O gênero Lasioseius é o maior da família Blattisociidae, com mais de 200 espécies descritas (imagem: Esalq-USP/divulgação)
Publicado em 09/09/2024
Agência FAPESP* – Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) ligados ao Programa BIOTA-FAPESP têm se dedicado há mais de duas décadas a entender e mapear a biodiversidade de ácaros no Brasil, bem como a identificar potenciais agentes de controle biológico para a agricultura. Ao longo desse processo, uma nova espécie foi encontrada na Caatinga, nos Estados de Alagoas e da Bahia, e nomeada em homenagem ao programa: Lasioseius biota. A descoberta foi divulgada na revista Systematic and Applied Acarology.
“Quando identificamos a nova espécie, decidimos homenagear o Programa BIOTA devido ao apoio fornecido na construção do conhecimento sobre os ácaros no Brasil há muitos anos", explica Ávyla Barros, uma das autoras da descoberta e doutoranda do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq-USP. A descrição desta espécie é parte de um projeto maior, liderado pelos pesquisadores Gilberto Moraes e Raphael Castilho, também da Esalq, cujo objetivo principal é estudar a diversidade dos ácaros de solo nos biomas brasileiros visando a prospecção de espécies para o controle biológico de pragas. A pesquisa busca, particularmente, conhecer a diversidade de ácaros da ordem Mesostigmata, cuja diversidade e aplicações para controle biológico são bastante conhecidas para ácaros que habitam a parte aérea das plantas. Contudo, ainda há poucas informações sobre ácaros de solo.
A nova espécie pertence ao gênero Lasioseius, que é o maior da sua família (Blattisociidae), com mais de 200 espécies descritas. Os ácaros desse gênero habitam diversos ecossistemas, incluindo o solo, a serapilheira e vivem até mesmo em associações com animais e plantas. São conhecidos como predadores de insetos e outros artrópodes. A característica única do ácaro Lasioseius biota é a presença de setas em forma de folhas. As setas são estruturas que podem apresentar diferentes formas e tamanhos e estão espalhadas pelo corpo e pernas dos ácaros. Em conjunto com outras estruturas, são usadas no processo de identificação (ver figura abaixo).
imagem: Esalq-USP/divulgação
"A nova espécie descrita foi encontrada quando estudamos a diversidade de ácaros no bioma Caatinga, que é um ecossistema ainda pouco explorado em relação aos organismos que habitam o solo", explica Barros. “A Caatinga também é frequentemente subestimada em termos de biodiversidade, devido ao clima árido, com baixa precipitação e altas temperaturas, e estudos como esse levantam questões interessantes sobre a riqueza de espécies nos diferentes biomas brasileiros", completa.
Em trabalho anterior a este, a equipe de pesquisadores identificou e descreveu 20 espécies novas de ácaros de solo. "Além disso, os índices de diversidade encontrados foram iguais ou superiores aos de outros biomas brasileiros, como o Cerrado e a Amazônia. Os estudos de biodiversidade são fundamentais para o desenvolvimento de pesquisas mais aplicadas, além de oferecer insights valiosos sobre as adaptações evolutivas dos ácaros a esses ambientes", afirma Barros.
Da descoberta de espécies à aplicação na agricultura
Além de contribuir para a compreensão da biodiversidade e do funcionamento dos ecossistemas, a descrição de novas espécies é também importante para o desenvolvimento de novas estratégias de controle biológico. As espécies do gênero Lasioseius, por exemplo, já foram relatadas como predadoras de pragas agrícolas, o que pode oferecer soluções sustentáveis e naturais para o manejo de pragas, contribuindo para a segurança alimentar e a conservação ambiental.
Mundialmente, sete espécies de ácaros do mesmo grupo estudado pelos pesquisadores brasileiros são comercializadas para o controle de pragas e parasitas que vivem no solo. No Brasil, apenas uma espécie é comercializada, por isso a importância de conhecer a biodiversidade existente e prospectar por espécies com potencial de aplicação. “É impossível fazer um trabalho aplicado sem saber o básico”, reforça Barros. “A identificação das espécies é uma parte do trabalho, depois disso nós voltamos ao ambiente, coletamos os ácaros vivos para estabelecer criações de laboratório e, após esse processo, nós realizamos testes em laboratório para verificar o potencial de predação dos ácaros sobre diversas presas.”
Nesse processo de estabelecimento, muitas espécies não se adaptam ao ambiente de laboratório e não são consideradas com potencial para o controle biológico. “Das 16 espécies que eu coletei em campo, apenas oito conseguiram se estabelecer em laboratório. É a partir daí que começamos a testar as possíveis aplicações”, exemplifica a doutoranda.
O artigo Description of a new species of Lasioseius Berlese (Acari: Mesostigmata: Blattisociidae) from Brazil and redescription of Lasioseius meridionalis Chant pode ser lido em: https://bioone.org/journals/systematic-and-applied-acarology/volume-28/issue-9/saa.28.9.1/Description-of-a-new-species-of-Lasioseius-Berlese-Acari/10.11158/saa.28.9.1.short.
* Com informações de Érica Speglich, do boletim BIOTA Highlights.