Estudo liderado por grupos da York University e da Unicamp buscou avaliar por modelagem matemática o impacto da imunização no curto prazo. Pesquisadores alertam que o benefício da vacina pode ser anulado se as medidas não farmacológicas de prevenção forem abandonadas precocemente (foto: Triggermouse/Pixabay )
Publicado em 15/03/2021
Karina Toledo | Agência FAPESP – Por meio de modelagem matemática, um grupo internacional de pesquisadores estimou que levaria cerca de 400 dias para que a taxa de contágio do novo coronavírus caísse para valores próximos a zero nos Estados Unidos em um cenário sem vacinação – ainda que as medidas não farmacológicas de proteção fossem mantidas. Até lá, 952 a cada 10 mil norte-americanos em áreas afetadas teriam sido infectados. Desses, 20 precisariam ser hospitalizados, 10 necessitariam de cuidados intensivos e 2,3 morreriam.
As projeções indicam ainda que a aplicação em larga escala de um imunizante com 95% de eficácia, como o que já está disponível no país, encurtaria em cerca de 100 dias a duração da epidemia e reduziria em 48% a taxa de ataque do vírus – ou seja, 418 a cada 10 mil habitantes seriam contaminados. Desses 7,5 necessitariam internação, quatro, terapia intensiva, e menos de um morreria. Também nesse caso considerou-se que as medidas de prevenção atualmente em voga, como uso de máscara e distanciamento social, seriam mantidas pela população.
O estudo foi liderado por cientistas da York University (Canadá) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os dados completos foram divulgados na plataforma medRxiv. O artigo está em processo de revisão por pares.
“Muitas pessoas imaginam que com a chegada da vacina tudo estará imediatamente resolvido, mas não é bem assim. Leva um tempo até que uma parcela considerável da população seja vacinada e os efeitos da imunidade coletiva sejam percebidos. A proposta do trabalho foi avaliar qual seria, nos Estados Unidos, o impacto da vacinação no curto prazo. Estamos neste momento fazendo projeções semelhantes para o Brasil”, conta Thomas Vilches, pós-doutorando no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp e bolsista da FAPESP.
Para fazer os cálculos, os pesquisadores consideraram que a taxa de contágio do SARS-CoV-2 (Rt) nos Estados Unidos era de 1,2, ou seja, que cada 100 infectados estavam transmitindo o vírus para outras 120 pessoas. “Esse era o valor que havia sido reportado no país em novembro, quando fizemos o estudo. Apesar de ter diminuído um pouco, agora parece estar subindo em alguns estados, o que pode ser agravado com a chegada da nova cepa”, diz Vilches (para acompanhar a evolução da taxa de contágio em tempo real acesse: https://rt.live).
No principal cenário projetado no trabalho, cujos resultados foram descritos nos parágrafos anteriores, os pesquisadores partiram da premissa que 10% da população norte-americana já tinha desenvolvido imunidade contra o SARS-CoV-2 quando a campanha de vacinação começou.
Com base em dados divulgados pelo Centro de Controle de Doenças (CDC), uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, os pesquisadores supuseram que seria possível vacinar cerca de 7 milhões de pessoas por dia (30 doses a cada 10 mil habitantes). Desse modo, concluíram, demoraria 280 dias para vacinar 40% da população, considerando que cada indivíduo receberia duas doses da vacina, com intervalo de 21 dias, e que profissionais de saúde, idosos e portadores de comorbidades seriam priorizados
“O Brasil tem uma vantagem nesse aspecto [capacidade de vacinação em massa], devido à existência do SUS [Sistema Único de Saúde] e do Programa Nacional de Imunizações”, avalia Vilches.
Recentemente, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão lembrou que em 2010 o SUS viabilizou em três meses a vacinação de 80 milhões de pessoas contra a gripe causada pelo vírus influenza H1N1. Em entrevista ao jornal O Globo, Temporão disse ainda que o Brasil é um dos únicos países do mundo capaz de vacinar 10 milhões de crianças contra a poliomielite em um único dia.
Vilches ressalta, contudo, que para estender os resultados deste estudo para o Brasil não basta substituir a taxa de eficácia da vacina. “É necessário alterar os parâmetros populacionais, como a distribuição da população por faixa etária, e os parâmetros epidemiológicos, como o número reprodutivo [taxa de contágio], a mortalidade da doença na população, entre outros. O ideal seria fazer uma análise para cada uma das cinco regiões do país, ou até mesmo para áreas menores, dado que as características populacionais são bem heterogêneas ao longo do território.”
Mantenha distância
O fato de a taxa de contágio do SARS-CoV-2 ter subido nos Estados Unidos após as festas de fim de ano certamente fará com que o cenário futuro fique diferente daquele descrito no artigo, avalia Vilches, que ressalta a importância de a população manter as estratégias não farmacológicas de contenção da epidemia.
“Hoje, de modo geral, uma pessoa com sintomas se mantém isolada dentro de casa. Se esse cuidado deixar de existir, o impacto da vacinação pode não ser tão grande quanto o estimado. Nossas projeções indicam que a vacina reduz em quase 50% a taxa de ataque da doença. Se o contato das pessoas com os infectados dobrar, no fim vai dar elas por elas”, diz o pesquisador. “Seria importante iniciar uma campanha educacional para alertar as pessoas de que não poderão retomar os hábitos de antes tão cedo.”
O artigo The impact of vaccination on COVID-19 outbreaks in the United States pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.11.27.20240051v2.full.pdf.