrica. É o terceiro de seu gênero no mundo todo. Ele possui a mesma resolução do microscópio eletrônico, mas, por não projetar elétrons, não danifica a amostra que está sendo analisada, o que é ótimo para amostras biológicas. Além disso, o feixe de laser pode ser direcionado de várias maneiras, o que possibilita focalizar a amostra sob múltiplos ângulos”, conta Linardi.

Destinado à caracterização de materiais, o novo equipamento vai contribuir para o desenvolvimento de duas áreas-chave de atuação do Ipen: a da rádiofarmácia e a da braquiterapia.

O prefixo grego “braqui” refere-se a curta distância. É o oposto de “tele”, que quer dizer longa distância. Em termos terapêuticos, a braquiterapia possui uma grande vantagem comparativamente à radioterapia externa. Porque, na radioterapia externa, todos os tecidos que estão no caminho entre a saída do feixe de radiação e o local de interesse podem ser danificados pela radiação, enquanto na braquiterapia a fonte de radiação vai diretamente ao ponto – o que minimiza os efeitos colaterais indesejáveis. A associação da nanotecnologia à braquiterapia é um passo ainda mais avançado e sua implementação colocará o Ipen na linha de frente da pesquisa mundial.

“Estamos fazendo algo novo. Além do Ipen, há apenas mais dois institutos trabalhando nessa linha de pesquisa no mundo. Esse novo campo é chamado de nanobraquiterapia. A nanobraquiterapia poupa ainda mais os tecidos sadios, porque, na escala nanométrica, a molécula que contém a fonte radioativa é capaz de atravessar a membrana celular e entrar diretamente na célula cancerígena”, explica Maria Elisa Rostelato, que coordena a subárea do projeto dedicada especificamente à braquiterapia.

“Por enquanto, em todo o mundo, foram feitos apenas testes com animais. Nosso grupo produziu nanopartículas radioativas e as isolou para que não se agreguem de novo. Estamos trabalhando com isótopos de ouro e entramos na fase da chamada caracterização do material, para saber se, na escala nano, ele conserva suas propriedades. Já depositamos um pedido de patente. O apoio da FAPESP nos permitiu adquirir um equipamento, o Dynamic Light Sizer (DLS), que será dedicado exclusivamente à caracterização das nanopartículas radioativas”, informa Rostelato.

Segundo a pesquisadora, se as nanopartículas de ouro passarem pela “peneira” da caracterização, a fase seguinte será a dos testes in vitro e in vivo para verificar como essa potencial nanofonte radioativa se comporta concretamente diante dos tecidos afetados. “O tratamento do câncer de próstata é nosso foco atual. Mas o emprego desse tipo de material pode ser generalizado para vários tipos de câncer”, afirma.

O pioneirismo do Ipen vem de longe. Instalado em diversos edifícios distribuídos por uma área de 500 mil metros quadrados no campus da Universidade de São Paulo (USP), o instituto foi e continua sendo um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento da medicina nuclear no Brasil e em outros países da América Latina. Seu histórico engloba a introdução de novos radiofármacos e a formatação e controle da logística de distribuição. “Temos 25 produtos no catálogo, sendo o mais conhecido o iodeto de sódio, marcado com iodo 131, utilizado na terapia da tireoide”, diz Elaine Bortoleti, coordenadora do subprojeto de radiofarmácia no âmbito do novo projeto apoiado pela FAPESP.

De acordo com a pesquisadora, uma questão crucial da radiofarmácia relaciona-se com a meia-vida, isto é, com o tempo de decaimento dos componentes radioativos dos medicamentos. Essa meia-vida tem que ser relativamente curta, porque, depois de atender ao objetivo para o qual foi criado, o material precisa decair e ser eliminado pelo organismo – e não continuar atuando dentro dele. “Isso requer toda uma logística. Hoje, o Ipen é capaz de produzir e entregar os fármacos em até 48 horas, para qualquer estado do país. O transporte é feito por empresas cadastradas, monitoradas pelo instituto”, afirma.

“A produção é outro desafio. As células de produção, chamadas de hot cells (células quentes), são blindadas com chumbo e dotadas de um sistema de filtragem do ar com pressão negativa em relação ao meio ambiente, para evitar qualquer possibilidade de vazamento e contaminação radioativa em caso de acidente”, acrescenta.

O beabá da fabricação é produzir o radioisótopo em reator nuclear, bombardeando o elemento estável com nêutrons; ligar quimicamente o radioisótopo à molécula orgânica que deverá carregá-lo até a região de interesse no organismo; realizar depois os procedimentos farmacêuticos padrão, de filtração, diluição etc.; e embalar adequadamente o produto final, em recipientes blindados, refrigerados etc.

Atualmente, todos os radioisótopos utilizados pelo Ipen são importados, porque o reator da instituição é um equipamento de pesquisa e não tem capacidade para produção em larga escala. E este é um grande gargalo para o país, que foi seriamente afetado quando, em 2008, o reator canadense que abastecia todo o mercado brasileiro e 40% do mercado mundial teve suas atividades paralisadas. Foi necessário buscar outros fornecedores, na Argentina e na África do Sul, mas a autossuficiência do país só será assegurada se e quando o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), na cidade paulista de Iperó, se tornar realidade.

“O projeto de modernização visa adequar o laboratório para a fabricação de novos radiofármacos-piloto, para estudos clínicos e registro, com o cumprimento de todas as regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa] em termos de adequação ambiental e segurança. Já estamos trabalhando com moléculas flúor-estradiol marcado com flúor 18, para o monitoramento da terapia do câncer de mama, e de PSNA 1007 marcado com flúor 18, para o monitoramento da terapia do câncer de próstata”, informa Bortoleti.

Fonte: https://agencia.fapesp.br/34571