Fapesp

A FAPESP e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável


Pesquisa analisa motivações de proprietários rurais para conservar ou desmatar áreas de preservação


Pesquisa analisa motivações de proprietários rurais para conservar ou desmatar áreas de preservação

Fernandes, da Esalq-USP: “Compreender percepções e decisões dos agricultores sobre os benefícios promovidos pela floresta pode ajudar a otimizar o cumprimento da lei” (Amanda Fernandes/acervo pessoal)

Publicado em 15/07/2025

Agência FAPESP* – A legislação brasileira prevê que todas as propriedades rurais tenham áreas destinadas à preservação de florestas. Nas Áreas de Proteção Permanente (APPs) – entorno de nascentes, margens de rios e topos de morro, por exemplo – a vegetação nativa deve ser mantida ou restaurada e protegida de qualquer ação humana. Já as Reservas Legais correspondem a um percentual da área da propriedade no qual a vegetação nativa ou restaurada pode ser explorada desde que de forma sustentável.

Somadas, essas áreas correspondem a 54% da vegetação nativa remanescente do Brasil, o que ressalta a importância da participação de proprietários rurais nas políticas de conservação ambiental.

Um estudo publicado na revista Restoration Ecology por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e colaboradores avaliou as razões que influenciam as decisões de proprietários rurais do Estado de São Paulo sobre essas áreas em suas propriedades.

“Compreender os fatores que motivam as percepções e decisões dos agricultores sobre os benefícios promovidos pela floresta pode ajudar a identificar o que possibilita a conservação e a restauração florestal e otimizar o cumprimento da lei” explica Amanda Fernandes, que desenvolveu a pesquisa em seu mestrado no Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf) da Esalq e na Universidade de Wageningen, nos Países Baixos.

Foram realizadas entrevistas com 90 proprietários rurais de 13 municípios do Estado de São Paulo. A pesquisa avaliou três pontos principais na relação entre proprietários, as áreas de cobertura florestal obrigatórias e suas propriedades: as motivações para diminuição, manutenção ou ampliação dessas áreas; os benefícios da sua manutenção ou ampliação e a disposição para a restauração florestal em suas terras.

Proprietários de grandes áreas desmataram mais no período estudado (1985-2015) citando como razões incentivos governamentais (oferecidos entre as décadas de 1970 e 1980, mas que ainda seguem mencionados), aumento da área agrícola, de renda e a “ganância humana”. Entre os que mantiveram as áreas de floresta, a conservação da água e o cumprimento da lei foram motivações mais comuns em grandes propriedades, enquanto a adequação à legislação e o legado familiar foram prioritários para pequenos proprietários. Já entre os que ampliaram a cobertura florestal, as razões incluíram o cumprimento da lei, a conservação da água, terras inadequadas para agricultura e a expansão da APP.

Sobre os benefícios, a conservação da água foi o mais citado. “Em 78% das entrevistas identificamos uma percepção de alteração da disponibilidade de água de 1985 até hoje. Desses, 89% notaram redução na disponibilidade de água, atribuída a fatores naturais [como o El Niño], desmatamento, uso irracional da água, monocultura de eucalipto, assoreamento de rios e altas temperaturas”, explica Fernandes. Os 11% restantes relataram aumento na disponibilidade, associado à proteção de nascentes e à restauração de áreas degradadas.

A maioria dos proprietários se disse disposta a restaurar áreas florestais com apoio e retorno financeiro. Contudo, as contribuições mencionadas limitam-se à preservação das florestas existentes (60%) e à manutenção de áreas restauradas (38%). Apenas 2% citaram investir tempo e dinheiro para adquirir mudas e promover restauração ativa.

Seleção dos entrevistados

Um dos critérios utilizados para selecionar os entrevistados levou em conta municípios onde houve aumento, diminuição ou manutenção da área de vegetação nativa entre 1985 e 2015, uma análise que faz parte do projeto “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza”, vinculado ao Programa BIOTA-FAPESP, no qual a pesquisa se insere.

Quanto ao perfil dos entrevistados, 57% relataram obter sua renda principal da produção agrícola e da pecuária, 31% apenas da agricultura e 12% apenas da pecuária. Culturas como milho, soja, cana-de-açúcar, feijão, laranja – além de gado de corte e leiteiro – predominam em fazendas de médio e grande porte, enquanto mandioca, quiabo, alface, ovos, banana e limão são produzidos principalmente em pequenas propriedades. Dos entrevistados, 78% dos produtores relataram participar de cooperativas agrícolas e/ou associações de agricultores e 53% indicaram receber assistência técnica para a administração das propriedades.

Implicações práticas

Os resultados mostram que os proprietários rurais paulistas estão bem informados: têm educação formal, assistência técnica, participam de cooperativas, conhecem suas terras e a legislação. “Ainda assim, não estão totalmente dispostos a contribuir ativamente para a restauração de áreas em suas propriedades, mesmo que seja ordenada por lei”, reflete Fernandes. “Surpreendentemente, não consideravam o sequestro de carbono como algo relevante para esse processo, o que nos leva a refletir sobre a importância de avançar com comunicação e capacitação sobre projetos de restauração e carbono na Mata Atlântica, com destaque para os proprietários rurais e organizações que atuam com restauração no bioma.”

Apenas 9% de todos os produtores entrevistados perceberam o sequestro de carbono como um benefício. “A maioria não se interessa pelo tema e os que se interessam precisam de informações sobre o mercado de carbono e como aumentar sua renda com a conservação e restauração florestal dentro de sua propriedade”, frisa a pesquisadora. “A restauração do bioma acontece dentro das áreas rurais privadas e os proprietários precisam saber dos benefícios econômicos e sociais relacionados à captura de carbono”, complementa Fernandes.

“Outro ponto evidente é que o fator econômico é central nas decisões dos proprietários”, explica Cristina Adams, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e uma das autoras do artigo. “No entanto, soluções como as do mercado de carbono e dos pagamentos por serviços ambientais não vão resolver sozinhas essa questão. É preciso começar uma discussão sobre mudanças mais profundas, uma transição. Assim como estamos discutindo a transição energética para formas mais sustentáveis de produção de energia é preciso discutir a transição do modelo agrícola para uma agricultura ecológica que inclua a restauração de florestas.”

O artigo Determinants of farm-level land use decisions and perceptions of associated ecosystem services in the Brazilian Atlantic Forest pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/rec.70089?af=R.

Com informações de Érica Speglich, do boletim BIOTA Highlights.

Fonte: https://agencia.fapesp.br/55340