Esse é o número de pessoas com 60 anos ou mais que moram em casas com crianças e adolescentes na capital, segundo estudo da USP. Tema foi debatido em webinar promovido pela Agência FAPESP e pelo Canal Butantan, que também abordou o impacto da pandemia entre os idosos institucionalizados
Publicado em 23/04/2021
Karina Toledo | Agência FAPESP – Mais de 20% dos idosos da cidade de São Paulo moram em casas com jovens em idade escolar – fato que precisa ser levado em conta ao se discutir o retorno das aulas presenciais. O alerta foi feito pela professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) Yeda Duarte na última quinta-feira (24/09), durante o webinar “COVID-19, 60+: que epidemia é essa?”, promovido pela Agência FAPESP em parceria com o Canal Butantan.
“Estamos falando de aproximadamente 340 mil idosos em contato próximo com crianças e adolescentes que vão retornar à vida normal, podem ser [portadores do SARS-CoV-2] assintomáticos e vão trazer essa contaminação para dentro de casa”, disse a pesquisadora.
Duarte coordena desde o ano 2000, com apoio da FAPESP, o Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE), que busca avaliar periodicamente as condições de vida e saúde de moradores do município de São Paulo com 60 anos ou mais. O dado apresentado no seminário foi extraído da edição mais recente, conduzida entre 2015 e 2017 com 1.236 participantes selecionados para representar o perfil da população idosa da capital (leia mais em: agencia.fapesp.br/32990/).
Nos últimos meses, em parceria com pesquisadores do Instituto Butantan, a equipe do SABE tem investigado como a COVID-19 vem afetando esse grupo de voluntários. Além de entrevistas por telefone para avaliar o impacto da doença e do isolamento social, foram feitos exames sorológicos (para buscar a presença de anticorpos contra o novo coronavírus) em 310 idosos e em todas as pessoas com quem eles mantêm contato frequente. No caso de indivíduos que apresentaram sintomas suspeitos nos 15 dias que antecederam a coleta, também foi feito o teste de RT-PCR (que detecta o RNA do vírus e é o principal método de diagnóstico da COVID-19).
Dados preliminares do SABE-COVID (80% dos resultados tabulados) apontam uma soroprevalência de 4,5% entre os idosos avaliados. Entre seus principais contactantes o percentual foi mais que o dobro: 9,6%.
“O maior número de reagentes está entre os contactantes e essa é uma questão importante quando se fala em retomar as atividades normais. Os idosos estão nas suas casas e, na maioria das vezes, cumprindo o distanciamento social. Mas estão sendo contaminados pelas pessoas que continuam circulando pela cidade e trazem o vírus de fora para dentro”, afirmou Duarte.
A maioria dos casos e os dois únicos óbitos registrados no grupo ocorreram na zona sul da cidade, em bairros como Campo Limpo, Jardim Ângela e Jardim São Luís. Na sequência estão Pirituba, Freguesia do Ó (ambos na zona norte), Aricanduva e Artur Alvim (na zona leste). Segundo Duarte, a maior soroprevalência em bairros periféricos tem relação com as condições de moradia nesses locais. “Há, por exemplo, um maior número de pessoas vivendo na mesma casa. Esse aspecto da desigualdade social precisa ser considerado ao se definir a flexibilização das medidas de controle e os grupos prioritários para vacinação”, destacou.
Dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), apresentados no evento pelo médico Paulo Rossi Menezes, membro da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria Estadual da Saúde, corroboram a avaliação de que a maioria das contaminações entre os idosos ocorreu em casa.
“Após ser introduzida a obrigatoriedade do uso de máscaras, no mês de maio, houve uma inflexão dramática nas curvas de internação e de mortalidade por síndrome respiratória aguda grave [SRAG] associada à COVID-19 na capital e na Grande São Paulo. Mas isso quando se olha a população como um todo. Já quando se olha apenas as curvas das pessoas com 60 anos ou mais o padrão é totalmente distinto. O crescimento não se interrompe quando a máscara é introduzida e se mantém até o fim de junho. Isso reforça a ideia de que os idosos estão sendo infectados dentro de suas casas. As pessoas que moram com eles saem às ruas de máscara, mas tiram a proteção ao retornar”, explicou.
Segundo Menezes, os casos confirmados de COVID-19 no Estado de São Paulo estão concentrados na faixa de 30 a 50 anos de idade, à qual pertence boa parte dos indivíduos que continuaram trabalhando no período de quarentena. No entanto, os idosos representam três quartos das mortes confirmadas. Desses, 83% tinham uma ou mais doença crônica, sendo as principais cardiopatias (52,4%), diabetes (36,5%) e doenças neurológicas (10,4%). Entre as pessoas com mais de 60 anos que precisaram ser internadas após contrair o vírus, 42% evoluíram para óbito.
“Embora não apareçam nas notificações, as demências e os transtornos mentais como a depressão são comorbidades que considero importantes para o desfecho desfavorável”, disse Menezes.
Esta também foi a avaliação do professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Paulo Villas Bôas, que estuda desde 2017, com apoio da FAPESP, um grupo de 209 idosos residentes em instituições de longa permanência na cidade de Botucatu, no centro-oeste paulista.
“Os desfechos piores entre os idosos que acompanho foram entre os indivíduos demenciados. São doenças que têm um impacto grande na capacidade funcional do indivíduo [para realizar atividades de rotina e cuidar da própria saúde]. Quanto mais dependente é o idoso, pior é a evolução em qualquer evento agudo, e a COVID-19 é uma condição aguda. Os idosos institucionalizados em geral respondem pior que os demais porque são mais frágeis e mais dependentes de cuidados”, explicou Villas Bôas.
Grupo mais frágil
A soroprevalência entre os residentes de instituições de longa permanência no município de Botucatu foi avaliada em parceria com um grupo de pesquisadores do Butantan coordenado por Alexander Precioso, que também participou do seminário. Dos 209 idosos testados, 11,5% apresentaram anticorpos contra o SARS-CoV-2, número um pouco inferior ao observado na capital: 13,5%. Grande parte dos testes positivos veio de apenas duas das 15 instituições avaliadas. “Em uma dessas casas, mais de 75% dos idosos foram reagentes e, na outra, 100% deles, o que mostra a dificuldade de controlar surtos da doença nesses locais”, destacou Precioso.
Segundo Villas Bôas, dados de 1.800 instituições de longa permanência, com 42 mil idosos de 11 Estados brasileiros, indicam que a taxa de incidência média da doença nesse grupo é de 6,14%, enquanto a taxa de mortalidade é de 17,65%.
“Nossa taxa de mortalidade é semelhante à de vários países europeus e menor que a norte-americana. Logo no início da pandemia foi divulgado um documento importante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia com recomendações aos gestores dessas instituições, entre elas destaco a suspensão das visitas de familiares e também das saídas dos idosos para reduzir o risco de transmissão. Provavelmente a suspensão precoce das visitas externas reduziu o número de casos nessas instituições”, avaliou.
Entre os fatores que o professor da Unesp destacou como importantes para proteger os idosos institucionalizados da COVID-19 estão a capacitação dos cuidadores, para que se tornem aptos a identificar os casos precocemente, e a testagem frequente de todos os funcionários, que podem ser portadores assintomáticos do vírus.
“Muitas vezes, ao ser infectado, o idoso não apresenta os sintomas clínicos típicos da COVID-19. Via de regra é um paciente demenciado que demonstra uma piora no quadro cognitivo ou então para de comer. O cuidador muitas vezes não tem qualquer formação em saúde e precisa ser capacitado”, disse.
Os superidosos
Em sua busca por fatores genéticos que podem aumentar ou diminuir o risco de morrer em decorrência da infecção pelo novo coronavírus, a geneticista Mayana Zatz , coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) da USP, já encontrou sete centenárias que tiveram contato com a COVID-19 e desenvolveram apenas sintomas leves ou mantiveram-se assintomáticas.
“Para identificar os genes de risco e de proteção resolvemos focar nos extremos. Estamos coletando amostras de pessoas que morreram após contrair a doença e também de idosos resistentes. Algo que nos surpreendeu foi a existência de casais discordantes, ou seja, em que apenas um dos cônjuges teve a doença. Achávamos que era algo raro, mas recebemos mais de 800 e-mails com esse tipo de relato. Já coletamos amostras de 100 casais e vimos que a maioria dos assintomáticos tem sorologia negativa e 65% são do sexo feminino”, contou.
O passo seguinte será sequenciar o genoma dos centenários e nonagenários resistentes à COVID-19, contou a pesquisadora. “ Podemos reprogramar células do sangue dessas pessoas para criar linhagens de diversos tecidos, infectar as células em laboratório e ver como o vírus se comporta. Isso nos permitirá entender o mecanismo genético da infecção.”
Também participou do webinar o diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, que apresentou resultados parciais dos testes da vacina CoronaVac em voluntários com mais de 60 anos. Segundo o pesquisador, os dados indicam um "excelente perfil de segurança" do imunizante, desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac Biotech. A íntegra do evento pode ser assistida no endereço: www.youtube.com/watch?v=rt2RPUJJfxs.