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Molécula identificada em veneno de peixe peçonhento controla inflamação pulmonar em camundongos


Molécula identificada em veneno de peixe peçonhento controla inflamação pulmonar em camundongos

O niquim é um peixe pequeno, que vive em águas calmas e rasas do Norte e Nordeste do Brasil (ilustração: Mônica Lopes-Ferreira/CeTICS)

Publicado em 29/09/2023

Ricardo Muniz | Agência FAPESP – Uma molécula sintética inspirada em um peptídeo isolado do peixe peçonhento Thalassophryne nattereri se mostrou capaz de controlar a inflamação pulmonar e pode servir de base para um medicamento mais eficaz contra a asma. O detalhamento da pesquisa, conduzida no Instituto Butantan com apoio da FAPESP, foi publicado na revista Cells.

Vivendo em águas doces, salgadas ou até mesmo na mistura das duas, existem as mais variadas espécies de peixes – algumas delas peçonhentas. Possuem espinhos ou ferrões conectados a glândulas de veneno, uma espécie de bolsa cheia de substâncias, moléculas grandes e pequenas, que são toxinas. Para esses peixes, trata-se de uma ferramenta para defender-se de outros animais, seus predadores. Um deles é justamente o Thalassophryne nattereri, apelidado pelos pescadores de “niquim”. É um peixe pequeno, que vive em águas calmas e rasas do Norte e Nordeste do Brasil. Possui espinhos, como agulhas, dois em cima do corpo e mais um em cada lateral, totalizando quatro. Quando é pisado ou tocado, sente-se agredido e injeta veneno, provocando acidentes que causam lesões com muito inchaço e dor – o local atingido pode até mesmo sofrer necrose.

“Em 1996 começamos a estudar o veneno do niquim porque queríamos descobrir suas toxinas e propor um tratamento para os acidentes”, diz Mônica Lopes-Ferreira, bióloga do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP. “Mas qual não foi a nossa surpresa ao descobrirmos uma molécula pequena, um peptídeo, com ação anti-inflamatória. Uma molécula que ninguém tinha descoberto, inédita”, explica Lopes-Ferreira, doutora em imunologia pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado na área de bioquímica e farmacologia realizado no Butantan.

Como controle, foi utilizada a dexametasona, atualmente aplicada na terapia da asma leve e moderada. A patente inclui uma família de peptídeos derivados da molécula natural, encontrada no veneno do peixe. “No Brasil não se patenteiam produtos naturais”, explica Lopes-Ferreira. O grupo então selecionou um peptídeo com base em sua potência anti-inflamatória e estabilidade química para ser produzido por síntese química e testado em animais.

Segundo o artigo, camundongos tratados com TnP, sigla em inglês para “peptídeo do Thalassophryne nattereri”, não apresentaram hiper-reatividade das vias aéreas ou remodelamento pulmonar – condições associadas à asma. O TnP atuou sistemicamente em órgãos linfoides secundários e localmente no pulmão, inibindo a produção de moléculas pró-inflamatórias solúveis, como as citocinas interleucina-4 (IL-4), IL-5 e IL-17 produzidas pelos linfócitos Th2 e Th17 [dois tipos de células imunológicas envolvidas na asma]. Além disso, preveniu a hiperplasia [crescimento exagerado] de células produtoras de muco e diminuiu o espessamento e a deposição de colágeno subepitelial.

“Nossos resultados apontam o TnP como uma molécula candidata ao tratamento do remodelamento das vias aéreas associado a doenças inflamatórias, como a asma”, afirma o artigo.

“Sabemos que existem muitas doenças que provocam inflamação, então pensamos qual delas estudar para verificar se o TnP seria eficiente. E escolhemos a asma. Usando modelos animais no laboratório, verificamos que o peptídeo é seguro e eficaz, pois melhorou a inflamação pulmonar causada pela asma. Sendo uma descoberta nossa, brasileira, tomamos o cuidado de protegê-la e patenteamos”, conta Lopes-Ferreira. “Agora temos mais a ser feito, quanto mais descobrirmos mais saberemos sobre quais outras doenças o TnP pode tratar. Também será muito importante buscar parceria com uma indústria farmacêutica que queira investir no TnP, para chegarmos a um medicamento.”

Em pesquisa apoiada pela FAPESP e divulgada em outubro de 2016, o mesmo grupo de cientistas verificou que a molécula identificada no niquim tem ação potencial contra a esclerose múltipla. Os resultados da investigação, também desenvolvida no âmbito do CeTICS, foram publicados na revista Toxicon (leia mais em: agencia.fapesp.br/24058/).

O artigo mais recente, intitulado The Anti-Inflammatory Peptide TnP Is a Candidate Molecule for Asthma Treatment, também é assinado por Carla Lima, Maria Alice Pimentel Falcão, Felipe Justiniano Pinto e Jefferson Thiago Gonçalves Bernardo. Está disponível em: www.mdpi.com/2073-4409/12/6/924.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/49863