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Papagaio-chauá volta ao seu hábitat em reserva de Mata Atlântica


Papagaio-chauá volta ao seu hábitat em reserva de Mata Atlântica

Papagaio-chauá (Amazona rhodocorytha): após reintrodução em reserva florestal em Alagoas, à espera da companhia de outros bichos (foto: Luís Fábio Silveira/Museu de Zoologia-USP)

Publicado em 18/06/2025

Elton Alisson, de Paris | Agência FAPESP – Em janeiro deste ano, 20 papagaios-chauá (Amazona rhodocorytha), extintos em Alagoas, começaram a ser reintroduzidos em uma reserva florestal de mil hectares situada em Coruripe, a 86,5 quilômetros de Maceió, a capital alagoana. Nos próximos meses, as aves devem ganhar a companhia de outros bichos, como o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), além de jabutis e macucos (Tinamus solitarius).

O objetivo da reintrodução dessas espécies é recompor a fauna que existia originalmente na área de Mata Atlântica, pertencente a uma usina de açúcar e álcool, a fim de restaurar a funcionalidade do ecossistema.

Alguns dos resultados do projeto, denominado ARCA e apoiado pela FAPESP, foram apresentados durante o Fórum Brasil-França sobre Florestas, Biodiversidade e Sociedades Humanas, que aconteceu entre os dias 16 e 18 de junho no Museu Nacional de História Natural (MNHN) de Paris.

Organizado pela FAPESP em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), o evento integrou a programação da FAPESP Week França, iniciada em 10 de junho em Toulouse, capital da região da Occitânia, no sul do país europeu.

“Essa área onde estamos reintroduzindo esses animais possui a maior quantidade de pau-brasil (Paubrasilia echinata) nativo, fora do sul da Bahia, e apresenta dois grandes problemas. O primeiro é o da reconexão florestal, cuja solução leva mais tempo, porque depende de plantar florestas para os fragmentos se reconectarem. E o segundo, e mais urgente, é manter a floresta de pé e viva, porque ela está colapsando, pois não tem animais dispersores de sementes”, disse à Agência FAPESP Luís Fábio Silveira, vice-diretor do Museu de Zoologia da USP e coordenador do projeto (leia mais em: agencia.fapesp.br/54992).

Por isso, os pesquisadores estão soltando naquela área aves e jabutis criados em cativeiro e que fazem a dispersão das sementes para que a floresta se mantenha em pé, ao mesmo tempo em que iniciam os programas de reconexão dos fragmentos florestais, explicou Silveira. “Essa área servirá de modelo para replicarmos para outros fragmentos de Mata Atlântica.”

Processo de conversão

O processo de reivindicação da área para ser convertida em reserva florestal envolveu o Ministério Público, organizações não governamentais (ONGs) e lideranças locais, e demandou uma longa negociação com os proprietários das terras, contou o pesquisador.

A maioria dos fragmentos florestais no Estado de Alagoas é propriedade privada, principalmente de usinas de açúcar e álcool, e não são grandes o suficiente para que o poder público os reivindique para transformá-los em reserva pública, como um parque nacional ou reserva biológica.

Diante dessa realidade, a estratégia adotada pelos pesquisadores foi conversar com o Ministério Público (MP) e as ONGs locais para convencer os proprietários das usinas a transformar as áreas indicadas como prioritárias para conservação como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) – uma unidade de conservação de domínio privado com o objetivo de conservar a diversidade biológica.

“Esse tipo de unidade de conservação não é tão restritivo como as federais porque garante a perpetuidade da titularidade da área e, ao mesmo tempo, mantém a floresta de pé, sem desmatamento. Muitos proprietários de usinas também gostaram da ideia porque permite melhorar seus índices de ESG [medida de desempenho em responsabilidade ambiental, social e de governança]”, disse Silveira.

Um obstáculo, contudo, foi a necessidade de os proprietários das usinas pagarem os custos para o registro em cartório dessas áreas como RPPN. Por meio de conversas com o MP, os pesquisadores conseguiram que os cartórios de Alagoas isentassem as taxas. “São acordos desse tipo, aparentemente muito pequenos, que às vezes impulsionam o proprietário de uma área de floresta de 800 hectares, por exemplo, a transformá-la em RPPN e assim garantir sua preservação”, avaliou o pesquisador.

Por meio do projeto, foi possível criar mais de 5 mil hectares de área de Mata Atlântica protegida no Estado de Alagoas, sublinhou Silveira: “80% dos animais endêmicos e ameaçados daquela região foram protegidos”.

Envolvimento da comunidade

Uma das espécies protegidas por meio do programa, iniciado em 2018, foi justamente o mutum-de-alagoas. Semelhante a uma galinha, o mutum-de-alagoas é a maior ave terrestre do Nordeste brasileiro, com tamanho similar ao de um peru e peso em torno de 4 a 4,5 quilos. Em razão dessas características, a ave, que se alimenta de frutas e só vive em áreas de floresta, foi impiedosamente caçada e, dessa forma, extinta da natureza há 40 anos.

“Não restava nenhuma espécie desse animal na natureza no começo da década de 1990. Só três representantes foram resgatados por um criador particular e decidimos então usá-los para iniciar o projeto”, contou Silveira.


Mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), a maior ave terrestre do Nordeste brasileiro: volta da espécie causou comoção pública e inspirou blocos carnavalescos (foto: Luís Fábio Silveira/MZ-USP)

Essa espécie de ave foi a escolhida para iniciar o programa porque, para conservá-la, são necessárias áreas grandes, com árvores, que servem de abrigo para várias outras espécies de animais.

Em setembro de 2019, três machos e três fêmeas do mutum-de-alagoas foram soltos dentro de outra reserva privada com quase mil hectares de mata contínua em Rio Largo, município distante pouco mais de 20 quilômetros de Maceió.

A reserva tem um viveiro de 400 metros quadrados, mas as aves, todas com idade entre um e dois anos, não ficam presas. Podem se locomover por toda a propriedade, que se conecta às áreas vizinhas, tomadas por canaviais.

De acordo com Silveira, a ave foi uma das únicas espécies de animal extintas na natureza que retornaram ao seu hábitat no continente americano nas últimas décadas. “Essa foi uma das primeiras iniciativas nas Américas. Outra na região foi a de uma espécie de corvo que ocorre só no Havaí e também havia sido extinto”, comparou.

A reintrodução da espécie causou uma onda de comoção pública, que resultou na criação de blocos carnavalescos e de corridas de rua em homenagem à ave, além de murais espalhados pela cidade e a decretação pelo governo de Alagoas do mutum como a ave símbolo do Estado. A mesma comoção tem sido observada em relação à reintrodução do papagaio-chauá. “A população começa a ter esses animais de volta no seu dia a dia e a sentir, de fato, um grande orgulho em relação ao retorno deles”, ressaltou Silveira.

“Esse envolvimento da população é muito importante porque agora temos os guardiões dos papagaios e dos mutuns. Os moradores dessas regiões, em vez de desejarem aquele animal na sua casa, preferem vê-lo na natureza. Dessa forma, começa a mudar também não só a percepção e o entendimento das comunidades com relação à vida silvestre, mas também como pode ser apreciada de uma maneira diferente. Eles são, agora, nossos principais guardiões dentro da floresta”, avaliou o pesquisador.

Silveira recebe duas vezes por dia vídeos gravados por pessoas da comunidade que monitoram os bichos. Mostrou para a Agência FAPESP um vídeo de uma revoada dos papagaios-chauá pela reserva. “Não são só os bichos, mas os sons deles que estão voltando para a floresta”, comemorou.

As aves foram reintroduzidas após serem mantidas por dois anos em um viveiro com 8 metros de altura, no meio da mata, para aclimatação, onde foram submetidas a testes físicos e comportamentais – como a reação ao escutar e ver seus predadores. “Uns dez não puderam ser reintroduzidos porque não passaram em todos os testes e seguem em cativeiro”, disse Silveira.


Luís Fábio Silveira (MZ-USP): 80% dos animais endêmicos e ameaçados da região foram protegidos por meio de programa apoiado pela FAPESP (foto: Elton Allison/Agência FAPESP)

Fonte: https://agencia.fapesp.br/55120