Palmeira patauá (Oenocarpus bataua) em um baixio na Amazônia Central: espécie é a próxima em que pesquisadores vão instalar sensores para estimar armazenamento de água (foto: Thaise Emilio/IB-Unesp)
Publicado em 07/10/2025
Elton Alisson | Agência FAPESP – Uma das famílias de plantas mais abundantes na Amazônia, as palmeiras (Arecaceae) têm capacidade de armazenar duas vezes mais água do que as árvores dicotiledôneas – grupo de plantas como o ipê, o mogno e o eucalipto, com flores cujas sementes contêm dois cotilédones, que são as primeiras “folhas” do embrião e servem como fonte de alimento. A existência delas e de outras espécies de plantas associadas a climas úmidos, contudo, está ameaçada devido às mudanças que têm ocorrido no ciclo hidrológico da floresta amazônica.
As constatações têm sido feitas por meio de estudos conduzidos por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, no âmbito do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas (CBioClima) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.
Alguns resultados preliminares dos trabalhos em andamento foram apresentados em palestra durante o Fórum Brasil-França “Florestas, Biodiversidade e Sociedades Humanas”, que aconteceu entre os dias 1º e 2 de outubro, no auditório da Fundação.
Organizado pelo Museu Nacional de História Natural (MNHN) da França, em Paris, pela Universidade de São Paulo (USP) e pela FAPESP, o objetivo do evento foi discutir a biodiversidade florestal, os ecossistemas e suas relações com as sociedades humanas, do passado e do presente.
“As palmeiras são grandes reservatórios ou caixas d’água da floresta”, disse Thaise Emilio, professora da Unesp, coordenadora do projeto e pesquisadora associada ao CBioClima.
A despeito de ser apenas uma entre 171 famílias de plantas arborescentes na Amazônia, diz a cientista, as palmeiras são extremamente dominantes na floresta, tanto no dossel como no sub-bosque.
Uma das hipóteses para explicar por que dominam a paisagem da floresta é que podem ter sido domesticadas pelas primeiras populações humanas que ocuparam e manejaram a Amazônia há milhões de anos.
“Há dúvidas, porém, se foram os humanos que enriqueceram a Amazônia com palmeiras ou se eles decidiram viver na floresta justamente por possuírem essas plantas tão abundantes e úteis, que têm grande importância econômica”, ponderou.
Aproximadamente 75% da produção brasileira de produtos florestais não madeireiros hoje é proveniente de palmeiras, sendo 50% só do açaí (Euterpe oleracea), sublinhou a pesquisadora.
Thaise Emílio, professora da Unesp, coordenadora do projeto e pesquisadora associada ao CBioClima: apesar de ser apenas uma entre 171 famílias de plantas arborescentes na Amazônia, as palmeiras são extremamente dominantes na floresta, tanto no dossel como no sub-bosque (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Resistência à seca
Por muito tempo se pensou que as palmeiras fossem extremamente vulneráveis à seca em razão de sua arquitetura hidráulica. A fim de avançar no conhecimento sobre essa questão, a pesquisadora iniciou em 2017 uma colaboração com colegas do Soleil Síncrotron, de Paris, e da Universidade de Bordeaux, em que analisaram a resistência do xilema (tecido vascular responsável por transportar água e sais minerais das raízes para o resto da planta, especialmente para as folhas) de palmeiras à embolia induzida pela seca.
Esse quadro é caracterizado pela formação de bolhas de ar dentro dos vasos do xilema, interrompendo a coluna de água e o transporte do recurso hídrico e de nutrientes do solo para as folhas. Isso acontece quando o estresse hídrico (a falta de água) cria uma pressão negativa tão grande que a água líquida vira gás, prejudicando a função dos vasos e podendo levar à morte da planta.
Por meio de diferentes técnicas, os pesquisadores quantificaram a resistência à seca de seis espécies de palmeiras pertencentes às duas subfamílias mais amplamente cultivadas: a Arecoideae e a Coryphoideae.
As observações foram conduzidas em uma das linhas de feixe do Soleil Síncrotron – acelerador circular de partículas carregadas (elétrons) que gera uma radiação, chamada de luz síncrotron, que permite investigar a composição e a estrutura da matéria na escala dos átomos e das moléculas.
“Por meio das observações, constatamos que as palmeiras são vulneráveis à seca como qualquer outra angiosperma [plantas complexas que apresentam raiz, caule, folhas, flores, frutos e sementes] ou gimnosperma [plantas terrestres que possuem sementes, mas não produzem frutos]. Mas, diferentemente de outras plantas de regiões temperadas, elas têm mais água dentro dos troncos. Dessa forma, conseguem mobilizar mais água e isso acaba se tornando a estratégia mais importante para minimizar os riscos de embolia”, explicou Emilio.
Mais recentemente, ao monitorar, em parceria com colegas da Universidade de Edimburgo, na Escócia, a quantidade de água armazenada pelas palmeiras, os pesquisadores constataram que, enquanto as árvores dicotiledôneas armazenam, no máximo, 50% de seu volume de água, as palmeiras chegam a reter 70%, e durante as épocas secas reservam ainda mais do que nas estações chuvosas.
“Isso tem enormes impactos na biodiversidade da floresta amazônica, que ainda não são estimados”, disse a pesquisadora.
Ao realizar trabalhos de pesquisa de campo na floresta durante os períodos de seca é comum observar só palmeiras com frutos, contou.
“A gente vê que só elas dão frutos nessas épocas de seca. Isso é muito importante para manter a alimentação dos animais na floresta e dos humanos, que dependem desses recursos. E uma das hipóteses pelas quais elas são capazes de manter esse serviço durante períodos de seca é justamente porque têm esse funcionamento diferente de outras plantas, conseguindo armazenar mais água.”
Esse serviço ecossistêmico prestado pelas palmeiras, contudo, está ameaçado em razão do declínio da abundância de espécies de plantas associadas a climas úmidos, devido à intensificação do ciclo hidrológico, caracterizada por secas e estações chuvosas mais intensas. “Isso terá um impacto muito importante para a dinâmica da floresta”, estimou Emilio.
Em um estudo em andamento, os pesquisadores têm avaliado por meio de modelagem o risco de morte de palmeiras em diferentes ambientes – em regiões com lençóis freáticos mais rasos ou mais profundos – e em anos mais secos ou mais úmidos. Resultados preliminares indicaram que elas morreriam duas vezes mais do que outras árvores.
“A combinação de anos chuvosos e secos está causando uma mudança na dinâmica e nas características de regiões da floresta”, afirmou Emilio.
Parceria Brasil-França
O evento integrou a Temporada França-Brasil 2025, uma programação conjunta de atividades culturais, científicas e acadêmicas promovidas para marcar os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países.
O encontro reuniu cientistas, artistas, gestores públicos, profissionais de museus, estudantes e representantes da sociedade civil em conferências, mesas-redondas e debates, além de visitas institucionais.
“Esse evento é a segunda parte de um encontro realizado em junho deste ano em Paris, que integrou a programação da FAPESP Week na França. Nossa experiência naquela ocasião foi muito intensa e produtiva em diferentes áreas, incluindo aeronáutica e espacial, medicina, inovação, sustentabilidade, biodiversidade e museologia”, avaliou Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, na abertura do evento (leia mais em: agencia.fapesp.br/54994).
Zago sublinhou que a Amazônia Legal ocupa aproximadamente 4 milhões de quilômetros quadrados (km²) do Brasil, uma área que corresponde a mais ou menos 40% do tamanho da Europa, mas que essa imensa floresta estende-se também ao território francês, da Guiana Francesa.
“Temos, pois, nós, brasileiros e franceses, uma responsabilidade compartilhada sobre essa floresta que é uma das maiores reservas da biodiversidade do planeta. Portanto, seu destino pode determinar, em grande parte, o destino da humanidade”, avaliou.
Da esquerda para a direita, Jônatas Trindade, subsecretário da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo,
Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da USP, Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, Alexandra Mias, consulesa-geral da França em São Paulo, Gilles Bloch, presidente do MNHN, e Flávia Teixeira, gerente de Meio Ambiente, Responsabilidade Social Corporativa e Transição Energética da Fundação Engie (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
O presidente do MNHN, Gilles Bloch, afirmou que “os desafios ambientais compartilhados pela França e pelo Brasil são muito sérios e a instituição está fortemente comprometida em trabalhar as questões de forma contundente”.
“Este fórum é bastante ambicioso e reforça a tradição de colaboração que existe entre nós e a USP. Todos os acordos que estamos celebrando nessa visita são uma grande honra para nós e vão facilitar a prática de ações e cooperação em um trabalho que precisa ser realizado em rede”, avaliou.
A vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, anunciou em sua fala um projeto, atualmente em execução, de construção da Praça dos Museus da USP, que reunirá acervos dos museus de Zoologia (MZ-USP) e de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP).
“No Brasil, os museus de história natural estão intimamente ligados ao surgimento da pesquisa científica no país. A Universidade de São Paulo tem acervos museológicos ímpares e coleções científicas e culturais entre as maiores do mundo. Temos um compromisso com nossos museus e esses acervos e, por isso, estamos construindo um novo espaço, com um projeto notável do grande arquiteto Paulo Mendes da Rocha [1928-2021]. Esse novo museu será uma referência para toda a cidade, para o país e para o mundo”, avaliou.
Também participaram da abertura do evento Alexandra Mias, consulesa-geral da França em São Paulo; Jônatas Souza da Trindade, subsecretário da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo; Flávia Teixeira, gerente de Meio Ambiente, Responsabilidade Social Corporativa e Transição Energética da Fundação Engie; o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP, Carlos Graeff; e o diretor administrativo da instituição, Fernando Menezes.