Eventos extremos de seca no Centro-Sul do país, causados pelo aquecimento global, podem ter impactos na “safrinha”, indica estudo apoiado por FAPESP e Belmont Forum (foto: Wikimedia Commons)
Publicado em 05/05/2021
Elton Alisson | Agência FAPESP – As mudanças climáticas representam uma séria ameaça para que o agronegócio brasileiro mantenha os atuais níveis de produtividade e a liderança da exportação de commodities agrícolas. Eventos extremos de seca em regiões onde está concentrada a produção agropecuária no país, causados pelo aquecimento global, podem afetar, por exemplo, a segunda safra de milho, conhecida como “safrinha”, que ocorre de janeiro a abril na região Centro-Sul do país, após a safra de verão.
As conclusões são de um estudo liderado por pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que integram um projeto apoiado pela FAPESP no âmbito de um acordo de cooperação com o Belmont Forum.
Alguns dos resultados do trabalho foram apresentados durante o seminário on-line “Impactos das mudanças climáticas na sociedade brasileira – A ciência focada em soluções produzidas pela cooperação FAPESP-Belmont Forum”, realizado no dia 16 de junho pela Fundação em parceria com o consórcio que reúne algumas das principais agências financiadoras de projetos de pesquisa sobre mudanças ambientais no mundo.
“Dentre todos os cenários que rodamos para estimar os impactos que diferentes processos biofísicos e humanos podem ter na produção agrícola do país, os relacionados às mudanças climáticas foram os que produziram os maiores efeitos”, disse Mateus Batistella, pesquisador do Nepam-Unicamp e da Embrapa Informática Agropecuária.
Em colaboração com pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e China, os pesquisadores do Nepam formaram um consórcio de pesquisa, batizado de "Consórcio Telecoupling”, com o objetivo de estudar como interações socioeconômicas e ambientais entre sistemas naturais e humanos acoplados, como é o caso dos processos de produção e fluxo de commodities agrícolas, podem afetar a segurança alimentar e a dinâmica de uso da terra.
Para isso, desenvolveram modelos que representam o comércio internacional de commodities agrícolas, especialmente soja e milho, entre países produtores – como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos – e importadores, como a China, além de cenários para estimar os efeitos de processos socioeconômicos e ambientais em escalas nacional e internacional.
No caso do Brasil o foco foi em 10 estados da região Centro-Sul, responsáveis pela produção de mais de 80% da soja e do milho cultivados no país, como Mato Grosso.
As projeções de mudanças na precipitação e na temperatura na região, elaboradas com base nos cenários RCP 4.5 e RCP 8.5 da Plataforma Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), indicaram impacto na segunda safra de milho.
“Eventos extremos de seca representam um risco importante para a manutenção de um ciclo bem-sucedido da agricultura brasileira. Para diminuir essa vulnerabilidade, instituições de pesquisa, como a Embrapa, estão se dedicando a desenvolver variedades de milho mais tolerantes à seca, por exemplo”, disse Batistella.
Dependência externa
Além de processos ambientais, os pesquisadores simularam os efeitos colaterais do comércio internacional no fluxo de commodities agrícolas. Uma das situações analisadas foi a diminuição da oferta de fertilizantes, especialmente de potássio, para o Brasil.
O país importa atualmente 85% do potássio que utiliza de apenas quatro países: Canadá, Rússia, Belarus e Alemanha. Se ocorrer uma diminuição significativa da exportação desse fertilizante pode haver impacto na produção brasileira de commodities agrícolas, estimaram os pesquisadores.
“É importante que o Brasil busque fontes alternativas de potássio para diminuir a dependência externa desse insumo”, afirmou Batistella.
As exportações de soja também estão altamente concentradas em um único país, apontou o pesquisador. Atualmente, 75% das exportações brasileiras dessa commodity agrícola são destinadas para a China, que transformou áreas anteriormente voltadas ao cultivo da soja em regiões como a província de Heilongjiang, no nordeste do país, em lavouras de milho e de arroz irrigado.
Essa decisão resultou em aumento da demanda por fertilizantes nitrogenados pela China e, consequentemente, no aumento dos impactos ambientais pelo uso desses agrotóxicos no país, ponderou Batistella.
“Isso ilustra os efeitos dos teleacoplamentos em longas distâncias, como são os processos de produção e fluxo de commodities agrícolas”, disse o pesquisador.
Foco em soluções
Durante o evento on-line também foram discutidas outras iniciativas de pesquisas sobre mudanças climáticas voltadas a soluções para a sociedade, baseadas em ciência, realizadas no âmbito da cooperação FAPESP-Belmont Forum.
Por meio do acordo, a FAPESP lançou 13 chamadas em parceria com agências congêneres de outros países e apoiou 31 projetos, alguns deles liderados por pesquisadores vinculados a universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo, disse Reynaldo Victória, pesquisador aposentado do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP).
“A cada um euro colocado pela FAPESP nos projetos do Belmont Forum, outras agências aportaram mais 35. Até o final de 2019 os recursos totalizaram mais de 90 milhões de euros”, disse Victória, membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e um dos representantes da Fundação no Belmont Forum.
Em comum os projetos apoiados pelo consórcio são interdisciplinares e transnacionais e têm a participação de cientistas de diversas áreas em colaboração com representantes da sociedade civil e formuladores de políticas públicas para desenvolver e implementar em conjunto as soluções, destacou Erica Key, diretora executiva do Belmont Forum.
“Nos últimos 10 anos, tivemos 18 chamadas globais e a FAPESP participou da maioria delas, financiando projetos de alta relevância. Esperamos continuar colaborando com a FAPESP para continuar construindo uma comunidade multidisciplinar de pesquisa de modo a transformar políticas em ações em áreas estratégicas, como segurança alimentar e hídrica, biodiversidade, vulnerabilidade costeira, climática e de saúde”, disse.
Os participantes do encontro ressaltaram que, além da epidemia da COVID-19, o mundo enfrenta hoje as crises das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade e que as três crises requerem soluções interdisciplinares e voltadas para políticas públicas.
“Hoje, todas as atenções estão voltadas para a COVID-19 e seus impactos, como deve ser. Mas, quando olharmos retrospectivamente, terá sido um evento pontual na história. Por outro lado, se olharmos na mesma perspectiva para o assunto das mudanças climáticas, elas não apenas continuarão presentes como, infelizmente, terão se acentuado e causarão impactos muito maiores, inclusive porque seriam ampliados ao longo de um tempo muito maior”, disse Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP.