Objetivo de iniciativa, inspirada no modelo do IPCC e apresentada durante a FAPESP Week France, é subsidiar a formulação de políticas públicas e promover um debate menos ideológico sobre a crise migratória na Europa (refugiados sírios e iraquianos vindos da Turquia chegam às águas costeiras da ilha grega de Lesbos em outubro de 2015; foto: Ggia / Wikimedia Commons)
Publicado em 12/04/2021
Heitor Shimizu, de Paris | Agência FAPESP – Promover um debate mais racional e menos ideológico sobre a crise migratória na Europa, que atingiu níveis críticos em 2015, é o objetivo de um grupo de acadêmicos que articulou a criação do Painel Internacional sobre Migrações (IPM, na sigla em inglês) – organismo inspirado no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
De acordo com Camille Schmoll, professora da Université Paris Diderot (França) e uma das idealizadoras da iniciativa, o IPM não é um projeto direcionado à produção de novas pesquisas e sim a reunir e divulgar o conhecimento acadêmico existente sobre o tema das migrações humanas.
“A ideia é reunir especialistas em migração e asilo em todo o mundo, de modo a contribuir para um debate mais balanceado sobre o assunto”, disse a pesquisadora, em palestra apresentada na FAPESP Week France.
Na época do lançamento do painel, em 2018, foi divulgado um manifesto assinado por Schmoll e mais de 700 cientistas, entre eles o professor da École d'Économie de Paris Thomas Piketty, a diretora de pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, Virginie Guiraudon, e o diretor do Instituto Max Planck para o Estudo da Diversidade Religiosa e Étnica, Steven Vertovec. O texto, reproduzido em importantes veículos de comunicação, como Le Monde e The Guardian, afirma que “cientistas, organizações da sociedade civil, ativistas, cidadãos preocupados e formuladores de políticas devem unir forças para buscar uma melhor compreensão sobre as migrações, forçada e voluntária. Devem tentar entender os fatores determinantes e as consequências desse processo para as sociedades – tanto as que acolhem os migrantes como as dos países de origem”.
Ao fazê-lo, afirmaram os cientistas no texto, o grupo fornecerá subsídios para a formulação de políticas públicas baseadas em evidências, que vão além de soluções ideológicas para a crise humanitária.
“Queremos integrar especialistas de todo o mundo em uma rede, inspirada pelo modelo do IPCC. Neste momento, estamos construindo a estrutura do IPM, que permitirá reunir conhecimento útil para a formulação de políticas públicas, divulgar pesquisas independentes, interdisciplinares e, é claro, internacionais”, disse Schmoll à Agência FAPESP.
“Estamos reunindo acadêmicos de diferentes áreas, como economistas, historiadores, advogados, sociólogos, psicólogos, geógrafos e cientistas políticos. Já realizamos três encontros para discutir a governança do painel e esperamos divulgar nos próximos meses um primeiro relatório com o que há de mais novo e significativo sobre o assunto”, disse Schmoll.
Linguagens e culturas
Outro projeto de pesquisa motivado pela crise migratória de 2015, porém focado nas questões culturais e de linguagem, foi apresentado na FAPESP Week France por Marie-Caroline Saglio-Yatzimirsky, professora do Institut National des Langues et Civilisations Orientales (Inalco).
Saglio-Yatzimirsky foi pesquisadora visitante no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) entre 2007 e 2010 e tem longa história de colaboração com cientistas brasileiros. Atualmente, é coordenadora científica do programa Mediações Linguísticas e Interculturais no Contexto das Migrações Internacionais (Liminal, na sigla em francês).
“O programa tem como foco as interações e as mediações entre migrantes e atores institucionais, associados e informais em situações de migração. Temos financiamento da Agência Nacional de Pesquisa da França e conduzimos pesquisas de campo em Paris, em Calais e em Vintimiglia, na Itália”, disse à Agência FAPESP.
O trabalho envolve uma equipe multidisciplinar de 40 pesquisadores, entre antropólogos, sociólogos, psicólogos, linguistas e sociolinguistas. Os estudos de campo são conduzidos em diversas línguas – urdu, dari, pachto, bengali, amárica, tigrínia, somali, árabe sudanês, sírio, egípcio, inglês, francês, italiano e alemão – e abordam práticas de mediação linguística e intercultural em campos e centros de recepção.
“Tentamos entender quais línguas são faladas e quais são os mal-entendidos e os problemas com os outros atores, como representantes do poder público e de organizações não governamentais”, disse a pesquisadora.
O Liminal, explicou, produz guias de tradução e outros materiais para que profissionais que se relacionam com migrantes possam compreender melhor suas linguagens e particularidades culturais.
“Também estamos trabalhando para oferecer oportunidades de ensino e de profissionalização aos migrantes. Recentemente, abrimos com a Universidade de Paris [Sorbonne] uma nova diplomação para refugiados em mediação e linguagens. A ideia é profissionalizá-los como mediadores”, disse Saglio-Yatzimirsky.
Pluralidade de experiências urbanas
Analisar aspectos urbanos das transições sociais e espaciais no Brasil na primeira metade do século 20 é o objetivo de uma pesquisa apresentada por Ana Lucia Duarte Lanna, professora titular na Faculdade de Arquitetura da USP, na mesma sessão da FAPESP Week France.
“Desde 2014, participo de uma rede com abordagem interdisciplinar que conta com historiadores, geógrafos, antropólogos, sociólogos e urbanistas do Brasil e da França”, contou Lanna. “Pesquisamos o processo de metropolizacão e as características específicas do contexto brasileiro, como o crescimento urbano, a migração nacional e as novas centralidades.”
O projeto tem apoio da FAPESP, do CNRS, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e de outras instituições.
Além do intercâmbio de pesquisadores e da realização de encontros, o projeto resultou na publicação do livro Transições Metropolitanas e centralidades nas cidades brasileiras no breve século XX, que aborda a complexidade dos processos de metropolizacão no Brasil, tomando Rio de Janeiro e São Paulo como cidades de estudo.
Lanna também falou sobre uma pesquisa que conduz também com apoio da FAPESP, cujo objetivo é compreender os múltiplos sentidos e experiências de modernidade que configuraram a cidade de São Paulo, relacionando processos espaciais e sociais em curso ao longo do século 20.
O projeto pretende analisar a “pluralidade de experiências urbanas, procurando estabelecer nexos entre práticas sociais, configurações simbólicas e a constituição material do espaço”.
“Bairros, ruas e casas são as escalas escolhidas para entrelaçar dimensões temporais, espaciais e sociais diversas. Operando com as noções de fronteiras e conexões, a cidade é tomada como um espaço social poroso e polissêmico, avesso aos pares analíticos de modernidade e tradição; rural e urbano; público e privado; nativo e estrangeiro”, disse Lanna.
A professora da FAU-USP explicou que as ruas escolhidas para a pesquisa – como a Treze de Maio, a Augusta e a Teodoro Sampaio – são lugares de especial visibilidade desses processos, a partir das quais serão articulados bairros e casas.
“Nossa abordagem propõe um distanciamento da ideia tradicional de estudo de caso, como processo exemplar, e da noção de trajetória como percurso linear e cronológico. Essas ruas nos permitirão estabelecer uma leitura plural e multifacetada da cidade de São Paulo e suas modernidades”, disse.
O simpósio FAPESP Week France acontece entre os dias 21 e 27 de novembro, graças a uma parceria entre a FAPESP e as universidades de Lyon e de Paris, ambas da França. Leia outras notícias sobre o evento em www.fapesp.br/week2019/france/.