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Molécula conhecida por poder analgésico tem também ação contra candidíase


Molécula conhecida por poder analgésico tem também ação contra candidíase

Derivado de peptídeo apresentou efeito antifúngico, inibindo a formação de biofilme até mesmo em espécies resistentes a antimicrobianos. Por ser capaz de ultrapassar a barreira de células que protege o cérebro, o composto poderá, no futuro, ajudar a combater a ação inflamatória do fungo no sistema nervoso central (foto: acervo da pesquisadora)

Publicado em 05/05/2021

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Uma molécula desenvolvida em laboratório mostrou eficácia contra a candidíase. O composto, derivado de um peptídeo naturalmente produzido no organismo humano (quiotorfina) e conjugado ao medicamento ibuprofeno, apresentou forte ação antifúngica ao erradicar cepas de diferentes espécies do gênero Candida, inclusive as mais resistentes a antimicrobianos.

No estudo apoiado pela FAPESP pesquisadores na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) provaram que o derivado, geralmente utilizado por seus poderes de analgesia e anti-inflamatório, inibiu a formação de estruturas organizadas de microrganismos encapsuladas.

Chamada de biofilme, essa estrutura produz uma série de outras moléculas que blindam colônias de fungos, tornando muito difícil sua destruição por outros antimicrobianos disponíveis no mercado.

“Além da descoberta de que o derivado da quiotorfina é um potente antifúngico e antibiofilme, outra característica interessante desse composto está no fato de ele ser capaz de ultrapassar a barreira hematoencefálica, o que permite também ter ação em infecções no cérebro. Dessa forma, os recentes achados podem ser considerados um ponto de partida para o desenho de fármacos que possam acessar o sistema nervoso central”, diz Katia Conceição, pesquisadora do laboratório de Bioquímica de Peptídeos da Unifesp, campus São José dos Campos, e coordenadora da pesquisa publicada na revista Fungal Biology.

A pesquisadora ressalta que, em pacientes com imunidade baixa, uma leve infecção fúngica circulante no sangue pode levar a problemas mais graves. “Tem-se observado o aumento da resistência a antimicrobianos e também na incidência de infecções fúngicas que afetam não só a pele e mucosas, mas também o sistema nervoso central. Portanto, ter um antifúngico que inibe e erradica biofilmes e que consegue alcançar o sistema nervoso central é extremamente importante.”

A ação do fungo em regiões do cérebro foi avaliada no ano passado em estudo coordenado por outro grupo de pesquisadores, cujo artigo foi publicado na revista Nature Communications. “Descobriu-se em testes realizados em camundongos que a Candida também é capaz de ultrapassar a barreira hematoencefálica e chegar ao cérebro, formando estruturas inflamatórias chamadas de “tipo granuloma” que, por sua vez, compartilham características com placas beta-amiloides encontradas na doença de Alzheimer”, conta Conceição.

No estudo realizado na Unifesp, o grupo de pesquisadores testou seis derivados da quiotorfina quanto à atividade antimicrobiana e antibiofilme em oito cepas do gênero Candida, incluindo cepas clínicas.

“Das seis moléculas derivadas do peptídeo, a versão conjugada com ibuprofeno foi a mais eficiente em inibir e erradicar a formação de biofilmes em cepas de diferentes espécies de Candida”, diz.

O efeito foi comprovado em amostras que continham colônias de Candida albicans, Candida krusei, Candida dubliniensis, Candida glabrata, Candida lusitaniae, Candida novergensis, Candida parapsilosis e Candida tropicalis.

De analgésico a molécula polivalente

A quiotorfina é um peptídeo endógeno que foi isolado do cérebro de bovinos na década de 1970 e, mais tarde, também de outras espécies, incluindo o homem. A molécula, estudada inicialmente por seus efeitos analgésicos, também atua como antimicrobiano, anti-inflamatório e neuroprotetor.

“O problema é que o peptídeo endógeno só apresentava atividade analgésica quando injetado diretamente no cérebro. Por isso, um consórcio de pesquisadores portugueses, alemães e espanhóis desenhou moléculas derivadas do peptídeo que pudessem ultrapassar a barreira hematoencefálica, alcançando o cérebro quando administrado por via intravenosa, por exemplo”, diz Conceição.

O grupo de pesquisadores brasileiros obteve permissão para estudo dos seis derivados patenteados. “Foi quando descobrimos a atividade antifúngica e antibiofilme dos derivados, fruto do trabalho do mestrando em biotecnologia Vitor Martins de Andrade. Importante também ressaltar o aumento da sobrevivência in vivo de organismos infectados com Candida e tratados com um dos derivados. Pretendemos no futuro avaliar se os derivados também inibem a formação das estruturas tipo granuloma e, eventualmente, das placas beta-amiloides, características de doenças como Alzheimer e Parkinson e relacionadas a sintomas como perda de memória. Quem sabe no futuro seja possível desenvolver fármacos baseados nestas moléculas para aplicação contra doenças neurodegenerativas”, conclui.

O artigo Antifungal and anti-biofilm activity of designed derivatives from kyotorphin (doi:10.1016/j.funbio.2019.12.002), de Vitor Martins de Andrade, Eduard Bardají, Montserrat Heras, Vasanthakumar G. Ramu, Juliana Campos Junqueira, Jéssica Diane dos Santos, Miguel A.R.B. Castanho e Katia Conceição, pode ser lido em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1878614619301709.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/33467