Fapesp

A FAPESP e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável


Pandemia reforçou a necessidade de colaboração internacional em pesquisa


Pandemia reforçou a necessidade de colaboração internacional em pesquisa

Em encontro virtual do Global Research Council, representantes de agências de fomento de pesquisa da América Latina, África e Europa destacam impacto da COVID-19 na formação de parcerias para antecipar o desenvolvimento de soluções (foto: Léo Ramos Chaves)

Publicado em 12/04/2021

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – Desde que a COVID-19 se espalhou pelo mundo cientistas de diferentes países formataram um modelo de colaboração global sem precedentes na história, com o objetivo de promover descobertas conjuntas para o enfrentamento da crise sanitária.

Ao lado de ter escancarado desigualdades, a pandemia mostrou a importância de parcerias e da colaboração internacional de pesquisa, na avaliação de especialistas reunidos no Seminário Virtual das Américas, promovido pelo Global Research Council (GRC), de 1 a 3 de dezembro.

“Houve uma mobilização muito rápida da comunidade científica mundial para dar respostas à pandemia. Acredito que temos muitas lições para tirar dessa situação que podem, inclusive, nos ajudar a enfrentar crises que se avizinham ou aquelas que já estão postas, como a crise climática e a econômica”, disse Michael Bright, secretário-executivo do GRC.

O encontro virtual reuniu integrantes de agências de fomento de pesquisa das Américas, Europa, Oriente Médio e África para tratar das experiências sobre o enfrentamento da pandemia de COVID-19. O evento, realizado entre os dias 9 e 11 de dezembro, foi organizado pela FAPESP, pelo Consejo Nacional de Investigaciones Científicas e Técnicas (Conicet), da Argentina, e Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología (Conacyt), do Paraguai.

“A pandemia em curso é de longo prazo e já está influenciando mudanças nos sistemas de pesquisa e inovação não só nas esferas nacionais e regionais, mas também em nível mundial. Se por um lado o desafio é global e as soluções não são apenas nacionais ou de uma região, também é preciso entender como o conhecimento de diferentes regiões pode ser agregado para conter e superar a pandemia”, afirmou Lidia Borrell-Damian, secretária-geral do Science Europe, que também participou do webinar.

Um exemplo do crescimento entre a colaboração internacional, destacado por Borrell-Damian, são os editais internacionais de pesquisa. Financiados por diferentes agências de fomento da Europa e América do Norte, eles contaram com pesquisadores de diferentes regiões do mundo. “Isso já existia antes da pandemia, mas acredito que o padrão de pesquisas multinacionais pode se repetir mais vezes futuramente”, concluiu.

Partilhar o que tem

A pandemia atingiu países e regiões de maneira diferente e também mostrou as grandes desigualdades do mundo em relação à infraestrutura de pesquisa e disponibilidade de recursos.

“Acredito que as experiências que tivemos neste ano com a pandemia vão mudar a maneira como trabalhamos. Entram em cena questões como compartilhamento de dados e a colaboração em pesquisa entre países do continente africano, além, é claro, da importância de pesquisas não só nas chamadas ciências duras, mas principalmente nas ciências sociais”, disse Phethiwe Matutu, diretora do National Research Foundation da África do Sul.

No continente africano, 17 países da região subsaariana conseguiram um fundo de US$ 5,75 milhões para financiar projetos de pesquisa, de comunicação científica e de uso de dados para amparar governos na tomada de decisão. Com o investimento, foram criados dois protótipos de ventiladores mecânicos mais econômicos e menos invasivos que os do mercado.

“Criamos também parcerias com as associações de jornalistas para treinar profissionais sobre temas relacionados à pandemia. Comunicação é algo essencial em uma crise sanitária. Para evitar confusões e mal-entendidos era preciso que informações muito técnicas estivessem acessíveis para toda a população. Na África do Sul temos 11 idiomas oficiais. Além de tornar tudo mais acessível, precisávamos que as informações fossem traduzidas para chegar rapidamente a todos”, contou Matutu.

O financiamento foi resultado de uma parceria entre International Development Research Centre (IDRC), do Canadá, National Research Foundation, da África do Sul, Foreign, Commonwealth and Development Office, do Reino Unido, Newton Fund, Swedish International Development Cooperation Agency (Sida), South Africa’s Department of Science and Innovation e Fonds de Recherche du Québec.

Articulação entre público e privado

No México, uma mobilização entre governos, universidades, empresas e órgãos reguladores permitiu o desenvolvimento de dois tipos de ventiladores mecânicos em apenas cinco meses. Houve ainda a parceria entre institutos de pesquisa e a rede de saúde para aumentar a capacidade de testagem na população.

Também foi lançada uma chamada pública para financiar 26 projetos de pesquisa que envolviam não apenas o desenvolvimento de aplicativos e equipamentos, mas também estudos em educação, ciências sociais e saúde mental.

“Criamos um cronograma com estratégias de curto, médio e longo prazos com o direcionamento de mais de US$ 50 milhões em objetivos específicos. Um deles foi o desenvolvimento de dois tipos de ventiladores mecânicos. Os projetos envolviam todo o ecossistema de ciência, tecnologia e inovação do México e conseguimos produzir 437 ventiladores mecânicos que foram distribuídos em hospitais das províncias mexicanas”, disse Delia Aideé Orozco Hernández, diretora do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (Conacyt -México).

Orozco afirmou que a articulação entre institutos de pesquisa, órgãos reguladores, hospitais e empresas permitiu o desenvolvimento de produtos de qualidade em um curto espaço de tempo. “Os ventiladores são parte de nossa estratégia de independência tecnológica e da criação de uma indústria nacional de equipamentos médicos. As vantagens financeiras também são enormes. Com os ventiladores nacionais estamos gastando menos de 30% do preço de um importado.”

Entre as metas relacionadas à vacina, Orozco destacou a análise estratégica dos estudos clínicos de fase 3 de quatro vacinas, que estão sendo realizados no México, acordos bilaterais de transferência de tecnologia e a produção e distribuição de vacinas na América Latina.

Menos impactado pela COVID-19 em comparação com outros países latino-americanos, o Uruguai também criou um plano de ação com cinco metas e se fiou no ecossistema de inovação que tem sido fomentado no país desde 2008.

Entre as metas estavam o desenvolvimento e a produção de testes diagnósticos e testes sorológicos para COVID-19, criação de dois tipos de ventiladores mecânicos, soluções criativas para melhorar as condições de confinamento e criação de aplicativos de comunicação e combate à pandemia.

“Conseguimos produzir 10 mil testes em tempo recorde. Lembro que o primeiro caso de COVID-19 no Uruguai foi confirmado em uma sexta-feira e já na segunda foi lançada uma chamada para empresas e centros de pesquisa buscarem soluções de testagem”, contou Flavio Caiafa, presidente da Agência Nacional de Pesquisa e Inovação (ANII-Uruguai).

Caiafa destacou que o aprendizado com o combate à pandemia foi positivo. “A estratégia de elencar cinco metas específicas em uma chamada se mostrou muito eficiente. Mas só conseguimos atingir nossas metas porque temos um ecossistema de inovação eficiente. Estamos colhendo os resultados de mais de dez anos de parceria entre centros de pesquisa, empresas e a indústria.”

No entanto, ele ressaltou que nem tudo saiu como o esperado. “Os ventiladores foram criados em pouco mais de um mês, mas não se mostraram bons o suficiente para situações de COVID-19. Acreditamos que faltou maior articulação com os órgãos reguladores na parceria público-privada, o que exigiria mais tempo de desenvolvimento. Esses instrumentos poderão ser usados em outras emergências menos graves”, disse.

A maior integração do ecossistema de inovação bem estabelecido também foi um destaque no relato de Abdullah Alraddadi, diretor do King Abdulaziz City for Science and Technology (KACST), da Arábia Saudita.

“Quando acontece algo como a COVID-19 a resposta tem de ser rápida e tudo precisa estar funcionando. Para isso, é preciso manter infraestruturas e estabelecer a articulação entre os institutos de pesquisa e todo o ecossistema de inovação. A pandemia é uma tragédia e se há algo que pudemos aprender é a necessidade de ter essa resiliência”, afirmou Alraddadi.

De acordo com Alraddadi, com a pandemia a Arábia Saudita elaborou uma estratégia nacional de enfrentamento de doenças infecciosas, não só para COVID-19. “Enfrentamos surtos de doenças infecciosas com certa frequência, principalmente nos eventos islâmicos quando recebemos muitos visitantes de outros países. Precisamos estar prontos sempre, e integrar institutos, laboratórios e capital humano pode nos dar maior resiliência não só agora, mas também futuramente, quando a pandemia acabar.”
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/34852