Os mais afetados foram os negros, por estarem mais fortemente alocados no trabalho informal, e as mulheres, por atuarem predominantemente em setores considerados não essenciais (foto: Marco Aurélio Esparz/ Wikimedia Commons)
Publicado em 19/04/2021
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A pandemia abalou a atividade econômica e agravou os problemas sociais em vários países. No Brasil, os impactos foram especialmente severos. “O nível de emprego – calculado pela razão entre o número de pessoas que trabalham e a população em idade economicamente ativa – caiu abaixo de 50% em abril de 2020. E continuou baixando até julho, quando atingiu o vale de 47%. Isso significa que mais da metade da população em idade de trabalhar ficou sem trabalho”, diz Rogério Barbosa, ex-pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), atualmente professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).
Em parceria com Ian Prates, Barbosa publicou no The Indian Journal of Labour Economics, o artigo “The Impact of COVID-19 in Brazil: Labour Market and Social Protection Responses”. O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio de bolsa de pós-doutorado concedida a Barbosa.
“Trabalhamos no artigo com dados de junho de 2020. Mas, depois, publicamos outros estudos com atualizações, baseadas em levantamentos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – tanto da PNAD Contínua quanto da PNAD COVID-19. Essas informações confirmaram a previsão que havíamos feito logo na fase inicial da pandemia”, afirma Barbosa.
“Naquela ocasião, cruzamos dois parâmetros: vínculo de emprego formal ou informal (incluindo aqui trabalho por conta própria) e emprego em setores essenciais ou não essenciais. Com base nisso, previmos que os negros e as mulheres seriam os mais afetados. Os negros por estarem mais fortemente alocados no trabalho informal e as mulheres por atuarem predominantemente em setores considerados não essenciais – ambas as situações decorrentes da formação histórica do Brasil. Os dados da PNAD confirmaram essa previsão. Para cada trabalhador formal demitido, três trabalhadores informais perderam sua condição de trabalho. E os setores não essenciais, de prestação de serviços para pessoas físicas, foram os mais duramente atingidos”, continua o pesquisador (leia mais em: agencia.fapesp.br/33065/).
Segundo Barbosa, o nível de emprego no Brasil sempre esteve na faixa dos 60%. Houve uma queda com a crise econômica de 2014, mas o número vinha subindo. Com a pandemia, ele caiu pela primeira vez abaixo dos 50%. “Apareceu uma nova categoria de desemprego, que é a do ‘desemprego oculto pelo distanciamento social’. Normalmente, o índice de desemprego, que podemos chamar de ‘desemprego aberto’, é calculado considerando o percentual de pessoas que procuram emprego e não conseguem arrumar. Com a pandemia, de 17 a 19 milhões de pessoas simplesmente deixaram de procurar – seja devido ao risco de contágio, seja porque muitos postos de trabalho foram fechados. Somando o ‘desemprego oculto’ com o ‘desemprego aberto’, o total de pessoas desempregadas chegou a quase 30% em julho de 2020”, informa o pesquisador.
E acrescenta: “Esse percentual é um valor médio nacional. Mas esta situação apresentou grandes diferenças de estado para estado. Houve estados nos quais o desemprego ultrapassou 50%. Com o afrouxamento das medidas de isolamento social, houve depois certa recuperação, mas ainda estamos bem abaixo do patamar anterior à pandemia”.
De acordo com o pesquisador, o Auxílio Emergencial foi efetivo, apesar de erros e atropelos na logística de implantação e de fraudes no direcionamento dos recursos. “Ele aliviou a situação dos 30% mais pobres, que vinham perdendo renda sistematicamente desde 2014. Quando o Auxílio chegou, esses mais pobres estavam no vale da curva de renda. E tiveram certa compensação, não só das perdas provocadas pela pandemia, mas também de perdas anteriores. Porém é preciso entender que o Auxílio diminuiu os indicadores monetários da pobreza, mas não a pobreza em si, pois esta engloba muitas outras dimensões além da estritamente monetária, como, por exemplo, as condições de moradia. Com o fim do Auxílio, os mais pobres continuarão tão pobres quanto eram antes”, diz Barbosa.
O pesquisador afirma que o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda beneficiou os grandes empregadores, que não precisaram demitir e arcar com o ônus das demissões, e aliviou a situação dos trabalhadores formais, que conseguiram manter o emprego, embora com perda de rendimento (a renda só se manteve para assalariados ganhando um salário mínimo). “Mas os empregadores de pequenas e médias empresas, que são os que mais empregam no Brasil, ficaram descobertos. Quando a economia se abrir, faltarão postos de trabalho, porque muitas pequenas e médias empresas foram fechadas e não poderão ser reabertas”, sublinha Barbosa.
O teletrabalho, que se mostrou muito efetivo nos países desenvolvidos da Europa, beneficia, no Brasil, apenas 10% dos trabalhadores – justamente os que desfrutam de maior padrão econômico e cultural. Isso engloba profissionais com ensino superior e funcionários alocados em funções gerenciais ou administrativas. A maioria das tarefas que demandam menor escolaridade não pode ser feita a distância. E, mesmo quando podem, nem sempre o trabalhador dispões de recursos técnicos como internet de banda larga. “Antes da pandemia, o Brasil estava mais ou menos no mesmo patamar dos países ricos em matéria de teletrabalho. Agora, ficamos completamente na rabeira”, comenta Barbosa.
O artigo The Impact of COVID-19 in Brazil: Labour Market and Social Protection Responses pode ser lido em https://link.springer.com/article/10.1007/s41027-020-00252-3.