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Pesquisa abre caminho para diagnóstico precoce da neuropatia diabética


Pesquisa abre caminho para diagnóstico precoce da neuropatia diabética

Grupo da Universidade Cruzeiro do Sul mostra que diabéticos exercem menos força ao segurar objetos do que portadores de outras doenças que afetam sistema nervoso. Biomarcador comportamental pode ajudar a detectar o processo neurodegenerativo no início (foto: acervo dos pesquisadores)

Publicado em 05/07/2021

Janaína Simões | Agência FAPESP – Resultados de uma pesquisa conduzida na Universidade Cruzeiro do Sul podem contribuir para o diagnóstico mais precoce da neuropatia diabética – distúrbio caracterizado por lesões nos nervos periféricos e que pode causar sintomas como dor, formigamento ou perda de sensibilidade, principalmente em pés e pernas.

No estudo, o grupo coordenado pelo professor Paulo Barbosa de Freitas Júnior avaliou a força feita por pacientes diabéticos para segurar e manusear objetos. Os resultados foram comparados com os de indivíduos sadios e de portadores de outras doenças neurológicas, como esclerose múltipla, Parkinson e síndrome do túnel do carpo (dormência e formigamento na mão e no braço causados pela compressão de um nervo no punho).

Ao calcular a força exercida pelos diabéticos sem diagnóstico de neuropatia, com diagnóstico de neuropatia e pessoas sadias para segurar objetos, Freitas e sua equipe desenvolveram as bases metodológicas que poderão ser usadas no desenvolvimento de um equipamento para uso em consultórios médicos. Essa inovação, no futuro, pode auxiliar a diagnosticar, de forma simples, rápida e precoce, sintomas iniciais que indicam um quadro de neuropatia em pacientes diabéticos.

Os resultados da pesquisa foram detalhados na revista Human Movement Science. A investigação foi financiada pela FAPESP por meio de um Auxílio Regular e de uma Bolsa de Iniciação Científica.

As análises feitas pelo grupo têm como foco a força de preensão palmar, que é a pressão feita pelos dedos para segurar e manipular objetos. Também foi considerada a chamada “margem de segurança” – força de preensão normalizada pelo coeficiente de atrito entre a pele em contato com o objeto e a superfície do material manuseado.

“Cada objeto tem uma determinada superfície de contato, que exerce atrito com os dedos quando seguramos um objeto. Se ele é mais liso, precisamos apertar mais; se é mais áspero, podemos apertar menos por causa do atrito. Cabe ao sistema nervoso central fazer o cálculo da quantidade de força necessária, o que ele aprende com o passar dos anos”, explica o pesquisador.

Considerando a força de preensão palmar e a margem de segurança, nota-se que pessoas com alterações neurológicas, como esclerose múltipla ou Parkinson, tendem a apertar mais o objeto do que os indivíduos que não apresentam alterações nos nervos. Para manipular um objeto, a força exercida é um pouco maior do que a força mínima necessária para mantê-lo na posição desejada.

“No caso de pessoas com alterações neurológicas, a hipótese é de que apertam mais o objeto como uma estratégia mais conservadora. O sistema nervoso detecta a existência de alteração neurológica e envia um comando para que a mão segure com mais força o objeto, é um processo inconsciente”, conta.

Nas medições com voluntários, detectou-se que a quantidade de força empregada pelas pessoas sadias se situa entre 100% e 120% da força mínima necessária para segurar o objeto. Em pessoas com alterações neurológicas, esse valor aumenta de duas vezes e meia a três vezes.

Freitas reuniu sua equipe para investigar, então, o que ocorre no caso de diabéticos, que costumam enfrentar problemas neuropáticos ao longo da evolução da doença. “Não havia estudo sobre diabéticos utilizando o tipo de experimento que empregamos na pesquisa”, lembra.

A hipótese era de que os indivíduos com diabetes apertariam mais os objetos, assim como quem sofre de síndrome do túnel do carpo, esclerose múltipla ou Parkinson. “Mas descobrimos que é o contrário: os diabéticos usam a metade da força para segurar um objeto, quando comparados com o grupo controle. Isso foi observado ao fazerem a tarefa mais simples, a do teste estático, na qual o voluntário deve apenas segurar o objeto, sem movimentá-lo”, conta.

Calculando a força

Foram feitos três tipos de teste com 36 voluntários, sendo 24 diabéticos, divididos em dois grupos: um, com 12 voluntários que tinham desenvolvido neuropatia, e 12 que não tinham neuropatia diagnosticada nem sinais clínicos da doença. Outros 12 voluntários sadios formaram o grupo controle. Antes dos testes, foi medida a sensibilidade cutânea de cada participante, já que é pelo tato que se envia ao sistema nervoso central as informações necessárias para que o cérebro faça o cálculo da força para segurar e manipular objetos.

Para cada um dos voluntários foram pedidas três tarefas, utilizando o mesmo tipo de objeto instrumentado para realizar as medições de força. No teste de retenção estática, eles foram instruídos a segurar o objeto com a mão dominante como se segurassem um copo de água e após ouvirem uma campainha, dez segundos após o início da tentativa, eles deveriam abrir os dedos lentamente para soltar o objeto, para se medir o coeficiente de atrito entre os dedos e o objeto. Na segunda tarefa, deviam agarrar o objeto posicionado sobre uma mesa, levantá-lo por cerca de cinco centímetros, segurá-lo por dez segundos e colocá-lo de volta na mesa. A terceira atividade era de oscilação, na qual o voluntário agarra o objeto, o posiciona em frente ao umbigo e o move continuamente para cima e para baixo, por aproximadamente 20 centímetros, durante 15 segundos.

Na segunda e terceira atividades, os diabéticos e diabéticos com neuropatia apresentaram resultados semelhantes aos indivíduos do grupo controle. Já no teste estático, a tarefa mais simples, veio a surpresa: os diabéticos e diabéticos com neuropatia apertaram o objeto usando metade da força aplicada pelos voluntários do grupo de controle.

A explicação para isso não está, propriamente, na perda de sensibilidade na ponta dos dedos que acomete os diabéticos. Para os pesquisadores do estudo, a questão está na quantidade e qualidade das informações táteis enviadas da ponta dos dedos para o sistema nervoso central, que não seriam as ideais para o cérebro fazer o cálculo e a mão empregar a força correta para segurar o objeto fixamente. “Além disso, há estudos mostrando que determinadas áreas da medula espinhal e da parte do córtex que recebem e processam essas informações sensoriais têm um volume menor em diabéticos do que em pessoas sadias”, completa.

Os resultados da pesquisa indicam que o diabetes não afeta apenas a parte periférica do corpo, causando, por exemplo, a perda de sensibilidade nos pés e dedos das mãos, mas atinge também o sistema nervoso central. “E isso está ocorrendo no início do diabetes. As pessoas tendem a achar que essas complicações só vão acontecer depois de uma determinada idade ou com o avanço do diabetes, mas o paciente já tem problema antes de se diagnosticar a neuropatia”, alerta.

Diagnóstico rápido e precoce

A ciência ainda não tem uma resposta definitiva sobre a causa da neuropatia em diabéticos. Uma das hipóteses se relaciona a alterações dos vasos sanguíneos e no metabolismo, que geram perda de função e morte de neurônios. “Com as alterações metabólicas, não chega sangue aos terminais nervosos – por exemplo, da sola dos pés e dos dedos das mãos – e, assim, os neurônios vão morrendo”, diz. Com a progressão da doença, outros neurônios, como os localizados mais próximos do tronco ou do joelho, sofrem o mesmo processo.

Diante da falta de respostas, a prevenção é o melhor caminho, e essa pesquisa contribui nesse sentido, segundo Freitas. “Nossos estudos nos dão a base para desenvolver, futuramente, um equipamento simples, que ofereça um resultado rápido e possa ser utilizado no consultório médico”, destaca.

A pesquisa cria um biomarcador comportamental – no caso, a força de preensão usada no ato de segurar um objeto – para detectar alterações neurológicas rapidamente, antes dos sintomas mais fortes de neuropatia. “A ideia é ter um equipamento que permita ao médico fazer a medição do valor de força, por meio de um teste pouco complexo, e já detectar se o paciente apresenta os primeiros sinais de alteração neurológica”, prossegue.

Atualmente, o diagnóstico definitivo da neuropatia é obtido por meio de um exame invasivo e doloroso, a eletroneuromiografia. Nele, uma agulha é inserida no braço do paciente, aplica-se um choque elétrico como estímulo e mede-se o tempo de reação, a chamada velocidade de condução nervosa. A proposta de Freitas é oferecer um procedimento que possa ser usado nas consultas de rotina nos consultórios.

O paciente seguraria um objeto instrumentado para medir a força exercida no ato de segurar um objeto. “Depois de dez ou 15 segundos de teste, o médico já teria o resultado: o paciente está segurando com determinado nível de força e o valor medido está abaixo do nível considerado seguro para o ato de sustentar o objeto. Isso pode sinalizar alguma alteração neurológica oriunda do diabetes”, exemplifica.

Como próximos passos, Freitas pretende desenvolver o objeto instrumentado a ser usado nos testes, que será mais simples do que o usado em pesquisas. Para isso, ele precisa determinar a melhor combinação entre o peso e o revestimento do objeto (mais áspero ou mais liso) que mostre a maior diferença entre os diabéticos e os não diabéticos. “Precisamos ter várias combinações entre objetos com superfície lisa ou áspera, objetos mais leves e mais pesados, avaliar as diferenças existentes entre essas combinações e escolher a melhor para ser usada nos futuros testes”, conta. O pesquisador busca parcerias com hospitais e empresas interessadas no desenvolvimento do equipamento e voluntários para participação nos próximos estudos.

Interessados podem entrar em contato pelos e-mails paulo.defreitas@cruzeirodosul.edu.br ou defreitaspb@gmail.com.

O artigo Grip and load force control and coordination in individuals with diabetes in different manipulation tasks pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0167945721000415?via%3Dihub.

Fonte: https://agencia.fapesp.br/36282